*** Capítulo 18 ***

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Os meses seguintes pareceram ser muito mais difíceis do que os anos que passei morando na rua.
Apesar de todo desânimo por sentir falta dela, eu consegui me formar no ensino médio, iniciei um curso em mecânica, e consegui tirar minha habilitação, para enfim sair por aí na moto.
Comecei a trabalhar em uma oficina no centro da cidade, e passei a guardar todo dinheiro que conseguia com a intenção de ir atrás dela em Amsterdam. Mas este plano logo foi frustrado por Victória. Certo mês, ela deixou escapar em uma ligação para Vivian que havia arrumado um noivo para Alex e que em pouco tempo, ela estaria casada e nem lembraria que um dia eu existi.
Isso me fez pegar uma mochila e usar o dinheiro que eu havia juntado para viajar e conhecer o país.
Minha família não aceitou isso muito bem, mas entenderam porque eu estava fazendo isso.

Durante um ano, eu registrei todos os lugares por onde passei e mandei para Peter. Cheguei a conhecer pessoas incríveis, me envolvi com algumas delas, mas sempre que parecia que alguém estava querendo criar laços, eu ia embora.
Depois de um desses casos, eu estava quase chegando na fronteira do país, quando Peter me ligou.
- Ei cara, - disse ele - por onde você anda?
- Mano, eu estou quase chegando na Argentina. - respondi
- Foi parar longe dessa vez, hein?
Consegui rir um pouco com aquele comentário.
- O que você manda, irmão? - perguntei
- Então, - começou ele - teria como você chegar aqui até o final do próximo ano?
- Com certeza, - respondi - mas porquê?
- Ah, nada de mais, - disse ele - estou precisando de alguém para ser minha madrinha de casamento.
- Não me diga que...
- Exatamente maninha, - continuou ele - eu a pedi em casamento hoje mais cedo.
- Ah, mano! - gritei no celular - Estou tão feliz por você!
- Então, você aceita ser minha madrinha ou padrinho? Sei lá.
- Claro que aceito! - respondi eufórica
- Pois dê meia volta, estaremos te esperando.
E foi exatamente isso o que eu fiz, procurei a rota mais rápida dali até em casa, aproveitando outros lugares que ainda não conhecia.
Estava tão ansiosa por aquele casamento, que cheguei em casa uns dois meses antes dele.

Ao chegar naquela rua, uma nostalgia me consumiu. Parei a moto em frente a garagem, e tirei o capacete saindo de cima dela. Não tinha avisado que estava chegando, mas meu irmão parecia ter sentido que eu estava ali.
Ele saiu da casa e ao me ver, correu e me abraçou. Nunca me senti tão bem com um abraço dele.
- Nossa, - disse ele admirado, olhando para mim – você deixou seu cabelo crescer...
- Ficou muito estranho? – perguntei
Ele negou, sem conseguir conter a felicidade.
- Não consigo acreditar que você está aqui de novo!
Ele me abraçou mais uma vez.
- Vamos entrar, - chamei – quero saber como foi esse pedido de casamento.

A casa estava do mesmo jeito que eu lembrava.
Quando John e Vivian me viram, quase não me largaram, ainda mais Vivian, que era super protetora.
Ficamos horas conversando na sala sobre tudo o que tinha acontecido na viajem, na forma desajeitada que Peter havia pedido Diana em casamento.
- Eu não acredito que você fez isso. – disse incrédula
Vivian ria muito
- Isso é sério? – perguntei para John
- Ele gritou no meio da praça perguntando se ela queria casar com ele, - disse John – e ela estava do lado dele.
Peter não sabia onde enfiar a cara.
- Eu estava nervosa.
- E ela aceitou mesmo assim? – perguntei
Ele jogou uma almofada em mim
- Eu estava com saudades disso, - disse Vivian olhando para nós com os olhos marejados – obrigada por estar aqui.
Ela segurou em minha mão apertando ela e eu retribui.
- Bom, acho que vou me deitar um pouco – disse me levantando em seguida – a viajem foi longa.
Eles concordaram e eu subi para o quarto. Ninguém tinha mexido nele, todas as minhas coisas estavam no mesmo lugar que deixei.
Caminhei até a janela, abrindo a cortina e janela de Alex estava fechada. O jardim já não estava mais tão vivo como era antes, o perfume não era mais o mesmo e isso me fez dar um suspiro de tristeza.
- Eu tentei cuidar das plantas delas, - informou Vivian na porta do quarto, me fazendo olhar para ela – mas não sou tão boa nisso como minha irmã.
- Pensei que ela fosse vender a casa, - disse me sentando na cama – já que ela queria tanto se livrar daqui.
- Ela não pode, - informou Vivian entrando no quarto – nossas casas são herança de família, minha e dela, pra ela vender aquela, tem que ter a minha assinatura, e eu não faria isso.
Eu afirmei, tentando tirar a liga que prendia meu cabelo.
- Se precisar de alguma coisa, só chamar, tá bom?
Ela se virou saindo do quarto
- Vivian? – chamei, fazendo ela voltar – Você poderia cortar meu cabelo?
A liga havia quebrado, e eu não conseguia soltar ele.
- Claro. – disse ela sorrindo
Alguns minutos depois, eu estava sentando em um banco de frente ao espelho do banheiro com ela correndo meu cabelo com uma máquina de corte que ela usava no cabelo do John.
- Não quer deixar ele um pouco grande? – perguntou ela
- Não, - respondi – pode cortar do jeito que gostar
Ela sorriu
- Confia tanto em mim assim? – perguntou ela, raspando as laterais da minha cabeça
- Claro, - respondi fazendo parar e me olhar – você é a pessoa que eu mais confio nesse mundo, é como uma mãe para mim, eu nunca vou esquecer do seu abraço, naquele do banheiro da clínica. Foi a primeira vez que me senti segura depois do acidente.
Ela me olhava como se fosse chorar.
- Você é minha família Vivian.
Ela sorriu, deixando as lágrimas saírem.
- Não vou conseguir cortar seu cabelo assim. - disse ela tentando controlar as lágrimas
Levantei da cadeira, dando um abraço nela e fiquei assim com ela até ela se controlar.
- Passou? – perguntei olhando para ela
Ela limpou o rosto, sorrindo
- Vamos terminar esse corte, ok?
Afirmei, voltando a me sentar e observando ela terminar de raspar meu cabelo estilo undercut de novo.

***

O casamento de Peter seria em alguns dias, John resolveu dar a ele uma despedida de solteiro e me levou junto.
Fomos para o lugar mais improvável que eu poderia imaginar: A praia.
O sol já tinha sumido quando chegamos lá, ele estacionou o novo HB20 dele perto de algumas barracas e pegamos um cooler no porta malas indo nos sentar na areia perto do quebra mar.
- Eu poderia imaginar qualquer coisa, - disse para ele - menos isso.
Ele riu, tirando algumas latinhas do cooler e deu pra gente.
- Sério? - perguntou Peter ao recebê-la e ver que era refrigerante
John deu de ombros. E ficamos ali, sentados na areia, tomando refrigerante e olhando para o mar.
O céu estava tomado de estrelas, não tinha lua e nenhuma nuvem por perto.
- O que você vai fazer depois do casamento, Sam? - perguntou Peter
Eu o olhei.
- Não sei ainda, - respondi - talvez voltar a viajar por aí, deixar a moto aqui e fazer “mochilão”.
Ele encarou a latinha de refrigerante.
- Porque você não fica aqui? - perguntou ele, me olhando depois - Estou pensando em abrir um negócio depois do casamento, você poderia ser minha sócia, trabalhar comigo.
Voltei a olhar para o mar, pensando em uma maneira de dizer "não" pra ele de um jeito sem que o magoasse.
- Eu não sei se ficar seria uma boa opção, - comecei – aqui me traz muitas lembranças que eu tento esquecer.
- Você ainda pensa nela? - perguntou John
Eu o olhei, deixando sair um suspiro.
- Todos os dias... - respondi – Mesmo longe, ela é a última coisa que penso antes de dormir e a primeira quando eu acordo.
- Mas e se você tivesse algo com o que ocupar a mente aqui? – perguntou Peter me olhando
- De que tipo?
Ele pegou sua mochila que estava perto de seus pés.
- O negócio que eu quero abrir é uma “Cafélivraria”; um ambiente para quem gosta de livros e café. Você poderia me ajudar a cuidar dele ou pelo menos, ficar até o lançamento do seu livro.
- Meu livro? - perguntei sem entender
John e ele sorriram, e em seguida, Peter tirou um livro da mochila me entregando.
O título era: Por onde andei - escrito por Sam Fernandes, editado por Peter Fernandes.
Eu o olhei incrédula.
- Tomei a liberdade de pegar todos os seus registros de sua viajem, incluindo os e-mails e fiz essa obra prima.
O livro continha tudo, fotos dos lugares que passei, indicações das pousadas, dos restaurantes...
- Eu não sei o que dizer...
- Diz que vai pensar, - pediu ele – mas se você for mesmo fazer esse “mochilão”, podemos ter um volume 2.

***

O dia do casamento havia chegado, Peter e Diana tinham decidido se casar na antiga catedral perto do centro, onde os pais dela haviam se casado.
A catedral era incrível, a arquitetura dela lembrava muito a catedral de Colônia, com destaques vitrais impressionantes.
Não era muito comum ter casamentos lá, e por isso, haviam muitas pessoas desconhecidas, pois depois do casamento, iria haver uma missa.
Peter, John e eu havíamos chegado primeiro.
Por insistência dele, havíamos vestido blusas de super heróis por de baixo dos ternos escuros. Peter usava uma blusa do Thor, John do capitão América e eu do homem aranha. Iríamos tirar fotos com nossos termos abertos ao lado de Diana, após o evento. Tudo isso, porque ele queria uma lembrança épica.

Alguns conhecidos da escola foram até nos o cumprimentá-lo. Incluindo as amigas de Alex, que por incrível que pareça, eu nunca soube o nome delas.
Quando informaram que a noiva havia chegado, meus irmãos e eu nos postamos ao lado de Peter próximo ao altar.
Vivian, que havia dito que ia se atrasar, havia acabado de chegar. Ela estava usando um vestido azul marinho bem simples, seus cabelos soltos sem dúvida alguma, a deixavam mais nova do que aparentava.
Ela acenou para nós assim que nos viu, mas algo, ou melhor, alguém logo atrás dela me fez perder totalmente o fôlego. Por um momento, eu pensei que fosse uma miragem, os cabelos ruivos soltos, o vestido azul claro até os pés, o batom quase nude fazendo apenas os lábios mudar de cor, aquele olhar... Aqueles olhos tempestuosos me olhando... Alex.
- Sam? – chamou John baixinho
Mas eu não consegui responder, eu estava completamente paralisada. Não consegui olhar para mais ninguém além dela.
Se anjos realmente possuía sem uma forma divina, eu diria que aquela seria ela.
- Ei! – disse John tocando em meu braço, me tirando daquele transe – Você está bem?
Eu afirmei, tentando me recompor.
- Estou, não precisa se preocupar.
Ele não parecia muito convencido disso, mas se voltou para frente.
Dei mais uma olhada para Alex, que agora estava sentada ao lado de Vivian e sua mãe, Victória.

A música da entrada da noiva começou, e isso me fez tirar o foco de Alex. Era o casamento do meu irmão. Era o dia dele, e eu não ia estragar isso.
Diana entrou ao lado de seu pai parecendo uma princesa, seu vestido branco até o chão parecia a fazer flutuar. Peter não conseguiu se segurar, e acabou chorando de emoção.
O pai dela a entregou a ele abençoando os dois e a cerimônia começou.
- Bom dia a todos! – começou o padre, fazendo todos ali dentro olharem para ele – Estamos aqui hoje para celebrar as melhores coisas da vida, a confiança, a esperança, o companheirismo e o amor entre esse casal.
Vocês foram convidados para compartilhar este momento com a Diana Moura e com o Peter Fernandes porque são as pessoas mais importantes para eles. O respeito, a compreensão e o carinho que sustentam o relacionamento deles têm suas raízes no amor que todos vocês deram a este jovem casal. Por isso, é uma honra para os noivos contar com presença de cada um de vocês hoje.

Enquanto o padre falava, eu podia sentir os olhos de Alex em mim, era como se algo sussurrasse em minha nuca e fizesse meu corpo todo arrepiar.

- Diana e Peter, vocês já foram muitas coisas um do outro – falava o padre - amigos, companheiros, namorados, noivos. Agora, com as palavras que vocês estão prestes a trocar, vocês passarão para a próxima fase. Pois, com estes votos, vocês estarão dizendo ao mundo: “este é meu esposo”, “esta é minha esposa”.

Peter e Diana se olharam.

- Peter Fernandes, - continuou o padre é de livre e espontânea vontade que você aceita a Diana Moura como sua companheira em matrimônio?
- Sim, aceito. – respondeu Peter tentando controlar a felicidade
- Diana Moura, – disse o padre - é de livre e espontânea vontade que você aceita o Peter Fernandes como seu companheiro em matrimônio?
- Sim, aceito. – disse Diana tentando controlar as lágrimas

Eles trocaram as alianças e pude ver nitidamente, o quanto Peter estava nervoso. Ele estava tremendo tanto, que foi preciso Diana segurar em sua mão para acalma-lo.

- Diana e Peter, - começou o padre novamente - ninguém além de vocês mesmos detém o poder de proclamá-los esposo e esposa. Porém, vocês nos escolheram como anunciantes desta boa nova. E assim, tendo testemunhado sua troca de votos diante de todos que estão aqui hoje é com grande alegria que nós declaramos que vocês estão casados. Pode beijar a noiva.

- Eu amo você - disse Peter antes de beijar ela

As pessoas começaram a aplaudir os dois, principalmente eu. Por um momento eu havia até esquecido que Alex ainda estava olhando para mim. Mas quando nossos olhos se encontraram novamente. Eu senti que precisava sair dali.

Fui até Peter dando felicitações a ele e Diana tentando mostrar que estava tudo bem, e aos poucos fui me saindo. Como a festa seria em casa após ali. Eles não iriam notar que eu havia saído antes.
Caminhei pelas laterais da catedral, e assim que sai do prédio, pela lateral dela, tirei a gravata que parecia muito mais apertada e senti um alívio.

- Está fugindo? - perguntou Alex me assustando
Ela estava sentada em um banco próximo a entrada que eu havia saído
- Achei que você não era fugir, - continuou ela, levantando e vindo até mim – a noiva ainda não jogou o buquê.
- Vejo que você não precisa pegar ele. – disse com rispidez ao ver a aliança em seu dedo
Ela olhou para o lado, meio desconfortável com aquilo
- O que veio fazer aqui Alex? – perguntei
Ela me olhou e em seguida abriu a bolsa que carregava consigo, tirando um livro de dentro dela.
- Seu irmão me enviou isso, - era o livro que ele havia feito com minhas coisas – você realmente foi a lugares incríveis.
Ela parecia tão triste... Exatamente como daquela vez na lanchonete, no dia que eu sentei ao lado dela no ônibus.
- Poderia autografar para mim? – perguntou ela
Ela me mostrou o livro com uma caneta.
- Claro...
Peguei neles, e ao fazer isso, nossas mãos se tocaram por um momento. Só foi preciso isso para que meu coração começasse a bater feito louco.
Mesmo depois de tanto tempo, ela ainda causava esse tipo de sensação em mim.
Abri a capa do livro pensando no que poderia escrever, mas como um rio que corre naturalmente, as lembranças dos momentos que tivemos e que eu tentava esquecer vieram a mim como uma melodia tocada suavemente. Incluindo as palavras de sua carta.
- Algum problema? – perguntou ela
Eu a olhei, e senti meu corpo relaxar.
- Não, nenhum. – disse conseguindo dar um leve sorriso
Escrevi algo na capa de dentro do livro e lhe entreguei.
- Posso ler agora? – perguntou ela
Afirmei, colocando a gravata ao redor do pescoço sem amarra-la, observando-a abrir o livro e ler o que eu havia escrito.

Para Alex,
a vizinha mais estranha e apaixonante que já conheci.
Com amor e para sempre sua, Sam.

P.s: Nós nos encontramos de novo, não está esquecendo de nada?”

Ela sorriu sem olhar para mim, fechando o livro e abraçando-o em seguida. Sem dizer nada, ela segurou em minha gravata e me puxou devagar para perto dela, beijando meus lábios carinhosamente.
Eu pude sentir o universo inteiro dentro de mim.

- Alex? – chamou Victória fazendo a gente olhar para ela – O que pensa que está fazendo?
Alex me olhou.
- Espera aqui, - pediu ela – eu preciso resolver uma coisa.
Ela colocou o livro dentro da bolsa indo até sua mãe, tirando a aliança do dedo e entregando a ela.
- Eu estou indo viver a minha história, ou melhor... – ela voltou até mim, segurando em minha mão – a nossa, se você quiser, é claro. – disse baixinho, me olhando.

Segurei firme em sua mão, e a chamei com um gesto de cabeça, começando a correr, fazendo-a correr junto comigo, deixando a mãe dela completamente indignada na frente da catedral.
Enquanto corríamos sem rumo, começou a chover.
As pessoas que nos via provavelmente pensávamos que éramos loucas.
Paramos no meio do parque onde havia gente correndo tentando se proteger da chuva enquanto nós duas, apenas nos permitíamos nos molhar.
Ela segurou meu rosto com ambas as mãos e me beijou novamente. Aquele seria mais um de muitos, mais um da nossa história, que estava só começando.

***Fim?***

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