Acho que chegou a hora de encarar os fatos.
Minha mãe traiu meu pai, e eu nasci.
Quer dizer.
Minha mãe traiu o homem que até semana passada eu (e todo o resto do mundo, inclusive ela) achava que era meu pai, e eu acabei nascendo desse ato proibido e pecaminoso.
Ou seja, do dia para noite minha vida virou algo digno de Oscar de acordo com os padrões das melhores novelas mexicanas.
Ao contrário do que alguém possa imaginar, não é nada legal ou divertido ou muito menos interessante.
É só bem catastrófico mesmo.
E bagunçado.
E cruel.
E doloroso.
Meu DEUS, doloroso demais.
O pior é que não dá nem para saber para quem a situação toda acaba sendo mais nociva.
Tipo, obviamente Roberto, meu (até então e para todos os efeitos) pai, sofreu bastante com o que aconteceu. Afinal, um belo dia ele acabou descobrindo que a mulher que era esposa dele por 17 anos havia feito o inimaginável — e para piorar, a coisa devia ter acontecido perto da noite de núpcias, já que eu nasci quase exatamente nove meses depois da cerimônia de casamento.
E não tem nem a desculpa de "Ah, vai ver ela ficou grávida antes de eles namorarem" ou sei lá, porque os dois estavam noivos por quase um ano antes do casamento ser oficializado.
Ao que tudo indica, minha mãe pisou muito na bola e traiu toda a confiança do meu pai bem quando ele acreditava que não havia nada entre eles a não ser o mais puro e invejável amor.
Minha meia-irmã (ou, como acabou sendo o caso, zero-por-cento irmã) também acabou sofrendo bastante com a situação.
Aliás, foi tudo por causa da Rubi que descobrimos o que se passou dezessete anos atrás.
Semana passada ela foi em uma festa da faculdade. O amigo que estava dirigindo bebeu demais (completamente irresponsável; não repitam isso em casa, crianças!) e acabou perdendo o controle da direção. Eles bateram em uma árvore. Rubi perdeu muito sangue e, já que mamãe e papai (desculpa, Roberto) estavam viajando, sobrou para mim me oferecer como tributo para doar meu precioso líquido vital.
E foi aí que as peças começaram a se encaixar.
Eu não costumava ser uma daquelas pessoas precavidas que sabe o tipo sanguíneo de cor. Era o tipo de coisa que eu precisava ligar para a minha mãe para perguntar, e ela precisava conferir na minha ficha médica ou sei lá o quê.
Só que para doar sangue para Rubi, o hospital precisou conferir, e agora, por causa disso, eu sei que sou A negativo.
Rubi é O positivo.
Até aí tudo bem, não é?
Você não precisa nem entender de genética, porque essas informações, por si sós, não querem dizer muito. Rubi poderia ter sangue O positivo e eu sangue A negativo e ainda assim sermos irmãs. A única coisa que aquilo significava era que eu não era a doadora ideal para Rubi. Afinal, meu sangue tinha um antígeno para o sangue dela, e a combinação poderia matá-la.
Só que, CLARO, porque o universo nos ama muito, as coisas não pararam por aí.
Rubi ainda precisava de sangue, e nossos pais eventualmente voltaram da viagem.
Roberto acabou doando sangue para ela, já que ele também era O positivo.
Mas isso levantou a seguinte questão:
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Psicologia Reversa
Genç KurguVovó Henriqueta acha que houve uma falha monumental na criação de sua neta. Tio Ivan, por outro lado, acredita que a teimosia de Isabel esteja diretamente relacionada aos três Touros em seu mapa astral. A opinião profissional de Tia Anni...