Capítulo 15 - Pânico

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A porta da sala 203 tem uma janela vertical que vai do teto ao chão, do lado oposto ao lado da maçaneta. Eu paro em um lugar estratégico na frente dela e observo os alunos lá dentro, tentando ver se eu encontro João. Meu plano maravilhoso e muito bem elaborado é ficar aqui fora até ele me perceber aqui e vir falar comigo.

Por incrível que pareça, não demoro muito para localizá-lo. É como se meus olhos tivessem sido treinados para encontrar esse garoto seja onde for. Seus cachos escuros, agora novamente arrumados, chamam minha atenção como a luz chama a mariposa. Infelizmente, o oposto não é verdadeiro. Ele está distraído, olhando para baixo, não prestando atenção nem na aula nem na pessoa maluca do lado de fora da sala, então não importa o quanto eu agite os braços que não faz diferença alguma.

Os outros alunos lá dentro, no entanto, começam a me perceber, e aí o alvoroço está montado. Acho que em parte por eu ser aluna nova, em parte por eu simplesmente estar do lado de fora da sala obviamente em uma missão não-oficial, a curiosidade de todos se atiça. Chega um ponto em que uma garota na fileira da frente da sala aponta para a porta, para mim aqui fora, e daí logo depois o professor sai com cara de bunda e pergunta na maior má vontade:

— Pois não?

O bendito do João está olhando para mim agora. Aquele sorriso intrigado dele, meio de lado, incrivelmente fofo, me pega de surpresa, e eu fico muda por alguns segundos apenas encarando o garoto lá dentro. Mas eu sou uma profissional, então rapidamente me recomponho, endireito a postura, limpo a garganta.

— Preciso falar com o João Ignacio Loyola Neto — recito.

O professor olha para trás, para João, que encolhe os ombros mostrando que ele não faz ideia do que aquilo se trata.

— E por quê? — o professor pergunta para mim.

— É importante — eu insisto simplesmente. E eu sou teimosa, mamãe já dizia. Sou teimosa com tudo em mim, incluindo minhas expressões no rosto e meu modo de me portar. Finco os dois pés no chão, e minha linguagem corporal diz em alto e bom som que não sairei dali sem o menino João Ignacio.

O professor dá um passo para o lado e faz um sinal para João vir comigo. Eu preciso conter meu sorriso de vitória. A porta é fechada atrás dele e, bem assim, estamos os dois no corredor, em privacidade.

Ou quase. Porque o professor parece tentar trazer o controle de volta à turma, mas está todo mundo ainda nos observando pela janelinha vertical da porta.

João olha para trás, notando isso, mas não se incomoda. Ele cruza os braços e me encara. Eu odeio o modo como ele é bem mais alto que eu e eu preciso esticar o pescoço para não me sentir pequena e indefesa. Qualquer pessoa que faz a outra esforçar o músculo dessa maneira só para manter o mínimo de dignidade em uma conversa deveria ser obrigada a pagar indenização por danos morais.

— Que foi? — ele diz.

Eu reviro os olhos e seguro no braço dele, puxando-o para longe da vista dos curiosos. No corredor, me encosto na parede e ele se encosta na parede oposta, ainda de braços cruzados, ainda com aquele sorrisinho intrigado que alcança os olhos e o faz parecer mais jovem e esperto.

— Você tá com um livro que eu quero — eu falo. Não é completamente minha culpa se essa frase por si só não faz sentido algum; é só o que a minha boca teve a capacidade de dizer diante desse cenário, com João me desconcertando toda. Tudo está completamente fora do meu controle.

Ele faz uma careta confusa e tateia teatralmente a própria roupa, como para me demonstrar que não está com livro algum.

— Do que você está falando, moça do celeiro? — a voz dele é meio aerada, risonha.

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