No final da noite eu percebo o que acabei fazendo: me enchi de milhares de preocupações e teorias para não precisar lidar com a coisa mais urgente no momento, que é Rubi.
Ela entrou em contato comigo hoje várias vezes, mas, mesmo depois de ter recuperado meu celular com a inspetora, não retornei suas ligações.
Pelo pouco que falamos, ela não parece me culpar por nada. Ainda assim estou assustada por dentro. Apavorada, aliás.
Não quero brigar com ela de verdade, para sempre, sem retorno.
Não quero dar munição para ela me odiar de verdade.
Eu só quero que a gente volte a ser como antes, duas irmãs que se adoram mesmo que de vez em quando impliquem uma com a outra.
Eu seguro meu celular entre os dedos e respiro fundo algumas vezes, olhando para a porta fechada do meu quarto para garantir que tenho privacidade.
Hoje à tarde, na hora do lanche, tio Ivan, tia Eleanor, tio Jean e suas respectivas famílias vieram comer conosco. Mamãe ainda está lá em baixo, fazendo sala. Eu pedi licença e subi para o meu quarto mais cedo. Leta e Anna pareceram achar estranho esse meu comportamento antissocial, mas não disseram nada (pelo menos não na minha cara).
Agora aqui estou eu, sozinha no quarto, sabendo que preciso dar o próximo passo no contato com a minha ex-irmã.
Eu deveria ligar para ela. Em um telefonema não há espaço para pausas, artifícios, enganações ou esquivas. Mas é bem isso o que me assusta.
Então me limito a mandar mensagem.
Não sei bem o que falar então mando um emoji.
Não qualquer emoji. O nosso emoji.
O emoji petulante.
É aquele que está olhando diretamente para a câmera com os olhos semicerrados e a boquinha fazendo um shhhh enquanto o dedinho indicador cobre os lábios. Até sem palavras ele consegue incorporar aquelas pessoas abusadas, inconvenientes e desrespeitosas e dizer algo como "ca-la-di-nha!"
Mesmo antes de mandar já estou rindo sozinha, imaginando se Rubi vai rir também. Porque a gente costumava rir bastante desse emoji. Era o emoji que parava todas as guerras. Nenhuma de nós conseguia resistir à sua petulância. Qualquer que fosse a discussão que estivéssemos tendo, precisávamos fazer uma trégua para rir daquilo em conjunto.
Então quando eu envio eu espero sinceramente que ela se lembre da simbologia amigável do emoji petulante, e não que pense que eu estou, de alguma forma, mandando ela calar a boca.
Porque se ela achar isso o tiro super vai sair pela culatra.
Por sorte, não preciso esperar nem cinco minutos para Rubi me responder, e imediatamente fica claro que ela não se esqueceu da nossa maravilhosa piada interna.
"Petulante!" diz a mensagem dela.
"Me respeita que eu sou mais velha!"
Em seguida, ela coloca novamente o emoji fazendo shhh.
Rio comigo mesma, aliviada, e apesar disso uma lágrima escorrega pelo canto do meu olho. Eu a enxugo preguiçosamente.
"Desculpa por ter desligado na sua cara mais cedo," digo, porque, conhecendo Rubi como eu conheço, sei que é algo que provavelmente deve ter deixado ela magoada (o que explica ela não ter tentado me ligar de novo).
"O que houve?" ela pergunta.
Eu respiro fundo, tentando sacudir a estranheza daquela conversa. É estranho porque, de alguma forma, parece que nada aconteceu entre nós duas, que somos as meia-irmãs/melhores amigas de sempre, sem nenhum obstáculo, sem nenhum segredo do passado, sem nada. Mas é mais estranho ainda porque nada disso é verdade. Não somos mais as mesmas. Aliás, nunca fomos quem pensávamos ser.
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Psicologia Reversa
Novela JuvenilVovó Henriqueta acha que houve uma falha monumental na criação de sua neta. Tio Ivan, por outro lado, acredita que a teimosia de Isabel esteja diretamente relacionada aos três Touros em seu mapa astral. A opinião profissional de Tia Anni...