Capítulo 14 - A missão

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Eu passo o restante das aulas do dia mexendo no celular por baixo da mesa.

Quando eu morava em São Paulo, aperfeiçoei a técnica de fazer isso sem ser notada. O truque é uma mistura de 1) saber olhar para o professor de quando em quando com cara de interessada e 2) aprender a digitar sem precisar ver.

Mas no momento eu nem ligo muito se vou ser pega ou não, então ignoro todos os meus métodos e mergulho no maravilhoso mundo das novas tecnologias.

Alterno basicamente entre dois aplicativos: a conversa com Rubi e a página na web sobre o Sanatório de Hortência. Rubi, lá da nossa casa em São Paulo, está com o computador aberto e várias abas de pesquisa.

"Muito estranho," ela me diz. "A coisa mais recente na mídia que achei é uma reportagem de 2010 falando sobre a decadência da estrutura do prédio do Sanatório. Eles entrevistaram o prefeito, que disse que tinha planos para reformar a casa, que era uma memória histórica de Hortência, mas depois disso nunca mais ninguém disse nada."

"Muito estranho," concordo.

"Achei um grupo no Facebook também, 'Histórias Macabras de Hortência'. Um garoto disse que ele escutou uns gritos vindo do Sanatório, daí subiu até lá pra ver o que era e quando chegou não tinha nada... Mas tá com super cara de fake, né?"

"Por acaso o garoto se chama João?" eu pergunto, porque coisas importantes precisam obviamente serem perguntadas.

"Não, Maurício. Por quê?"

"Nada. Ai, o site do Sanatório parece que foi feito em 1999 por uma pessoa sem a menor noção de estética, você viu?"

"Mano, sim!!!!" Rubi manda uns emojis de risada. "E além de tudo não diz nada relevante. Só o mesmo blá blá blá de sempre sobre o passado do lugar e uma possível restauração no futuro."

"Eu fui a visitante número 212.045," digo para ela, porque acho uma informação muito específica engraçada. Adoro a época em que contador de visitante era moda nos sites. Só ia ser melhor se eu fosse a visitante 999.999.999 e ganhasse uma promoção de viagem para Aruba.

Rubi manda um emoji chocado. "Eu fui a 212.043!!!! E o 212.044??? Quem será que tá pesquisando sobre o Sanatório de Hortência no mesmo dia e na mesma hora que a gente????? Muito suspeito!!!!"

Eu olho ao redor, porque talvez seja Paulo, Toni ou Leta, já que eles também estavam falando sobre o assunto hoje e é super plausível que tenham decidido investigar junto comigo. Mas, não. Todos eles estão bonitinhos e comportados prestando atenção no que a professora está falando, porque aparentemente querem passar no Enem e têm coisas mais importantes para se preocuparem na vida.

"Releva," Rubi manda. "Aparentemente sou a visitante 212.044 também. Abri o site em outro navegador para ver se aqueles links com defeito de clickagem eram bug do Chrome."

"Aff Rubi que susto do caramba! Hahahahaahaha já achei que a gente tava sendo vigiada pelo FBI."

"Ou pelos fantasmas do sanatório," ela sugere.

"Nossa, obrigada. Munição de graça para as minhas paranoias. Você realmente é uma ótima irmã 😊"

"De nada. Disponha sempre. Mas não tem fantasma no sanatório, lembra? Maurício é um vacilão só querendo os quinze minutos de fama, e a visitante 212.044 era eu." Rubi manda o emoji petulante. "Ei! Será que na biblioteca não tem algum livro da história de Hortência? Achei alguns na internet mas estão esgotados pra venda online. Tem um na Estante Virtual também, mas até chegar em São Paulo..."

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