Eu estou no meio da aula de genética quando recebo uma ligação de Rubi.
Nossa, que apropriado, penso em um segundo de irritação em meio ao pânico. Em seguida, escondo o celular dentro do sutiã e peço para ir ao banheiro.
Não tenho a menor intenção de usar o banheiro de verdade, então assim que me dão permissão para sair da sala, passo pelo corredor com os armários de estudantes e vou direto para a porta que leva ao pátio.
Me abrigo embaixo de uma árvore mais escondida, me sentando com as pernas encolhidas para ficar menor e mais indetectável.
Então, pego meu celular e encaro a tela que diz que tenho três chamadas perdidas.
Fico olhando por muito tempo, mesmo depois que a tela se apaga. Meu coração é um tambor descompassado e a esperança de que Rubi vá ligar outra vez é a última que morre.
Mas, inevitavelmente, morre.
Cinco minutos se passam, depois dez, depois eu paro de contar.
Rubi desistiu de mim.
Eu seguro o celular com força e tento me concentrar na minha própria respiração para não sentir a dor do coração partido. Não que a Rubi não tenha todos os motivos do mundo para me odiar. Não que ela sequer tenha obrigação de estar me ligando. Mas a esperança esquisita e confusa que surgiu no momento em que ela discou meu número abriu espaço para decepção e uma dolorida sensação de abandono.
Uma lágrima escapa sem que eu perceba, e eu a seco de imediato.
Sei que estou sendo boba e dramática.
Eu poderia ligar para Rubi. Poderia retornar suas ligações e acabar com minha expectativa e sofrimento bem agora.
Poderia escutar sua voz e...
E quem sabe matar um pouco da saudade.
De repente eu me lembro de quando éramos pequenas e brigávamos por coisas bobas, como escolher entre assistir Nickelodeon ou Cartoon Network. Ela dizia que, porque era mais velha, eu tinha que respeitar e obedecer. Eu dizia que aquilo era baboseira e que ninguém mandava em mim. Ela dizia que eu era uma chata insuportável e eu dizia "Também, nunca mais vou ser sua irmã!", como se fosse simples assim cortar laços familiares.
Rio agora com a memória e ignoro as gotas salgadas que caem dos meus olhos.
Rubi era sempre quem vinha fazer as pazes. Ela geralmente nem falava nada. Nem precisava. Só esperava eu estar mais calma, então me abraçava e me entregava o controle remoto dizendo "Escolhe você". E, bem assim, voltávamos a ser melhores amigas.
A saudade aperta meu peito e me faz engolir o orgulho.
Destravo a tela do celular e clico em cima do nome de Rubi na lista de chamadas perdidas. Antes que eu aperte o botão de discar, a tela muda, dizendo que Rubi está me ligando.
No fundo da minha memória, escuto a voz dela me dizendo: "Você não acha que às vezes a gente tá conectada num nível meio espiritual?"
Rubi me disse isso tantas vezes no passado que acabou virando uma piada interna. Sempre que falávamos a mesma palavra na mesma hora, ou quando sabíamos o que a outra estava pensando sem precisarmos dizer, ou quando tínhamos uma vontade estranha, imediata e conjunta de comer pizza de abacaxi, era porque estávamos conectadas.
Ela estar me ligando bem quando eu estava prestes a fazer o mesmo é o típico caso em que brincaríamos sobre estarmos conectadas.
Só que dessa vez é tão real que chega a doer.
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Psicologia Reversa
Teen FictionVovó Henriqueta acha que houve uma falha monumental na criação de sua neta. Tio Ivan, por outro lado, acredita que a teimosia de Isabel esteja diretamente relacionada aos três Touros em seu mapa astral. A opinião profissional de Tia Anni...