Capítulo 4 - Perdendo a cabeça

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Existe um limite no número de maluquices que uma garota pode aguentar antes de enlouquecer completamente, e eu acho que estou perigosamente perto de passar da linha.

Mamãe desabou quando tia Annita perguntou se ela estava bem. Por sorte, ainda não tínhamos entrado na casa, então meus avós não viram nada. Tia Annita, esperta como só ela, disse que ia levar minha mãe para dar uma volta, e pediu que eu ficasse de olho nas crianças enquanto isso.

Eu queria ter ido com elas, mas pelo jeito minha mãe precisava de um tempo sozinha. Acho que ela vai acabar contando tudo para a tia Annita, sabendo que a irmã guardará nosso segredo. As duas sempre foram muito próximas, desde pequenas, e não me surpreende tanto que, dentre todos os membros dessa família louca, foi tia Annita quem mamãe escolheu para desabafar.

Enquanto isso, no entanto, aqui estou eu na sala dos meus avós.

Vovó está na cozinha terminando de arrumar a mesa para o café. Ela é originalmente mineira, então é impossível para ela receber gente em casa sem preparar um banquete.

Tia Regina está jogando xadrez com Silvia, minha priminha de nove anos. Carolina, que tem só onze, está com a cara enfiada em um livro mais grosso que a Bíblia. Tio Jean está conversando com o tio Fabrício sobre Psicologia da Educação, e Nise e Jung estão montando uma pequena cidade com blocos de madeira no meio da sala. Vovô está lendo o jornal, e tio Ivan está tomando uma xícara de chá demoradamente.

Ele é o único que está olhando diretamente para mim, mas consigo ver que todos os outros estão igualmente curiosos, me lançando olhares furtivos sempre que pensam que não estou prestando atenção.

Por que estou aqui? O que houve comigo? Como me sinto com tudo isso?

Suas línguas coçam para perguntar.

Me sinto absurdamente sufocada.

É como se as paredes tivessem olhos e ouvidos.

Não dá para descansar sem sentir que todos os meus menores movimentos estão sendo observados e meticulosamente analisados. Cada tique. Cada contração muscular. Cada respiração. Cada passo. Cada piscada dos meus olhos. Tudo o que me torna eu parece estar em cima de uma mesa de necropsia, e o bisturi está erguido, pronto para começar a cortar.

Eu fico abrindo e fechando aplicativos no meu celular sem sinal só para ter alguma coisa para fazer. Não quero deixar minha tensão se mostrar com tanta obviedade. Não quero que meus sentimentos escapem e subam em cima do palco e comecem a dar um show.

Por fim, eu não aguento. Me levanto e digo em voz alta que vou dar uma volta.

Ninguém me questiona ou me impede. Apenas vovó grita da cozinha pedindo que eu não demore, senão vou perder o café.

Quando estou quase saindo, tio Ivan chama meu nome. Olho para ele, que sorri misteriosamente para mim e diz:

— Fugir de um problema apenas aumenta a distância entre você e a solução, Bebel.

Fico um tempo parada tentando saber o que ele espera que eu responda. Tio Ivan é o rei da autoajuda barata, para a decepção de vovó e vovô. Essa pérola foi certamente extraída de algum de seus livros de cabeceira. Eu assinto como se aquilo tivesse feito todo o sentido do mundo e saio antes que ele resolva me prender aqui com mais frases-feitas bobas.

O que tio Ivan não levou em conta, porém, é que, nesse caso específico, fugir é justamente o que me aproximaria da solução. Porque a solução para o meu problema mais imediato é paz e tranquilidade, e eu literalmente só conseguiria isso saindo de perto deles.

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