Capítulo 38

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A maçaneta era uma bola enferrujada, cor de bronze. Meus dedos a giraram devagar, fazendo um rangido leve soar naquele lugar escuro. Mauro havia me sussurrado "Matar com frieza não é o que você sabe fazer, vai conseguir?". Dentro de mim uma voz dizia que não, mas ao pensar em minha mulher e em minha filha sentia que era mais fácil do que nunca. Meu sangue fervia e tudo em mim parecia se perder.

Meus pés foram silenciosos sobre o assoalho de madeira polida. Mauro estava bem atrás de mim. Os passos não faziam barulho algum e mesmo se fizessem, o ronco do fazendeiro era alto o suficiente para bloquear qualquer som. Ele dormia de lado, nu, com metade da barriga grande de fora. Visualizei sua silhueta na escuridão, parcialmente iluminada por uma lamparina acesa ao lado da cama. Fiquei nauseado. Ao lado dele estava a mulher, de costas para ele, com a camisola erguida e a calcinha abaixada até as coxas.

Mauro me cutucou e deu um sorriso de lado, como quem diz "O velho não perdoa nem a inválida."

A pobre coitada não andava, não comia direito, estava muito doente, mas parece que o marido não tinha piedade dela. Era para isso que mulheres serviam para a maioria dos maridos, para depósito de esperma. 

Meu irmão foi até a mulher com o saco plástico em mãos para sufocá-la. Eu deveria fazer o mesmo com o velho, mas não me sentia seguro. Não era assim que eu matava, nunca havia cometido um assassinato a sangue frio. Sempre era na fúria, espancando, quebrando ossos, nunca devagar, nunca como haveria de ser naquela noite. No entanto, a morte deles precisava ser limpa, sem muitos vestígios.

"Vai acabar rápido." Pensei, caminhando até o fazendeiro também com um saco plástico em mãos.

Meu coração começou a acelerar. A cada vez que fechava os olhos, pensava nas minhas garotas em casa. Queria tanto voltar para elas, dizer que tudo havia acabado, que ninguém mais as machucaria e que estavam seguras a partir daquele instante. Senti muito medo de morrer e deixar as duas sozinhas no mundo.

Ao pensar em tudo que aquele velho asqueroso havia causado na vida delas e de várias outras mulheres, comecei a sentir o ódio pulsar. Foi tudo que precisei para avançar sobre ele.

"Faça por elas." Mantive minha mente firme no propósito e no asco que sentia daquele homem.

Mauro e eu fomos ao mesmo tempo, com uma sincronia de passos silenciosos e rápidos. Quando o saco plástico envolveu a cabeça da mulher, ela não fez nenhum barulho. Tentei não olhar para o que meu irmão fazia enquanto eu subia em cima do velho Juca Moreira, envolvia sua cabeça e lhe tirava o ar. Diferente da mulher, ele foi violento e se debateu com ferocidade.

"Morre logo, diabo!" Pensava desesperado, vendo minhas veias saltadas à luz das velas. Ele cravou as unhas em minha pele, disparou socos e chutes enquanto meu coração saltava como nunca no peito.

A espera me dava angústia. Não era assim que eu trabalhava. Não sentia prazer no processo da morte como meu irmão sentia. Minha forma de matar era uma descarga de raiva e de nojo. Era rápido e violento. Mas a asfixia não, ela é lenta e exige frieza para observar. Você fica ali, segurando a vida da pessoa nas mãos, vendo-a lentamente ser retirada e por um segundo duvida da própria humanidade. 

— O que está fazendo, Rômulo? 

O chamado do meu irmão soou longe, pois meus ouvidos latejavam. Um suor frio escorria pelas minhas costas e minhas mãos tremiam. Ouvi a voz de uma menininha, mas quando olhei para o lado não vi ninguém. Sem notar, perdi a força e o aperto da sacola na cabeça do velho ficou frouxo. Tudo aconteceu tão rápido. Vi um vulto branco passar correndo para fora do quarto, pela porta aberta. Uma criança. Meu sangue gelou.

— Quem tá aí? — Cochichei para a escuridão.

— O que tá fazendo? — Ouvi Mauro sussurrar desesperado, mas não olhei para ele.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora