Capítulo 34

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Aquele pedido me deixou em pânico. Não podia de nenhuma maneira fazer aquilo, mas ao olhar dentro daqueles olhos desesperados, quase me rendi.

— Não posso, Rosinha. — Segurei seu rosto nas mãos — Não me peça isso.

— Por que? — O queixo dela tremeu — Eu preciso.

Uma única lágrima dela desceu e encostou em minha mão. Estava morna. Eu limpei seu rosto e a puxei para dentro de casa. Vi a nossa criança dormindo em uma bacia de alumínio sobre um manto e aquela imagem serena me deu alívio.

Me sentei no banco de madeira e segurei as duas mãos de Rosa, que ficou de pé à minha frente. Ela não conseguia mais conter o choro, que rolava de seus olhos sem alarde. Ela parecia não dar atenção para o próprio choro e se mantinha firme.

— Se eu te ensinar a matar, vou te sujar. — Acariciei os dedos dela — Você vai pro inferno que nem eu. Você é limpa, Rosa.

Ela riu com sarcasmo.

— Limpa? Eu? Depois de tudo que já fiz? Eu sou imunda.

— Não é. Você não fez nada. Fizeram com você. Não conheço ninguém com a alma tão limpa quanto a sua.

Ela apertou meus dedos também.

— Se eu coloco uma arma em sua mão. — Continuei — Eu condeno a sua alma, te corrompo, diacho! Não entende? Não posso fazer isso. Posso ser um desgraçado, mas não quero arrastar uma pessoa igual a você pro mesmo caminho.

— Igual eu?

— É... uma pessoa boa, alguém que merece o céu.

Mal notei como minhas palavras adoçavam para ela a cada segundo. Sentia uma imensa ternura quando a observava, quando sentia seus olhos nos meus. Sabia que meu corpo ainda estava repleto de fúria pelos momentos anteriores, mas diante de sua imagem, tudo em mim se aplacava.

Foi uma surpresa quando ela, após um segundo a pensar, se sentou em meu colo e me abraçou com força. Senti seu corpo trêmulo contra o meu e não tive escolha se não a segurar nos braços quando chorou.

— Se vai pro inferno. — Rosa sussurrou — Quero ir tamém, Rômulo. Eu num ligo de me sujar pela nossa menina. Ninguém nunca pode judiar dela como judiou de mim. Num vou aguentar. Prefiro o inferno a esperar que Deus proteja ela. Ele não me protegeu.

— O que é isso? Perdeu a fé?

— Eu tô com raiva. — Senti suas unhas em minhas costas, mesmo sobre a camisa — E tô com medo. Não por mim. Se eu morrer, os bicho come e quem vai chorar por minha causa? Já tô tão morta... Mas tenho medo por ela, pela Eva. O que vai ser desse pinguin de gente, dotor?

O desespero dela me desesperou também. Com resistência, acariciei seus cabelos lisos e levemente embaraçados. Quando dei por mim já tinha beijado sua bochecha corada e lhe dito palavras de consolo.

— Eu estou aqui, não estou? Eu vou sempre proteger vocês. E você não tá morta, Rosa. Nem pode morrer. Te quero comigo.

— Por favor...

— Não me pede pra te ensinar a matar. Não vou fazer isso. Não insiste!

Ela se afastou com aquela frase. Lentamente saiu dos meus braços, como se eu tivesse mandado que fosse embora. Me senti tão vazio vendo-a se distanciar de mim como uma sombra vagando. Parecia tão leve, flutuando sobre o chão e sem paradeiro.

Me levantei e fui atrás dela, preocupado. Rosa andava cambaleando, como uma pessoa bêbada. Tentei ampará-la, mas não tive tempo. Depois de três passos, ela caiu à minha frente. Mal pude fazer qualquer coisa para impedir, de tão rápido que foi.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora