VII. Você nunca percebeu

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Steve devia pensar que eu havia morrido. Pensei então que fingir-me de morta para escapar daquele encontro não parecia uma ideia tão ruim assim.

Não tinha a menor vontade de sair daquele balcão. Até mesmo eu me vira surpresa com o quanto estava gostando de estar conversando com Benjamin. O movimento no Prince of Wales estava baixo naquela terça-feira, e eu o observava interromper nossa conversa para atender algum cliente apenas esporadicamente. Eu, e acredito que quase todos os outros alunos da St. Margaret, nunca precisara trabalhar e sempre tivera em mãos tudo o que queria, bastava pedir para minha mãe em um dia bom ou mandar uma mensagem de texto para o meu pai; não conseguia nem imaginar como era ter que realmente se esforçar por alguma coisa. Eu o admirava por aquilo.

- Você já leu? - ele me mostrou uma revista que estava em sua cadeira de descanso, num ponto da conversa. Tinha na capa uma ilustração baseada no quadro O Grito. Balancei a cabeça negativamente - É uma compilação de contos de horror de um quadrinhista japonês, Junji Ito - Ben colocou o livro na  minha frente e virou-o na bancada para que eu pudesse lê-lo. Sorriu enquanto continuava: - É bem macabro.

Folheei as páginas. Ele não estava exagerando ao me avisar que era bem macabro: o traço era esquisito e as pessoas assumiam formas ainda mais esquisitas. Senti um certo calafrio e chacoalhei meu corpo para me livrar daquilo.

- Não, obrigada - deslizei a revista de volta para o seu lado do balcão - Prefiro livros de colorir das princesas da Disney.

Benjamin riu.

- Isso é porque você não conhece as coisas boas da vida: mangás de horror e filmes de terror de baixo orçamento.

- Quem sabe você pode me indicar alguns qualquer dia desses?

Ele corou mais rápido do que achei que fosse possível. Sim, eu estava flertando descaradamente. Um hábito antigo que nem um namorado secreto conseguia apagar.

Já havia esquecido da existência de Steve Reynolds quando ele sentou-se na cadeira ao meu lado e pediu batata-frita, virando-se em seguida para mim. Benjamin me lançou um olhar de cumplicidade antes de voltar-se para o trabalho e nos deixar sozinhos.

- Você quer patinar agora? - Steve não parecia nada confiante em sua pergunta. Respondi apenas com um sorriso forçado. Passamos um bom tempo em silêncio antes que ele continuasse, não sem antes respirar fundo: - Me desculpa por tudo isso, Effy. É que você me intimida. Nunca sei como agir perto de você e às vezes faço besteira.

Continuei a encará-lo, sem entender nada. Steve Reynolds, um dos caras mais populares da escola, estava dizendo que eu o intimidava? Steve era um astro do futebol, não deveria se sentir intimidado por ninguém.

- Você nunca percebeu, né? - ele prosseguiu, deixando uma risada escapar pelo nariz - Eu estou lá desde o primário e você nunca percebeu.

Arregalei os olhos. Essa provavelmente era a última reação que Steve queria que eu tivesse, mas só consegui permanecer em silêncio. Nem nos meus sonhos mais loucos eu imaginaria que teria Steve Reynolds declarando-se atrapalhadamente para mim, ou para qualquer garota, na verdade. Ele era como eu: nunca ia atrás, as coisas sempre iam até ele. No entanto, ali estava, abrindo a torneira de seus sentimentos para alguém que não tinha condições nem de molhar as mãos neles. Eu não queria, mas senti um pouco de pena.

- Eu não fazia ideia... - disse, depois de perceber que dessa vez não seria ele quem quebraria o silêncio - Steve, eu não posso retribuir...

- Tudo bem, tudo bem. Eu tenho me preparado pra isso há muito tempo - ele sorriu - É sério. Tá tudo bem.

Senti um aperto no coração. Aquilo não deveria estar acontecendo, eu estava habituada a não corresponder a expectativas amorosas, tinha até um discurso pronto para quando esse tipo de coisa acontecia. No entanto, de algum modo, Steve era tão parecido comigo que eu conseguia imaginar claramente o que estava sentindo. Ao mesmo tempo, me sentia um pouco aliviada por ter quase certeza de que ele não era meu namorado, porque se fosse, todas as minha chances teriam sido esmagadas por essa não-reciprocidade.

Procura-se Meu Namorado [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora