Capítulo 2

593 95 89
                                    

— E essa missa? Não acaba mais não? — Mauro olhava as horas e coçava a cabeça. Odiava esperar.

— Sossega. — Olhei pela janela do carro e a escadaria que levava à igreja estava vazia — O velho Geraldo disse que acaba às dez e meia no máximo. O menino já vai aparecer.

Senhor Geraldo Porfírio tinha mais de setenta anos e era um divinense muito astuto. O armarinho que administrava não era maior do que um banheiro, mas ficava bem no centro da cidadezinha. Ele nos contou, assim que o conhecemos, que havia deixado o ofício de professor há alguns anos, mas que graças à essa profissão, conhecia muitas pessoas em Divino, entre elas a família Rodrigues.

— O filho mais velho deles foi meu aluno e é meu afilhado de batismo. — O idoso ajeitou os óculos quadrados no nariz torto, um traço da descendência italiana, muito comum por ali — Eles quase não aparecem aqui na cidade, estão sempre na roça. São gente muito trabalhadora. Passam bastante dificuldade nos Viletes, com aquele pedacinho de terra deles que não tem produzido muito.

Para o senhor Geraldo, aquela família era a ideal para o trabalho que procurávamos. Residia próxima do nosso rancho e provavelmente estaria bem interessada no que estávamos oferecendo. No entanto, o único membro dela, que vinha frequentemente à cidade, era o filho caçula.

— O rapazinho vem todo domingo para o catecismo. Ele tem o cabelo preto igual ao seu, — O velho apontou para mim — só a pele é mais queimada. São todos descendentes de puri.

— De quê? — Mauro franziu a testa.

— Puri, doutor, são descendentes de índios puris.

— Ah, sim... — Meu irmão fez uma cara de desinteresse — Mas como vamos achar o garoto?

— Não é difícil de reconhecer, não, é um indiozinho. Esperem pra falar com ele depois da missa. Digam que fui eu que indiquei e ele não vai se assustar.

Seguindo esse conselho, nós dois ficamos esperando na rua de baixo. Quando a missa finalmente acabou, observamos as senhoras descendo vagarosamente a longa escadaria, enquanto as crianças passavam por nós, correndo até o coreto da praça. Elas brincavam debaixo das sombras das raízes das árvores e das flores cor-de-rosa nascidas naquela primavera. Os bancos estavam cheios naquele domingo e as pessoas circulavam em torno da fonte para observar as tartarugas que ali viviam.

Os homens eram escassos, mas mulheres e crianças surgiam de todas as partes. Quando vimos um garoto descer sozinho os infinitos degraus, foi mesmo como ver um indiozinho vestido. Era magricela e moreno, com um ar inocente que eu provavelmente nunca tive.

Mauro e eu cercamos o caminho do moleque, que foi logo arregalando os olhos.

— É você mesmo que estamos procurando. — Falei e ele me encarou com desconfiança — É o José Marcos, não é?

— Às ordens.

Amaldiçoada e bendita hora foi essa em que conheci aquele menino. Amaldiçoada e bendita hora foi essa em que ele e todos daquela família cruzaram nosso caminho.

— Você é filho do senhor Antônio Rodrigues, certo? — Perguntei.

— Cês conhecem ele?

— Não, nós não somos daqui, rapaz. — Mauro lançou um sorriso simpático.

José Marcos era arredio e desconfiado como apenas um mineiro sabe ser. Toda pergunta era respondida com outra pergunta. No entanto, se algum dia alguém havia lhe ensinado discrição, o garoto já havia se esquecido de como usá-la. Reparava em nós dois da cabeça aos pés, como se fôssemos atrações de circo.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora