Capítulo 20 - Completamente pirado

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Perto de meio dia, eu me remexo na cama e percebo que mamãe já se levantou. Fico um bom tempo parada, deitada, olhando para o teto, considerando seriamente ficar aqui para sempre. Se eu ficar aqui bem quietinha, se eu não me mover nunca mais, talvez o resto do mundo se esqueça de que eu existo e talvez ninguém venha cobrar minhas responsabilidades.

Quando eu escuto as risadas dos meus primos do lado de fora, decido que já enrolei demais. Tirando coragem não sei de que buraco do meu corpo, me levanto e vou tomar um banho demorado, deixando a água cair pela minha cabeça latejante até que eu me sinta minimamente viva de novo.

Leta está à espreita assim que surjo na cozinha.

— Olha elaaaaa!!!!!

— Uuuuuuhhh!! — Anna e Siggy gritam em conjunto, ela batendo palma e ele batendo as mãos na mesa como um tambor para fazer ainda mais barulho.

Minha mãe, que está tomando uma xícara de café tranquilamente sentada à ponta da mesa junto com os adolescentes, faz um "tsc" com a língua e revira os olhos, como se meus primos fossem muito imaturos. Isso me faz segurar a risada, porque, que descarada! Como se algumas horas mais cedo ela própria não estivesse me provocando com cócegas para ver se arrancava alguma informação de mim.

Me sento ao lado de Anna, que é a mais civilizada da mesa, e puxo o bule para me servir de um pouquinho de café. Me fazendo de emburrada, não falo nada com ninguém, nem bom dia. Obviamente minha cara fechada não abala o humor nem a vontade de incomodar de ninguém dessa mesa.

— Como foooooiii?? — Leta insiste. — Mano, sa-bi-a que você ia cair na do Paulo.

— Quem é que não cai no papo daquele lá? — Siggy comenta, dando uma risada enquanto sacode a cabeça.

— Olha, pois eu acho que dona Isabel fez um ótimo negócio — Anna fala. — Porque o Paulo é uma DELÍCIA.

— Quem que você não acha uma delícia, né, Anna? — Siggy provoca.

Anna pisca os olhos delicadamente, sem se sentir nem mesmo um tiquinho afetada pela afronta.

— Bem, pra começo de conversa, você, querido Sigmundo. Está deixando bastante a desejar com essa barba rala malfeita.

Meu primo passa a mão pelo rosto e faz uma careta.

— Eu acho que tá charmoso — Leta contraria a irmã.

Obrigado, Leta — Siggy cruza os braços. — Pelo menos alguém nessa família tem bom gosto.

Eu rio, quieta, feliz de não ser mais o assunto central da mesa, e acho melhor nem comentar sobre como Siggy está mesmo parecendo um verdadeiro rato com essa penugem no rosto, porque não quero chamar atenção para mim.

É uma manhã de domingo comum na família Lopes. Vovó e vovô foram à missa e só devem voltar mais tarde com o almoço, enquanto nós, os "hereges", esperamos famintos à mesa, conversando casualmente. A cena é natural para mim, familiar até. Quantas vezes não passei pelos mesmos eventos quando vim visitar meus avós durante as férias? A diferença é que agora não sou uma mera visitante, e sim uma residente desse lugar. Os domingos entediantes esperando meus avós voltarem da igreja trazendo comida vão em breve se tornar apenas mais um dos pontos altos da minha semana.

Depois do almoço, passo o resto do dia em uma malemolência confortável e caseira, rindo, tagarelando, recontando memórias das nossas infâncias. A casa aos poucos volta a se encher com tios e primos diversos com o correr das horas. Não me sinto julgada, ou pelo menos sinto como se esse julgamento comum e inerente a toda e qualquer família tivesse perdido o poder de me afetar em um nível tão pessoal. Então me solto. Me deixo participar das conversas, rio das piadas dos meus familiares, me perco em memórias saudosas e aproveito a preguiça coletiva daquele domingo.

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