***Capítulo 6***

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Acabei passando uma semana inteira tendo aqueles pesadelos, e todos os dias quando acordava, eu tomava banhos demorados por me sentir suja por conta deles. As vezes me esfregava tanto, que acabava me machucando.
Quando sai do banheiro naquela manhã de sexta-feira, vi que a farda da escola estava em cima da cama, na primeira vez que Vivian a trouxe, ela era feminina de mais e isso me deixou incomodada. Então, ela solicitou outra e dessa vez, veio do tamanho das blusas que eu usava em casa. A vesti indo me olhar no espelho, e gostei muito do que vi. Parecia faltar algo, então peguei minha jaqueta vermelha quadriculada e a vesti por cima da farda. Se o Caio usava uma assim, porque eu não?
Limpei meus óculos colocando no rosto e baguncei mais o meu cabelo antes de descer a escada. Quando cheguei na sala de estar, para minha surpresa, Alex estava lá conversando com Vivian e outra mulher muito parecida com elas. Ela também era ruiva, mas tinha um jeito estranho, como se nada tivesse ao seu alcance.
- Sam, - chamou Vivian ao me ver na escada - deixe-me te apresentar minha irmã, Victória.
- Irmã? - pensei surpresa - Alex é sobrinha de Vivian?!
Aproximei olhando primeiro para Alex e depois para Victória. A cumprimentei com um aperto de mão meio sem jeito, e voltei para perto de Vivian.
- Ela é a cara do seu marido! – disse Victória admirada
Alex me olhou meio confusa, todos ali ficaram um pouco desconfortáveis com esse comentário.
- Sim, - disse Vivian quebrando o gelo - é a cara do irmão mesmo.
Peter desceu e deixou escapar algo como um “vish" bem discreto ao ver Alex, aquilo entre eles era realmente muito estranho.
Ele pegou nossas mochilas, e entregou a minha.
- Vamos?
Afirmei, despedindo-me de Victória e de Vivian.
Saíamos de casa com Alex bem atrás de nós. Queria perguntar o que tinha acontecido entre eles, mas achei que aquele não era o momento certo.
Pegamos o ônibus juntos de novo, e Alex sentou novamente com suas amigas, mas por algum motivo, sua atenção estava totalmente voltada para mim.
-Aqui, – disse Peter me entregando um celular – já tem chip e internet nele.
- Pra mim? - recebi, sem saber o que fazer com ele
Ele afirmou sorrindo
- Ele estava guardado nas minhas coisas tem um tempo, - começou Peter – mas é seminovo, mal usei.
Ele me mostrou as configurações do celular e depois de um tempo, tirou uma foto nossa. Quando dei por mim, Alex ainda estava me olhando. E isso me deixou completamente constrangida.

Hoje eu teria aula de matemática com um professor que parecia muito com o Papai Noel, faltava apenas as roupas vermelhas e as renas. A barba dele era tão branca, que me fez duvidar se era de verdade ou se era pintada. O nome dele era Ricardo Gomes, e seu modo de ensino era bem engraçado. Ele fazia os cálculos cantando e sempre que terminava fazia uma dancinha ridícula, porém, engraçada e fazia todos rirem.
Fiquei com certa dificuldade em ler naquele dia, estava tão frio, que as lentes do meu óculos ficavam embaçando o tempo todo. Tirei ele para limpa-lo algumas vezes e toda vez que o colocava de volta, ouvia algumas risadas vindo do meu lado.
Olhei de relance e vi Alex e suas duas amigas cochichando e olhando para mim, nem prestei atenção quando o Papai Noel me chamou.
- Sam? - chamou ele novamente
Olhei para ele ainda distraída.
- Porque não vem a lousa e resolve uma dessas questões para nós? - propôs ele
- Claro - disse me levantando
Alex ficou me olhando com a ponta da caneta na boca, e isso acabou me fazendo tropeçar na mesa de uma das meninas a minha frente, todos na sala começaram a rir e mais uma vez fiquei completamente envergonhada.
Peguei o pincel da mão do papai Noel quando cheguei na frente da sala e olhei para lousa branca. Tinha três questões nela, não pareciam ser tão complicadas para mim.
- Qualquer uma? - perguntei olhando para ele
- Qualquer uma - repetiu ele se escorando em sua mesa.
Olhei uma por uma, ouvi mais cochichos atrás de mim e uma das amigas de Alex disse:
- Acho lançaram o feitiço confundus nele.
E todos começaram a rir. Sempre tive muita sorte na escola, era popular por não ser popular, minhas coisas geeks ganhavam todo o credito por isso.
Olhei para trás e Alex olhava para a amiga num tom de desaprovação.
Voltei-me para a lousa e resolvi responder a todas. Quando terminei, entreguei o pincel ao professor que me fitava sem muita convicção de que eu tivera respondido tudo certo.
Voltei para minha cadeira e todos se calaram. O Papai Noel ainda olhava para as respostas.
- Ora vejam só! - disse ele admirado - alguém aqui sabe dominar a defesa contra as artes das trevas!
Ele olhou para a amiga de Alex mostrando os dentes como se fosse um vampiro, e todo mundo começou a rir, até mesmo eu.

As outras aulas que tive durante o dia foram bem tranquilas. Química e física, mais matérias que eu tirava de letra.
No intervalo, sentei no mesmo lugar com Peter para lancharmos.
Bem a nossa frente, mas do outro lado do pátio. Alex e seu namorado estavam sentados juntos conversando com as duas amigas delas e outras pessoas que eu não conhecia. Eles riam e brincavam uns com os outros.
- Elas não vão te atrapalhar hoje - informou Peter me olhando
- Eu sei, - disse e achei que aquele fosse o momento certo de fazer uma pergunta – o que aconteceu entre vocês dois?
Ele olhou para ela e depois para mim.
- Ela... – ele suspirou, parando para pensar se dizia ou não, então respirou fundo e disse – a gente chegou ficar uma vez...
Ele olhou para o chão, puxando a grama.
- O que?
Ele não olhou para mim
- Depois fiquei sabendo que era uma aposta. – disse ele por fim
Quase não acreditei no que ele disse, mas Peter não mentia para mim. Ele fez um gesto de que ia deitar em meu colo me deixando um pouco tensa.
Eu tinha tanta raiva por sentir medo o tempo todo, medo de deixar as pessoas me tocarem, e mesmo ele sendo meu irmão, uma pessoa que eu sei que nunca faria nada contra mim, eu apenas fiz outro gesto para que ele não deitasse, e acho que acabei deixando ele chateado.
Então, ele apenas pegou a mochila, e deitou a cabeça nela, colocando o fone de ouvido para ouvir música.
Voltei a olhar para Alex e seus amigos. Seu namorado falava coisas em seu ouvido, mexendo em seu cabelo, deixando-a totalmente sem jeito, e acabei me perguntando o que ele estaria dizendo. Quando ele percebeu que eu estava olhando, ele pegou no rosto dela dando um beijo em sua boca, e isso fez meu estômago embrulhar novamente.
- Qual é o meu problema? - pensei

