Capítulo 26

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Rosa estava tão encantada que mal se dava conta de que havia sido traída. Contei ao meu irmão sobre sua vida, pedi que me ajudasse e trouxe sua filha de volta. No entanto, ela estava tão envolvida pelo fato de ter a criança outra vez nos braços que mal conseguia pensar.

Peguei a certidão de nascimento, todas as coisas que havia comprado e entreguei nas mãos de Rosa. Seu rosto adquiriu um semblante confuso, um tanto desconcertado por estar recebendo de mim aquele zelo.

— Eva? — Ela leu o nome na certidão e olhou para mim — Foi o dotor que quis esse nome, não é?

— Era o nome da minha irmã. — Confirmei, sem jeito — Foi o primeiro nome que pensei. Ela precisava ser registrada.

Rosa pegou a menina e a deitou nos braços, mesmo que a cama estivesse ali. A ninou, passando a mão sobre os cabelos dela, até que os olhinhos de Eva se fecharam. Vez ou outra, uma lágrima caía dos olhos de Rosa sobre os braços gorduchos da criança. Nunca a tinha visto sorrir tanto. Havia brilho nos olhos dela, como jamais vira antes.

— Eva é um nomezin bonito. — Rosa pegou a mão da menina e beijou, puxando a criança para mais junto de si — Eu nem sabia como ia chamar ela. Acho que ia por o nome de "Vida", porque é o que eu sinto agora que ela tá aqui, dotor. Parece que eu nasci de novo.

A cada palavra, Rosa fungava mais, sem conseguir controlar o pranto que parecia vir de muito dentro, inundando todo seu ser. Era uma mulher tão machucada. Digo "mulher", pois não conseguia mais vê-la como menina. Apesar de ter apenas 18 anos, o que havia vivido a tinha transformado em mulher adulta há muito tempo.

— O que o dotor quer de mim? — Ela me encarou, com o queixo trêmulo e a voz embargada — Eu faço qualquer coisa. Nunca vou poder pagar o que fez. Nunca.

Peguei uma das sacolas e tirei todas as roupas que havia comprado. Dentro delas, além de roupas de criança, tinha alguns dos mais bonitos vestidos que tinha encontrado, além de casacos novos e dois sapatos de moça. Não sabia o número de Rosa, então tentei a sorte.

— Toma. — Entreguei tudo a ela — Você vai se vestir bem bonita, vai começar a comer bem pra poder criar essa guriazinha. Essa vai ser a primeira parte do seu pagamento.

Assustada, Rosa apenas observou sem nada dizer. Seus dedos longos, pálidos e magricelas tocaram o tecido rendado com medo. Era como se pensasse que iria se desmanchar ao seu toque.

— Meu corpo num merece tanto luxo. — Disse ela a si mesma — O senhor me comprou coisa de mulher granfina.

— Comprei roupa de mulher, diacho! — Reclamei — Só veste, entendeu? Não cria caso.

Rosa balançou a cabeça que sim, envolvendo a filha adormecida com os dois braços, como se eu fosse tomá-la dela. Não nego que era essa a minha vontade. Não sentia que Rosa tinha capacidade para tomar conta da filha, se não tinha nem condições de se cuidar sozinha.

— Você vai engordar. — Garanti — Quero que fique com saúde de novo. Vou ver se acho umas vitaminas pra você na farmácia.

— Por quê o dotor se importa? — Seu olhar desconfiado parou no meu — Não entendo. Eu num sou nada. O que o senhor quer comigo?

— Não tem que ter medo. Não vou querer deitar com você que nem esses desgraçados.

Rosa baixou a cabeça, envergonhada. Em um impulso, levei os dedos até ela e passei a mão por seus cabelos. Eram macios como seda, negros como a noite e caíam como um rio sobre os ombros dela.

— Mas você vai me ajudar, Rosa. E vai ajudar a sua menina também. Todo mundo vai ganhar.

— O que o dotor tá falando?

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora