Capítulo 25

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O barulho do tiro assustou Eva e também Martinha. Pude ouvir seus gritos agudos do carro e o choro que me partiu o coração. Não era o tipo de assassinato que me dava prazer, mas precisava tomar as rédeas da situação.

Meu irmão havia se oferecido para o "trabalho", mas aquele problema era meu. Tinha de provar para ele que era capaz de fazer tudo por minha conta, de forma que parasse de tentar bancar meu pai a todo instante. Aquilo precisava acabar. Ele me achava um fraco e eu não aguentava mais que mandasse em mim.

Voltei rápido para o carro, em vez de ficar admirando um pouco a paisagem, como gostaria. O lugar era bonito e um tanto enigmático. Pensava na terra consumindo aquele cadáver em breve, em total monotonia. O apodrecer de um corpo era como mágica. Retornava a carne à terra, repartindo-se para alimento de milhares de vermes. Carregava certa beleza.

— Vamos logo. — Entrei na caminhonete e partimos à toda velocidade.

Martinha passou o resto do caminho com o queixo trêmulo, completamente apavorada.

— Nós salvamos a sua vida. — Falei para ela em determinado ponto — Espero que seja agradecida e mantenha a boca bem fechada.

— Sim, senhor. — Martinha falou baixinho, encolhendo-se contra a janela do carro. 

Eva, no entanto, não parava de chorar.

— Cala a boca dessa menina. — Mauro reclamava.

— Ela está com medo, diacho!

— Vou dar um motivo pra ela ter medo. — Resmungou ele, virando o volante sem qualquer juízo — Vê se dá um jeito de fazer ela dormir ou vou ficar doido e capotar essa merda de carro.

— Você não é doido de continuar dirigindo que nem biruta! Fica na sua e não se mete com a minha filha.

Mauro riu.

— Não se esqueça do que o nosso patrão dizia: "Feliz o homem que arrebentar os seus filhinhos de encontro às rochas."

Me arrepiei de pavor. O nosso "patrão" era o militar que havia nos educado naquela maldita fazenda.

— Qual é o salmo, Rômulo? — Mauro sorria pelo retrovisor — Anda, eu sei que você sabe. O homem fez você decorar a Bíblia toda que eu sei.

 137. Eu acho.

— Você não acha. Você sabe.

— Para de me atazanar com isso!

— Pense! Por qual razão seria errado? — Ele riu, vitorioso — Matar pode ser sempre a solução, não importa que idade tenha a pessoa tenha. Ser criança não é desculpa para não merecer todo o peso de uma bala na cabeça!

— Maldito! Seu Deus não é o mesmo que o meu!

— Ah, é? — Mauro deu uma gargalhada ridícula — Não era você que não acreditava mais em Deus?

— Nunca sei se acredito ou não. — Respondi, confuso, segurando Eva contra o peito para acalmá-la e protegê-la. Ela agora chorava baixo, temerosa pelos gritos de Mauro — Ele me devolveu minha Eva.

Mauro estava perdendo a paciência comigo. Podia sentir que minha fala estava enlouquecida, obcecada, sem sentido, mas não conseguia me situar. Sabia que não era verdade, mas sentia que era. 

— Tinha que ter te deixado naquele lugar de doido pra ver se te curavam. — Mauro fechou a cara — Que eu saiba essa menina tem o sangue do Tião e não o seu.

— Eu matei o pai dela. — Observei as montanhas altas pela janela, evitando pensar que meu irmão me observava pelo retrovisor — Agora é meu dever substituir ele.

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora