O que havia acabado de acontecer no hospital era loucura. Eu estava tão abalado com tudo o que tinha sido revelado e estava tão cansado que nem mesmo o dia ensolarado de frente para a praça central da cidade me fizeram parar para relaxar. Eu precisava ir para casa, tomar um bom banho e traçar como seria minha vida a partir desse momento em diante.
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À medida que o táxi ganhava as ruas da cidade eu tentava me recompor, ou melhor, relaxar, enquanto passávamos por cenários tão familiares para mim. É incrível como temos a capacidade de ter momentos de reflexão e lugares e situações inesperadas, minha mente estava brincando comigo.
- Eu estou muito ferrado – sussurrei para mim mesmo atraindo o olhar curioso do taxista que disfarçou e voltou a prestar atenção ao volante.
- Falou alguma coisa? – Perguntou ele.
- Não, não foi nada – respondi cortando qualquer papo, mas como o carma é uma vadia ariana e antes que eu pudesse escolher no que pensar aconteceu. A reflexão!
Eu não dormia há mais de 24 horas, o sono e o jet lag começavam a cobrar esse preço e relaxar um pouco abriu espaço para minha mente trabalhar. Era assustado como tudo aconteceu tão rápido, tudo! A morte de Bartira, minha volta ao Brasil, a revelação do meu irmão e por fim ele, Luciano! Eu sabia que em algum momento o encontraria, mas não imaginava que seria logo de cara e muito menos que eu quase sucumbiria a ele. Eu não podia, eu simplesmente não me atreveria, minha sanidade e bem-estar dependiam do meu bom senso, eu estava ali para recomeçar e ajudar meu irmão, minha família, era isso que eu faria.
À medida que o táxi adentrou o bairro eu fui tentando relaxar, mas parecia ser impossível, agora era impossível, depois da minha cabeça dar voltas e voltas. O taxista me olhava de vez em quando, fiquei preocupado, será que ele me faria algum mal, ou melhor, eu sou o mal, vai ver era a minha situação, pois devido ao meu humor eu realmente parecia com a foto do passaporte.
- Está tudo bem contigo guri? – Perguntou o taxista vendo meu estado de nervos.
- Está sim, obrigado – respondi educadamente, percebi então que estávamos no meu bairro já - por favor senhor, pode me deixar na esquina, quero andar um pouco – pedi a ele que encostou próximo ao meio fio – obrigado – agradeci, ele assentiu e deu partida.
Minha rua havia mudado pouco. Um ano e meio não era tanto tempo para grandes mudanças, ainda era a mesma rua familiar, com arvores e tudo, mas ainda assim ao olhar ao redor vi que algumas casas haviam sido reformadas, outras duas pintadas e isso incluía a minha que antes era branca e agora tinha tons em tomate com as janelas azuis, provavelmente obra da minha mãe, pensei entre um riso e outro.
- Fabrízzio – olhei para trás para ver quem me chamava, seu forte sotaque ainda era perceptível e eu a amava por isso.
- Nonna! – Exclamei feliz, era uma grata surpresa.
Tizianna Motta estava saindo de casa e assim que me viu veio até mim me enchendo de abraços e beijos feito uma avó zelosa. Ao notar sua aparência tive que tirar o chapéu, ela estava elegante usando um vestido comportado preto, seu cabelo estava armado em um coque e em seu pescoço um escapulário mostrando toda sua fé católica, em seu braço sua inseparável bolsa Versace, ela era elegante demais.
- Grazie Dio você chegou – disse ela agradecendo aos céus.
- Nonna – retribui os abraços e beijos – eu cheguei bem - mas, aonde a senhora vai assim toda elegante? Vai namorar é? - Ela riu.
- Caspite Fabrizzio! – reprendeu ela – não sou mais de namorar, quello vecchio maledetto me bastou – se referiu ela ao falecido marido - eu vou a missa, preciso rezar pelo teu irmão, pelos meus filhos...e depois tenho uma reunião com o meu enólogo, ele está me dando trabalho – ela me olhou e então focou em mim – mudando de assunto, como você está? - Perguntou ela me apertando pelos ombros para melhor me analisar - Fez boa viagem? Por que está magro? Aquela italianada não te deu de comer e... – Interrompi ela antes que a mesma começasse a blasfemar seu próprio povo.
- Calma nonna! – Exclamei devido a sua afobação, ela era intensa - eu estou bem, um pouco cansado, mas bem – sorri e abracei ela de lado sendo guiado por ela até sua casa – é bom estar em casa – disse olhando para a fachada da minha casa do outro lado da rua suspirando, eu queria minha cama – apesar de eu ter voltado por um motivo triste, é bom voltar as raízes, estava com saudade de todos...estava europerizado demais – admiti saudoso, ela me fitou.
- Qual o problema de ser europeu? – Perguntou se fazendo de ofendida.
- Nenhum, mas não é o meu lugar, é bom estar em casa – admiti, no fundo eu nunca sai daqui.
- Que bom que voltou – ela me abraçou mais uma vez e então me guiou até seu portão e o abriu, estranhei isso.
- Nonna, a senhora não tem missa? – Perguntei, ela sorriu como se eu tivesse a desafiado. Quem não conhecesse aquela mulher entenderia que ela era uma carrasca, ou melhor, ela era, seu porte era de uma femme fatale e isso tudo aos 70 e poucos anos.
- Tenho mesmo, mas tenho umas duas horas até lá, você quer comer um pedaço de bolo de chocolate e tomar um café comigo? – Perguntou ela desarmando -se em um sorriso de avó – aquela italianada do norte não soube te alimentar direito... – nonna e sua devoção a comida e sua raiva aos italianos do norte.
- Ai nonna, eu comi muito bem até, mas aprendi a me cuidar – ela me encarou e franziu a testa, por melhor resolvi me calar e a acompanhei para dentro de casa.
O tempo que conversamos foi importante para mim. Nonna Tizianna adorava falar, mas também era boa ouvinte, e foi justamente ela que ouviu meu desabafo, meus medos e anseios sobre a volta para casa.
- Então é isso, tenho medo de não me adaptar de novo – disse apreensivo depois de me abrir com ela, nonna então veio a pôs sua mão sobre a minha e a apertou.
- Ragazzo, não tem por que se preocupar – nonna sabia me acalmar, um ariano entendia o outro tão bem - tu está em casa, com tua mama, teu pai, e agora vai ter um sobrinho... - ela me animou.
- Eu não sou cagão, mas e se eu não me adapatar? – Eu estava muito preocupado.
- Ai Fabrizzio, você cresceu, mas eu ainda vejo aquele gurizinho de olhar curioso e um pouco assustado que não tinha medo de mim e dos meus filhos, mas que se tornou esse homem forte, e que está um pouco magro... – ela tinha que tocar de novo nesse assunto, explicar a ela que perdi peso devido a academia não surtiu efeito – tua casa é aqui, tua família precisa de você, acredito que tudo vá se resolver, confia – ela sorriu e cortou mais uma fatia do bolo.
- Eu sei nonna, e além de tudo vi o Gui daquele jeito – suspirei - me cortou o coração ver meu irmão, nem de longe parece aquele ogro engraçado – confessei a ela, ambos rimos.
- Não deixa ele saber disso... – disse ela rindo.
- Não vou, mas ele sabe, com certeza – respondi.
- Tua mãe está muito abatida, vai ser bom tu ficar uns tempos por aqui com eles – disse consternada – teu irmão não merecia isso, quella putana que só se aproveitou dele, e para piorar agora ele vai ser pai solteiro, a criancinha não tem culpa – ela tinha razão, havia um inocente lutando para sobreviver - tenho tanta pena dele, fiz até um bolo e levei no hospital, mas ele não quis, coitado, até sem fome está – ela negou com a cabeça.
- Ele vai melhorar... – comentei sem ter tanta certeza assim.
- Claro que vai – afirmou ela sorrindo e me acompanhando – tua mãe e teu pai criaram dois homens fortes, trabalhadores e de bem, Deus vai ajudar ele – ela disse e pegou em seu escapulário.
- Me surpreende sua fé nonna, coisa que muitos esquecem, mas a senhora não – ela sorriu.
- Ragazzo, quando mio vecchio se foi eu tive que cuidar de tudo sozinha... – ela suspirou saudosista – dois filhos, uma vinícola e quellos maledettos querendo me ver morta também, se não tivesse fé eu provavelmente teria enlouquecido por não ter em que me apegar... – ela estava certa, mesmo eu não sendo religioso eu tinha fé, fé em dias melhores, tudo se resolveria.
- A senhora está certa – entendi o que ela quis me passar com essa mensagem.
Fiquei conversando com ela mais alguns minutos e então nonna me acompanhou até a porta da minha casa.
- Obrigado nonna – ela sorriu, me beijou e foi saindo – a senhora não vai entrar também não? Qualquer coisa depois eu vou a missa a noite com a senhora, até por que a senhora já perdeu a missa mesmo – barganhei querendo que ela entrasse comigo.
- Não, eu ainda tenho que ir até Bento ver como está a colheita da uva, mas aguardo vocês todos hoje à noite lá em casa – como assim, a gente ia voltar para o hospital - fiquei sabendo que tu me trouxe um polaco - nossa, a fofoca corria rápido por aqui.
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Coração Ferido
RomantiekEntre encontros e desencontros muita coisa pode acontecer. O amor vem de onde menos se espera, ele pode nos surpreender. A dor, anseios e tudo o que gira a vida de dois amigos, pode mudar o sentimento deles de um para o outro?