Capítulo 30

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Rosa ficou conosco por algumas semanas, mas o irmão, Carlo, dormia lá para garantir um pouco de sua honra, se é que alguma havia sobrado. A mãe também a visitava e não era tão indiferente à neta como queria aparentar. Seu coração amolecia a cada sorriso da criança.

Seguindo as ordens que eu havia lhe dado, Rosa começava a trabalhar na fazenda do Juca Moreira, levando junto a filha, que deveria conquistar o velho. Era muito arriscado e sofrido para ela, que sempre saía de casa com o semblante choroso, mas também se via coragem em seus passos decididos.

Eu a buscava todos os dias na curva do bambuzal, evitando me aproximar muito da fazenda e ser visto. As notícias avançavam rápido por aquelas terras e se o velho ao menos desconfiasse que havia algo entre nós, poderia ser o fim de todos os nossos planos. Para que Rosa e eu nos casássemos, antes era preciso que o fazendeiro fosse conquistado por Eva, que era sua neta.

— Sô Juca tá aborrecido por demais. — Rosa me contou um dia, enquanto voltávamos para a chácara de caminhonete. Carlo vinha à frente e ela estava com a bebê no colo no banco de trás. O rapaz não falava nada, parecia um fantasma.

— O velho não esquece do filho, não é? — Perguntei, franzindo a testa, sem tirar os olhos da estrada de terra vermelha.

— Ele botou os homem tudo pra procurar o Tião. Disse que vivo ou morto vai achar o fio.

Olhei para ela pelo retrovisor. Estava abatida, com o rosto preocupado. 

— Ele nunca vai achar. — Garanti — Mas o velho tem te maltratado?

Ela fez que não com a cabeça, mas ficou pálida ao ouvir a pergunta.

— Diz a verdade, Rosa.

— Ah, dotor, ele... aquele homem num é bão. E me trata igual cachorro sarnento. A muié dele inté que num faz mais nada. Ela nem tem mais saúde pra isso.

— E como estão tratando a Eva? Maltrataram nossa menina?

Vi Rosa sorrir ao escutar o "nossa menina".

— Não, dotor, eles gosta dela. A patroa fica com ela no colo o dia inteirin enquanto eu cuido da casa. Ela já aceitou que é fia do Tião e minha. Diz que a menina é cara da bisavó. E tamém a patroa sabia que o Tião e eu... o senhor sabe. — Sua voz soava tristonha — Mas inté isso deles gostarem da minha menininha me dá medo.

— Por quê?

— Ela e o patrão fica cochichando pelos canto, dotor. Eu acho que eles quer me roubar a menina por causa de ser neta deles.

— Num tem como eles fazerem isso, Rosa. — Apertei as mãos no volante para conter a angústia que aquilo me causou — Eles não vão ter tempo.

"Vão morrer antes" quis completar, mas me contive. O irmão dela estava ali e não era de confiança. O rapaz me respeitava, mas era um respeito silencioso e estranho. Nunca olhava em meus olhos e parecia estar sempre pensando longe. Estava ali apenas para nos observar e garantir a segurança da irmã e da sobrinha.

— Sabe se os homens terminaram de pintar as janelas, Carlo? 

O rapaz fez que sim com a cabeça. Seus cabelos lisos e espetados balançaram com seu jeito estabanado.

— Tá quase tudo pronto, dotor. Senhor quer ir lá ver?

— Vou levar a Rosa pra dar uma olhada. Ela que é a dona da casa, né?

Ele me deu um sorriso sem graça e voltou o olhar para a janela.

— Claro, dotor.

Pelo retrovisor, troquei um breve olhar com Rosa, que me deu um sorriso tímido e voltou logo a abraçar a filha, que cochilava em seu colo naquele fim de tarde. A casa era mesmo dela, havia construído para que vivêssemos com nossa filha, pois não queria estar na chácara com meu irmão e não pediria jamais para que ele saísse. Além do mais, a casinha seria das duas e ninguém nunca poderia tirar delas.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora