Capítulo 18

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Um beija-flor entrou na varanda, beijando as flores nos potes sobre os muros. Suas asas rápidas o faziam trabalhar depressa, como eu mesmo sentia que minha mente trabalhava.

Observei o rosto do índio, sentado abaixo das samambaias penduradas no telhado de telha de barro. Suas expressões nunca eram amigáveis, mas ele era o único em quem em confiava daquela família, e eu sabia que ele também confiava mais em mim do que em meu irmão. Havia uma certa aliança muda entre nós dois. 

Quando questionei o motivo de Rosa ter se sentido tão mal, ele desconversou. Começou uma ladainha sobre dignidade do trabalhador do campo. Queria apenas me enrolar. O velho era bom nisso.

Era um fato incontestável que a família Rodrigues se sustentava com dificuldade apesar de trabalhar arduamente. Seu Antônio, velho orgulhoso que era, jamais permitiria que seus filhos recusassem um trabalho digno, nem mesmo Rosa, que tanto adorava. Ele sabia que a filha não estava bem com o fato de voltar a trabalhar na fazenda, mas endurecia a voz e falava com sábia certeza que ela não desobedeceria.

— Quando menina, a Rosa num gostava de lá. — Recordou o velho — Mas eu falei pr'ela que casa de rico é tudo igual, que o importante é ter um servicim.

— É verdade que sua filha está quase casando, sô Antônio ? — Nunca consegui fazer rodeios como Mauro.

— De vera. — Afirmou ele, cabisbaixo — Num faço muito gosto, mas num quero escoiê marido pra minha menina igual que minha mãe fez com minhas irmã quando elas era nova. O rapaz num é ruim e tem boas condição de sustentar ela.

Eu sabia que ele não estava satisfeito com a saída da filha de casa. Rosa era inteligente e direcionava os pais, muito mais do que os irmãos. Ela os protegia e defendia com tamanha sutileza que, muitas vezes, suas ações passavam despercebidas.

Apesar disso, quando necessário, Rosa se colocava no papel de inferior e baixava a cabeça para aquilo que os mais velhos ditavam, pois havia aprendido que eles sempre saberiam dizer o que era melhor para ela. Esse era o motivo de aceitar trabalhar na fazenda do Juca Moreira, o assassino de seu tio e provável personagem de terríveis cenas de sua infância.

— Até num entendo muito como ela foi namorar o Nicodemos. — Seu Antônio refletia — Ela num gostava dele quando trabaiava na fazenda. Chegou chorando um dia quando tinha uns treze ano. Nem queria voltar pra lá.

— Então eles se conhecem há muito tempo.

— Conhecer, não. — Ponderou ele — Ele passava uns dia na fazenda quando a Rosinha trabaiava lá, mas ela num gostava do jeito dele. Ela nunca falou, mas eu sei que os menino faz de tudo pra judiar das menina. Sendo afiado do Juca e da Célia ele podia fazer o que quisesse com ela, que padrim e madrinha defendia ele.

— Ele vem aqui na casa do senhor ver a Rosa?

O velho me encarou e dobrou a cabeça para o lado, semicerrando os olhos com esperteza.

— O dotor tá arrudiando porque tá querendo saber de alguma coisa?

— O senhor me desculpa. — Disfarcei — Foi curiosidade mesmo. Não imaginei que a Rosa namorava, nem que iria casar. Fiquei preocupado agora de ter atrapalhado o namoro dela por ter meio que arranjado esse trabalho na fazenda.

Com minha desculpa esfarrapada, o velho Antônio continuou desconfiado, me estudando como se fosse em algum momento conseguir ler a minha mente.

— Num esquenta cabeça não, dotor. — Disse ele — Esse namoro num se atrapaia fácil. Agora, respondendo o que ocê perguntou, ele num vem muito não e nós prefere assim.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora