Capítulo XLII - Reencontros Turbulentos

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Os longos minutos iam se passando. A maternidade tinha uma decoração um tanto quanto peculiar. As paredes azuis com pequenas flores carmim e amarelas davam um ar lúdico, infantil ao ambiente, o chão estava brilhando, provavelmente tinha sido lustrado horas antes e o silêncio era quase mortal.
- Mano... - chamei ele.
Guilherme estava abatido, realmente abatido. Ao julgar pela sua aparência onde ele usava um jeans azul, botina marrom e a camisa de uniforme da vinícola que trabalhava, nem de longe era aquele cara forte e altivo de semblante um pouco fechado e de jeito dócil que costumava ser, ele estava cansado, triste, a sua principal característica não estava ali, o seu brilho no olhar. Ali do meu lado estava um homem triste, amargurado, que havia carregado um fardo muito pesado e que simplesmente não aguentou o peso desse fardo, ele gritava por ajuda, amparo. Guilherme estava nu e cru, exposto e eu estava ali para o ajudar.
- Guilherme, olha para mim! - Quebrei o silêncio entre nós, ele me encarou, foi então que ao notar meu olhar, não sei se por vergonha ou por dor ele desabou me abraçando e chorando em meu ombro.
- Eu não consigo, eu sou um fracassado mano, eu não sou digno de te olhar nos olhos, te encarar... - Guilherme e seu drama que era sincero.
- Como não... - tentei fazer com que ele olhasse para mim, mas ele escondeu o rosto - me diz por que você não é digno? - Ele limpou o nariz com a mão, o que foi um tanto porco, mas do jeito ogro dele foi engraçado.
Por mais que tivesse consternado com a situação do meu irmão, eu estava ali para ajudar ele, por isso mesmo faria ele me contar o que tinha acontecido desde o princípio para poder resolver isso, não iria tolerar comportamento infantil, até por que Guilherme era bem grandinho.
- Olha para mim - Puxei seu rosto para ele me encarar, seus olhos vermelhos estavam inchados - você não é um fracassado, eu já te disse há algum tempo atrás, eu tenho orgulho de você e não vai ser o que você passou que vai mudar minha opinião ou meu sentimento em relação a tudo que te falei, você é meu irmão Guilherme, minha família , está me ouvindo - segurei firme em sua mão para lhe transmitir força e confiança. Apesar do tamanho todo Guilherme não passava de um ursão carente.
- Você não devia ter vindo, eu não mereço tanta atenção assim, mas fico feliz de você estar aqui, os guris são gente boa, mas não são você... - Ele disse de uma maneira tão fofa que dava vontade de apertar ele - ainda assim estou envergonhado por tudo o que estou passando... - segurei em sua mão.
- Não tenho por que ter vergonha de você e nem você de mim - disse com sinceridade, com franqueza - você é meu irmão mais velho, pode até fazer merda, mas não ao ponto de me fazer ter vergonha de você Guilherme - ele negou com a cabeça e limpou o nariz com a mão.
- Eu fiz tudo errado Fabrício... - ele encostou a cabeça na parede.
- Conta para mim mano, eu quero te ajudar, bota para fora, você vai se sentir melhor, confia - pedi com a cara mais convincente possível.
- Não, tu não vai querer ouvir... - ele estava fazendo doce eu estava cansado.
- Guilherme, eu não sai lá da casa do caralho, fiz conexão em Roma e São Paulo, depois peguei um voo que parece que não ia chagar nunca para ver você dar uma de Audrey Hepburn de barba, me conta o que aconteceu ou então você vai entender o que significa Jet Lag... - Ele arregalou os olhos, respirou fundo, fechou os olhos e ao abrir virou para mim e me encarou, sem dizer nada pegou em minha mão e levantou me obrigando a levantar também.
- Eu vou te contar tudo, mas vamos lá na sala de espera - disse ele olhando ao redor, nesse momento percebi que duas enfermeiras disfarçavam para ouvir a nossa conversa.
- Está bem... - deixei ele me levar, passamos por algumas freiras e enfermeiras que nos olhavam com repulsa, mas ao ver a cara do meu irmão logo entendiam que ali havia sofrimento e não luxúria.
Próximo da sala de espera havia uma lanchonete. O cheiro de café fresco e chocolate estava no ar e meu estômago resolveu me lembrar que eu não comia desde o voo de Roma.
- Guilherme, vamos comprar um café antes, eu estou em trânsito há quase 24 horas, estou morrendo de fome, sono , eu preciso de um café - ele assentiu e sem largar minha mão seguimos até a cantina onde comprei um café para mim, uma fatia de bolo de chocolate e depois sob o olhar sério do meu irmão nos acomodamos em uma parte mais reservada da sala de espera.
- Quer um pedaço? - Perguntei sabendo o quanto ele amava chocolate.
- Não... - comentou tentando se ajeitar em uma das poltronas.
- Então... - olhei para ele.
- Ela me traiu... - comentou ele do nada me fazendo quase engasgar com o café.
- Eu sei...o pai já tinha me dito... - ele me interrompeu.
- Então tu já sabe... - comentou envergonhado.
- Eu sei o que o pai me disse no telefone, mas foi por alto, eu quero ouvir da tua boca, eu preciso que você se abra para mim... - acariciei sua mão.
Guilherme olhou o meu pequeno gesto de carinho e retribuiu com um leve aperto e um sorriso, então olhou para janela, já era quase meio dia.
- Começou alguns meses depois que tu viajou - ele me encarou - ela começou a mudar, ficar esquisita, estúpida, fria, nada estava bom para ela e a mãe dela se mostrou pior do que ela - havia rancor em sua voz, não havia raiva, apenas rancor - eu não reconhecia mais a minha namorada - isso ele disse mais para ele.
- Por que, o que aconteceu? E o mais importante a se perguntar, por que você não me procurou, não me ligou para me falar o que estava acontecendo, eu podia ajudar você Guilherme... - me calei, pela cara do meu irmão e tinha acabado de falar merda.
- De repente tudo ficou estranho mano - meu irmão levantou, passou a andar de um lado para o outro, parecia nervoso e envergonhado.
- Estranho como? - Perguntei.
- Ela passou a me evitar, ligava pouco, reclamava demais, me cobrava demais - típico de mulherzinha mimada, quando toma chifre ou perde o marido quer se fazer de coitada, pensei eu - ela virou uma chata! - Exclamou, nesse momento eu sabia que meu irmão não sofria pela falecida.
- Guilherme, senta...senão você vai ficar tonto e eu também... - Meu irmão me encarou sem graça e então sentou - me conta, como foi essa traição? - Ele ruborizou.
- Ela passou a ter nojo de mim, do meu cheiro, disse que pelo que a mãe dela falava eu andava desajeitado, parecia um ogro, um lenhador de filme americano - olhei para meu irmão e pensei, um lenhador muito gostoso que muitos e muitos adorariam - eu passei a fazer de tudo para agradar aquela mulher, mas chegou um momento que não aguentei e acabei discutindo, de saco cheio decidi não ceder mais e pedi um tempo, foi quando ela revelou que estava gravida - entendi, quando meu irmão quis pular fora ela o segurou com uma gravidez, o típico golpe da barriga, no fim a falecida não era burra, era muito esperta.
- E aí você manteve o noivado, manteve para não a deixar sozinha - entendi o rumo dos fatos.
- Combinei de assumir a criança, mas assim que nascesse cada um seguiria para seu lado e assumiria o controle da sua vida - ele brincou com os dedos - alguns dias depois eu descobri que ela me traia desde o início da relação, que eu só era um idiota que daria uma vida de luxo para ela, mas o pior foi saber que ela me botava chifre com o padeiro, o próprio primo e que a mãe sabia de tudo... - minha boca caiu no chão, era um informação grave - estourei nesse dia, peguei os dois juntinhos, só não fiz merda por que lembrei que eu ia acabar com a minha vida, mas dei uma surra naquele padeiro - Guilherme olhou para as próprias mãos - eu não quero o sangue dos outros nelas Fabrício, tu mais do que ninguém sabe disso, mas eu fui enganado, eu achei que alguém realmente gostava de mim, eu fui o palhaço da história... - levantei e abracei meu irmão, ele estava machucado e precisando de apoio - a única coisa de bom que me aconteceu foi aquele bebezinho... - meu irmão se emocionou de novo - ele está lutando para sobreviver, é meu filho mano, minha continuação... - sorri, eu tinha um sobrinho.
- Como você sabe que é seu filho e não do padeiro? - Perguntei sem maldade.
- Por que ela dizia que a única coisa que eu fiz foi estragar a vida dela dando a ela um vermezinho... - olhei para ele, fiquei pasmo - ela nunca gostou desse filho, só não tirou pois eu tratei logo de contar ao pai e a mãe... - ele ficou envergonhado - se dependesse dela mano... - ele suspirou.
- Você devia ter me contado... - acariciei seu cabelo - não tem que sofrer sozinho Guilherme... - comecei a me lembrar de quando fui eu que descobri a traição de Luciano, eu tentei ao máximo poupar meu irmão, eu sofri sozinho e não foi legal.
- Eu sei, vou lembrar disso no meu próximo fracasso - revirei os olhos - o pior foi ela jogar na minha cara que nem homem para comer ela eu era - ele fungou, estava com o ego ferido - eu sempre me garanti, dei de tudo para ela, amor, carinho, companheirismo, cumplicidade e aquela vadia me fez de bobo, eu só espero uma coisa disso tudo... - ele me encarou fixamente.
- Mas e o filho, ele devia trazer alegria a vocês...mulher maldita, algumas não deviam ter essa benção, ser mãe... - Tentei entender algumas coisas.
- Sabe de uma coisa mano, eu estou feliz de tu estar aqui... - ele sorriu e me abraçou bem forte.
- É bom estar aqui - respondi sincero, eu estava com saudade de casa.
- Eu só espero uma coisa... - Ele me olhou, parecia estar mais conformado.
- O que? - Perguntei.
- Que o diabo tenha levado aquela vadia e a corja dela toda com ele para o inferno - não fiquei assustado com o que ele disse, fiquei orgulhoso, podia ser errado, meu irmão tinha levado um chifre, mas era necessário seguir em frente, ele tinha um filho lutando para sobreviver e se dependesse de mim eu iria ajudar.
- Não fala isso mano... - não me surpreendi, eu mesmo pensei isso.
- Não havia mais amor mano, meu medo é que ela fizesse merda com essa criança, mas Deus ajudou...no fim eu vou poder levar meu filho para casa, quem sabe quanto tempo vai demorar - sorri.
- Tudo tem sua hora, mas agora que tal nós cuidarmos do velório e enterro delas - toquei em uma parte delicada do assunto.
- Eu cuidei disso, elas foram enterradas hoje de manhã, não havia por que fazer um velório, elas não tinham família, decidimos somente fazer uma oração aos pés do túmulo, nonna Motta disse que todo mundo tem direito a um enterro digno - entendi o porquê do meu irmão estar há horas ali.
- Quando foi que você tomou banho pela última vez? - Perguntei, ele riu.
- Dois dias...acho que estou fedidão né? - Ele corou.
- Está, que tal irmos para casa, ou melhor, vá para casa, descanse, tome um banho, eu fico aqui e... - Sou interrompido.
- Vamos comigo até o berçário, eu quero que você conheça ele... - Como negar isso a Guilherme, o brilho em seu olhar a falar do filho era tão lindo, eu devia isso a ele.
- Vamos - concordei com ele.
- Eu fico - Ao olhar para trás Luciano estava parado, sua pose altiva, semblante fechado - leve seu irmão até lá, eu fico aqui - disse sério.
- Vem, vamos até o berçário, eu quero que você o veja - Eu poderia bancar o hipócrita e estranhar o comportamento volátil dele, mas decidi não o fazer.
O berçário era no mesmo corredor onde encontrei meu irmão. Um grande visor de vidro dava para uma sala cheia de incubadoras. Entre todos aqueles bebes normais havia um bebezinho menor, enrolado no cobertor e com respirador, eu sabia que era meu sobrinho, alguma coisa me dizia que ele ia sair dessa e apesar de ser religioso me apeguei em uma oração silenciosa.
- Mano, eu já sei há um bom tempo que você não é católico, mas reza comigo, eu não posso fracassar como pai, esse bebezinho merece viver, não pode pagar pelos pecados meus e da mãe dele... - Ele me pediu segurando minha mão.
- Claro que rezo contigo, fé não tem religião e eu quero muito que meu sobrinho tenha uma chance... - meu irmão então apertou forte em minha mão, fechamos os olhos e ali eu pedi por ele, por minha família, mas principalmente por aquele serzinho que estava lutando para sobreviver, não seria justo com meu irmão se o pior acontecesse.
- Você acha que eu vou ser um bom pai? - Perguntou ele quando nos sentamos depois de rezarmos.
- Acho que vai, aliás, tenho certeza - ele sorriu, pegou minha mão e beijou - você tem um bom exemplo de pai em casa... - meu irmão me encarou triste.
- Eu estou pagando tudo o que eu fiz de ruim para você Fabrício, não foi justo, você nõ merecia... - Não queria meu irmão falando do passado.
- Esquece, já passou... - Tentei desconversar - qual vai ser o nome dele? - Meu irmão franziu a testa.
- Ainda não pensei nisso,mas quem sabe né - Ele olhou para mim.
- Claro, o importante é esse bebezinho ficar bem - ele me abraçou de lado, esfregou sua barba em meu pescoço me fazendo rir, mas quando olhamos na direção do corredor Luciano estava parado, escorado em uma das paredes e via a cena com semblante sério, mas não parecia com raiva, só estava ali e assim como meu irmão usava jeans e botina, mas estava de camisa polo preta.
- Vai lá falar com ele... - meu irmão me encorajou.
- Não, a ferida pode ter sarado, mas não está cicatrizada, e no mais, eu não vim por causa dele, eu vim por sua causa, por minha família - Luciano veio em nossa direção, parou em minha frente e então direcionou o olhar para meu irmão.
- Guilherme, seu irmão pode ir embora, eu fico com você aqui... - Ele me olhou de maneira indiferente e de alguma maneira aquilo me incomodou, pois em nenhum momento ele se dirigiu a mim.
- Seu amigo está certo... - olhei para Luciano que engoliu em seco, meu irmão olhou de um para outro confuso - eu estou cansado e preciso dormir um pouco, além disso trouxe alguém junto, eu tenho que dar um pouco de atenção a ele - juro que senti uma veia de Luciano pulsar e momentaneamente seu semblante fechar - eu prometo que volto, está bem? - Ele assentiu.
- Mais tarde eu também vou, o Maxuel vai ficar aqui para eu descansar também... - disse ele levantando junto comigo, senti Luciano atrás de mim, queria ir embora logo, uma situação chata havia se instalado ali.
- Fica bem... - disse ao meu irmão, então ao me virar aquele olhar frio do Luciano me incomodou, mas eu era forte, decidido, aquilo não me abalaria.
Segui em direção aos elevadores, eu estava cansado, já havia se passado umas 3 horas desde que eu havia chegado no hospital e meu corpo clamava por um banho, uma cama e uma comida caseira, eu só queria isso, nada mais.
O elevador chegou, quando a porta abriu e eu ia entrar uma mão me segurou forte pelo braço e me fez virar bruscamente, eu sabia quem era, eu senti seu cheiro, sua respiração, eu sabia que meus passos estavam sendo observados.
- Não ouse me ignorar nunca mais Fabrício - Luciano, ou melhor, um Luciano raivoso e com a voz grossa me intimidou, ou melhor, tentou, pois ao colar sua testa na minha ele me puxou junto dele, eu senti todo aquele corpanzil, toda a intensidade e o piro, senti suas narinas sentirem meu cheiro.
- Me solta... - Tentei me esquivar, mas ele apertou forte e então me empurrou contra a parede.
- Não! - Ele exclamou e então me beijou, no início tentei resistir, mas então sou tomado por uma onda de tesão, de luxúria e fúria, ao mesmo tempo que quero não quero, por fim afasto ele de mim, dou uma bofetada nele que sorri e limpa a boca.
- Nunca mais faça isso comigo, não sou tuas negas, respeita a dor do meu irmão... - ele sorriu, veio em minha direção, mas antes de fazer qualquer coisa ele parou.
- Eu vou fazer você implorar para que eu te pegue de jeito Fabrício, isso não termina aqui e nem agora, eu sinto lhe dizer, mas não vou embora de Caxias do Sul... - Tremi na base, mas entrei no seu jogo, se ele queria brincar com fogo ele tinha encontrado um ariano a altura.
Sorri, passei as mãos em meus cabelos e fui em direção ao elevador, ele me encarou sem entender, mas pelo seu sorriso de malícia achou que tinha levado a melhor.
- Jogue com todas as suas armas ursão... - Luciano arregalou os olhos e sorriu achando que estava por cima da situação - vamos ver quem é o melhor - piscando e com a porta se fechando bem em minha frente eu deixei um Luciano confuso para trás. Era fato, eu sentia alguma coisa por ele, ainda, mas eu arrancaria esse sentimento de mim de qualquer jeito.

Coração FeridoOnde histórias criam vida. Descubra agora