Capítulo 8

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Todas as cenas retornaram à minha mente durante aquela noite de pesadelos. Revirei na cama, suando frio, sentindo que não havia dormido nada. Há anos meu sono era terrível, mas naquela noite havia sido muito pior.

Quando o galo cantou no terreiro, meus olhos se abriram automaticamente. Ao me sentar na cama, com a cabeça dolorida, eu a vi ali, encolhida no chão frio, bem no canto do quarto. Usava um xale de tricô em volta dos ombros magrelos e os pés estavam descalços e roxos. Que imagem estranha e incompreensível.

— Rosa! — Gritei — Levanta, menina!

Ela despertou em um pulo e veio até mim.

— O dotor sarou?

—  Não interessa. Vai embora! Vai cuidar das suas coisas. — Me levantei enquanto ela saía rápido de perto de mim. Segurei a cabeça dolorida e pesada nas mãos por alguns segundos — Que diacho foi isso?

Me perguntei se ela havia ficado comigo a noite inteira, me ouvindo gritar ou balbuciar as lembranças do meu passado. As mulheres com quem dormia diziam que eu costumava falar sozinho e sempre ficavam bravas quando eu pronunciava o nome "Eva". Nunca contei à elas que Eva era minha irmã, e que era o nome que eu pensava em dar à menina do paiol. Deixei que pensassem que as estava traindo.

Saí do quarto instantes depois, com um cansaço sem medida. Me vesti, calcei a botina e peguei meu chapéu preto no prego. A cabeça ainda rodava. Olhei no espelho e minha barba estava crescida, como uma grama negra sobre meu queixo, mas estava sem ânimo algum de apará-la.

Tomei o café e comi um pedaço de broa de milho que havia em uma das latas. Olhei ao redor e a casa estava vazia. Do lado de fora, o galo carijó cantava sem parar.

Saí, olhando o dia frio que começava. O céu estava esbranquiçado e as montanhas cobertas por nuvens naquele início de manhã.

— Cadê ela? — Pensei em Rosa, mas logo me irritei comigo mesmo — E pra que diabos eu quero saber?

Saí e passei pelo terreiro, pensando em ir trabalhar um pouco com os filhos do senhor Antônio para esquentar os músculos. Assim que passei pelos fundos do rancho, vi Rosa debulhando milho para as galinhas perto do açude. Senti algo apertando meu estômago ao ver o brilho do sol sobre água, fazendo Rosa reluzir, completamente dourada como o restante da imagem.

Ela pareceu ansiosa ao me ver caminhar devagar em sua direção. Mal conseguiu arrancar mais milhos da espiga. Fiquei pensando se ela sentia medo de mim ou se eu lhe causava o mesmo mal estar que ela me causava.

— Desculpa, dotor. Desculpa eu ser atrevida.

— Pra quê foi sentar no chão do meu quarto?

— Ah, o dotor tava numa tosse de cachorro tão braba, tava falando a noite inteira, parecia tá passando mal demais. Eu fiquei ali pra caso precisasse.

— Passou a noite?

Ela fez que sim e eu não soube responder. A sensação em meu estômago aumentou.

— Me ouviu falar, não foi?

Ela fez que sim outra vez.

— O senhor parece tá com o coração pesado.

— Você também.

Nós nos encaramos. Nenhum dos dois sabia da história do outro, mas dava para sentir, como se nos conhecêssemos a vida toda.

— Rosa, me fala, depois da morte do seu tio, como que está a sua família?

— Minha família?

a Flor e o VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora