Um grito me acorda.
— Paulo!
Não é um grito de filme de terror nem um grito de reprimenda severa. É apenas uma exclamação chocada.
Pisco os olhos com força algumas vezes e tento me remexer, e aí que descubro que estou presa em um cobertor.
Vou reparando no resto do cenário aos poucos. A primeira coisa que noto é o gosto de cerveja velha e enjoo na minha boca. Pareço ter comido uma fazenda inteira durante a noite. A luz também me chama a atenção. Está de manhã, mas não me lembro de ter dormido. No segundo seguinte a realização me vem e eu dou um salto: puta que pariu, minha mãe vai me matar!
Levanto o tronco, me sentindo muito zonza enquanto me sento na espreguiçadeira. Uma mulher está parada na entrada da varanda, as mãos na cintura, a expressão estupefata. Ela se parece demais com Paulo, então presumo que essa deva ser a mãe dele.
De repente estou cem por cento consciente de mim mesma. Minhas bochechas queimam de vergonha. Meu cabelo está embaraçado e espetado para todos os lados possíveis. Eu quero puxar o cobertor de volta para cima de mim e esconder minha cabeça. Em vez disso, dou um tapa em Paulo para que ele acorde e eu não precise enfrentar essa coisa toda sozinha.
Ele desperta, confuso como eu por um segundo, até que nota a mãe e faz uma careta. Resmungando, faz exatamente o que eu queria ter feito: puxa o cobertor, escondendo a cabeça como um avestruz.
— Por que vocês dormiram aqui fora? — a mãe de Paulo pergunta. — Nesse frio?!
— Foi sem querer... — Paulo murmura, rouco de sono.
É engraçado vê-lo desse jeito. Quando está interagindo com a mãe, ele quase parece um adolescente como qualquer outro. Não há o porte superior, a sedução naturalizada, nem o ar engraçadinho. Aqui, na frente da mamãe, Paulo é só um garotinho, o filho de alguém.
Acho esse lado dele particularmente fofo e preciso morder a bochecha por dentro para conter o sorriso.
— Você não tem juízo não, menino? — ela continua falando. — E sua amiga? Os pais dela sabem que ela está aqui com você?
Paulo tira o cobertor e olha alarmado para mim, parecendo perceber minha urgência. Eu aproveito esse momento para me levantar da espreguiçadeira onde estávamos deitados (apesar de eu não fazer ideia de como vim parar aqui com Paulo), particularmente grata por estar completamente vestida. Peço licença para Paulo e sua mãe, e digo que vou pegar meu celular no quarto para avisar minha família que estou viva.
Eu cambaleio pela casa vazia, ainda meio tonta. Minha cabeça lateja e eu tenho a severa impressão de que estou prestes a vomitar. Uso a parede como guia e tento me lembrar do caminho até o quarto de Paulo, que parece tão diferente agora pela manhã e sob a neblina da ressaca.
É isto.
Não bebam, crianças.
Eu, por exemplo, nunca mais vou beber.
Juro.
Quando alcanço minha bolsa, que estava em cima da cadeira, embaixo do meu casaco, Paulo surge no quarto atrás de mim.
Ele se apoia no batente da porta, usando o espaço para se espreguiçar.
— Tá tudo certo?
Eu pego meu celular bem nessa hora e de repente parece que é meu aniversário pelo tanto de notificações.
— Puta merda — digo baixinho.
Paulo ri rouco e se aproxima.
— Calma, vai dar tudo certo — ele promete, tocando meu braço enquanto eu, abismada, passo os olhos pelas chamadas perdidas da minha mãe e de Leta. — Ai. Queria que sua prima tivesse vindo ontem pra nos obrigar a beber água — Paulo fala.
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Psicologia Reversa
Teen FictionVovó Henriqueta acha que houve uma falha monumental na criação de sua neta. Tio Ivan, por outro lado, acredita que a teimosia de Isabel esteja diretamente relacionada aos três Touros em seu mapa astral. A opinião profissional de Tia Anni...