Ficamos até tarde na escola naquele dia, havia começado a chover e não tínhamos levado nenhum guarda-chuva.
- Estou com fome. – informei a Peter quando a chuva parou
- Tem uma lanchonete perto da parada do ônibus, - disse ele – quer ir comer alguma coisa?
Afirmei, e sem seguida caminhamos pela rua de frente a escola até chegar em frente a lanchonete. Fazia tanto frio que minhas mãos congelavam, Peter percebeu isso, e tentou pegar nelas, mas acabei batendo nas mãos dele, deixando-o assustado.
- Desculpa, - pedi a ele imediatamente colocando as mãos em baixo das axilas – eu...
Ele me olhava sem saber o que fazer.
- Desculpa Peter, - pedi mais uma vez – eu não faço essas coisas porque quero, meu corpo só reage.
- Vivian me explicou sobre essas coisas, - começou ele – sobre suas crises, então, está tudo bem, ok?
Afirmei sentindo raiva de mim novamente, entrando com ele em seguida na lanchonete, que estava bastante movimentada. Muita gente da escola estava lá, era bem grande e os atendentes recebiam os clientes de patins. Achei aquilo simplesmente impressionante.
Fizemos nosso pedido e ficamos esperando em uma das mesas que ficavam próxima as janelas de vidro. Peter olhou para trás e soltou aquele “vish" novamente. Olhei sobre seu ombro, e a duas mesas atrás dele, Alex lia um livro com o tema "significado dos sonhos", isso me fez sorrir. Ela percebeu que eu olhava e acenou meio tímida parecendo um pouco envergonhada.
- Acho melhor você ficar longe dela, – aconselhou Peter chamando minha atenção – é sério, Sam. Nada de bom acontece com quem anda com eles.
Eu não sabia como dizer a meu irmão que eu passava algumas noites conversando com ela na janela. Eu até estava gostando das conversas. Mas consigo entender o lado dele, deve ser muito ruim você ficar com alguém, e descobrir que aquilo era apenas uma aposta.
Olhei novamente por sobre o ombro dele e agora o namorado dela estava com ela, tentando beijar seu pescoço, e ela parecia muito incomodada com isso.
A garçonete chegou com os nossos lanches me fazendo olhar para ela, enquanto Peter pegava um sanduíche. Ela me olhou dando um sorriso um tanto malicioso e isso me deixou um pouco nervosa, Peter ficou observando a cena enquanto mordia seu sanduíche querendo rir.
- Obrigada. – agradeci, quando a garçonete pegou a bandeja voltando para o balcão
- Se ela soubesse que você é uma garota, - começou Peter – aposto que nem olharia para você.
- Você acha? – perguntei
Ele afirmou, mordendo o sanduíche novamente. Durante o tempo em que estávamos ali, fiquei observando a parte interna da lanchonete. Haviam vários quadros com imagens de hot-dogs um tanto sarcástico; alguns eram desenhos de cachorro de verdade no meio do pão, outro tinha uma mulher comendo um cachorro quente enorme que parecia mais um pênis do que qualquer outra coisa, e havia uma placa, a que fazia mais sucesso. Nela dizia: “Refrigerante a vontade por 1h”. Ela ficava bem acima de uma máquina de refrigerante, onde você mesmo poderia pegar o refil.
- Vou pegar mais refrigerante, - informou Peter, levantando – você quer?
Neguei, terminando de comer e voltando a observar os quadros.
Na mesa de Alex, alguém começou a aumentar o tom de voz, e quando olhei, o namorado dela estava discutindo com ela. Peter retornou com um copo na mão tentando não olhar para aquela cena, mas era quase impossível.
O namorado dela pegou o livro de suas mãos com muita força, jogando ele no chão em seguida, dizendo coisas do tipo “ Você é ridícula!” e “ Você me envergonha por ler essas bobagens!”. Ela estava quase chorando, e eu quase levantei para ir até ela, mas Peter me impediu.
- Não faça isso, - disse ele sentando – você não vai querer se meter com ele.
Um dos amigos do namorado dela chutou o livro para perto da gente, e ela levantou com a mochila nas costas. Seu namorado tentou impedi-la de sair, segurando em seu braço, mas ela o olhou com muita raiva empurrando-o em seguida.
Ela se aproximou de nós pegando o livro do chão, tentando segurar o choro e ficou de pé, olhando para nossa mesa.
- Posso voltar com vocês hoje? – perguntou ela com a voz trêmula
Peter e eu nos olhamos, ele parecia querer dizer não, mas eu acabei assentindo. E isso o deixou um pouco irritado, mas eu não poderia deixar ela sozinha, não daquele jeito.
Saímos da lanchonete indo para a parada de ônibus do outro lado da rua. Peter estava muito irritado com ela e talvez muito mais comigo, pois não olhava para mim. Assim que o ônibus chegou, ele subiu rapidamente sentando num lugar com outra pessoa para que eu não sentasse perto dele, e isso me deixou triste.
Alex sentou no fundão olhando para mim como se me esperasse, e eu acabei indo sentar ao lado dela, colocando a mochila sobre minhas pernas.
- Desculpa por piorar as coisas entre vocês, - começou ela chamando a minha atenção depois que o ônibus começou a se movimentar – por acaso, eu ouvi vocês antes de entrarem na lanchonete, eu estava... – ela deu uma pausa e continuou – um pouco atrás de vocês na rua.
- Não precisa se preocupar com isso, - disse fazendo-a me olhar – essas coisas acontecem.
Ela suspirou, olhando em seguida para o livro em suas mãos. Eu estava muito tensa sentada ao lado dela, mas minha preocupação com ela era maior do que meus próprios problemas.
- Está tudo bem? – perguntei quando a vi fazendo círculos com o dedo na palavra “sonhos" na capa do livro.
Ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e afirmou.
- Tem certeza? – insisti, muito mais preocupada
Ela suspirou fundo colocando a mão sobre o rosto, e isso me fez perceber o quão trêmula ela estava, e tudo o que eu conseguia pensar era em como eu sabia como era se sentir daquela forma. Quando percebi que ela estava chorando baixinho, meu corpo se moveu mais rápido do que meus pensamentos, e eu a abracei, deixando-a surpresa.
- Sam... – murmurou ela
Sua voz baixa me fez perceber o que eu havia feito, mas eu não queria solta-la, não até ela parar de tremer
- Você não está sozinha. – repeti a frase de Vivian tentando fazer o mesmo que ela fez por mim com Alex
Ela apoiou a cabeça em meu ombro, e me permitiu ficar daquela forma com ela durante o resto do caminho.

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