*** Capítulo 8 ***

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Acordei na manhã de segunda com Peter abrindo as cortinas e a janela, deixando o raio do sol bater em meu rosto.
- Hora de acordar senhor Potter, - disse ele me olhando – vamos acabar nos atrasando.
Peguei meu celular, olhando a hora na tela e já estava quase na hora de sairmos. Levantei ainda sonolenta dos remédios e acabei demorando um pouco mais no banho, quando desci, Peter já estava com as mochilas mas mãos.
- Vivian colocou um lanche pra você na mochila, - disse ele ao entregar a minha – vamos?
A imagem dele e de Alex conversando veio a minha mente ao olhar em seus olhos, fiquei com vontade de perguntar o que tinha acontecido, mas acabei colocando a mochila nas costas e saindo de casa com ele.
Dentro do ônibus, ele e Alex estavam do mesmo jeito de antes, não se olhavam e nem se falavam, e isso me fez pensar que talvez eu tivesse alucinado tudo aquilo por conta dos remédios, e que talvez, eu devesse ficar mesmo na minha, e foi o que eu fiz.

Mais tarde, estávamos na aula de artes com a professora Lilian Alves, ela era meio hippie, estava sempre de vestido florido e um brinco de pena na orelha esquerda, seus cabelos castanhos quase sempre estavam com tranças, e ela parecia ser uma pessoa bem calma.
Como sua matéria era dívida entre: dança, artes visuais, teatro e música. Eu quase sempre ficava de fora, pois não era muito boa com aquele tipo de coisa. Não conseguia me encaixar em nenhuma daquelas opções.
Como a professora ainda não tinha criado nada para fazer um trabalho com a turma toda, como disseram que ela sempre fazia, ela havia dado a liberdade para nossa turma naquele dia para fazermos o que quiséssemos, então haviam grupos de pintura, duplas de artesanatos, e até um grupo de músicos tocando ritmos aleatórios.
Alex era uma das pessoas que estavam envolvidas com pintura, ela estava de frente a uma tela pintando uma coruja em aquarela, e a maneira como ela pintava, era sutilmente delicada, cada pincelada parecia ser tirada do fundo de sua alma, pois sua concentração era única e admirável.
Não sei por quanto tempo fiquei olhando para ela, mas quando percebi que suas amigas estavam me olhando, tentei disfarçar e acabei derrubando uma lata de tinta que havia sido colocada sobre minha mesa, não só sujei a mesa toda como minha blusa da farda também.
- Melhor ir limpar logo isso, - pediu a professora – vai acabar manchando sua roupa.
Eu a olhei afirmando, e em seguida peguei alguns papéis toalhas que estavam disponíveis na mesa da professora para essas ocasiões.
Limpei primeiro a mesa jogando toda a sujeira no lixo, e em seguida fui ao banheiro feminino lavar as mãos. Eu precisava trocar de roupa, então aproveitei que estava ali e que não tinha mais ninguém no banheiro comigo, e resolvi tirar minha farda suja, molhando ela na torneira, tentando tirar toda aquela tinta.
- Eu deveria ter ido pegar minha jaqueta primeiro.. – pensei em voz alta
- Aqui.. – disse Alex aparecendo com ela na mão
Fiquei de costas para ela automaticamente com o susto.
- Você está de top, - disse ela, lembrando-me desse detalhe – não precisa disso.
- Estava me observando de novo? – perguntei ainda de costas
Ouvi a porta do banheiro fechando, e a água da torneira sendo ligada. A olhei por sobre o ombro e ela estava terminando de tirar a tinta da minha farda, com minha jaqueta em seu ombro.
- Eu vi o que aconteceu na sala, - começou ela – só queria ajudar.
Suspirei ficando ao lado dela, terminando de tirar a tinta dos braços e das mãos, enxugando-as em seguida.
- Eu sinto muito pela forma como eu reagi quando percebi quem você era, - começou ela – eu nunca poderia imaginar que a Samantha que eu vi nas fotografias, que aquela garota, havia feito transição e se tornado um garoto transsexual.
- O que? – perguntei sem entender
Ela também pareceu confusa, e acabamos ficando alguns minutos olhando uma para a cara da outra.
- Não é isso o que você é? – perguntou ela – Um garoto transsexual?
- Não, - respondi – eu nem sei o que isso significa, mas se eu fosse isso, um garoto, eu não estaria usando o banheiro feminino estaria?
Ela me olhou dos pés a cabeça pensativa, parando a visão sobre minhas cicatrizes, e isso me fez pegar minha jaqueta em seu ombro vestindo-a em seguida.
- Olha, - continuei – eu nunca escondi quem eu era de verdade de você, talvez eu tenha omitido quando perguntou meu nome porque eu achei engraçado a forma como perguntou, e sinto muito por isso.
Ela cruzou os braços.
- Os professores tem meus dados pessoais, e me chamam de Sam, porque eu pedi.
- Mas a maioria das pessoas acham que você é mesmo um garoto, - começou ela - você não se importa com isso? Com o que as pessoas pensam sobre você?
- Não! – respondi um pouco alterada, e ao perceber que ela ficou um pouco assustada, eu passei a mão no cabelo indo pra perto dela – Alex, - continuei – quando eu era mais nova eu usava roupas ou me comportava de uma maneira mais feminina porque eu queria agradar meus pais e ao John, mas eu sempre fui assim, sempre gostei de me vestir de uma forma mais confortável, sabe?
Ela me olhava prestando atenção no que eu falava.
- Eu sempre me senti fora do padrão, - continuei - nunca me encaixei em lugar nenhum, principalmente depois do acidente..
- Porque? – perguntou ela – O que aconteceu?
Algumas meninas abriram porta do banheiro, e quando viram eu e Alex paradas uma de frente para a outra, elas a fecharam em seguida como se não quisesse interromper algo.
- Isso não vem ao caso, - continuei falando – mas, porque iria me importar com que os outros pensam agora?
Ela ficou um pouco pensativa.
- Se alguém for gostar de mim, - continuei – tem que ser do jeito que eu sou, eu não vou mudar pra agradar pessoas que não se importam comigo, eu já tenho problemas demais para me preocupar com algo desse tipo agora.
Ela descruzou os braços.
- Acho que você tem razão, - concordou ela, se voltando para a pia, tirando a água de minha farda – mas você gosta de garotas também? Ou só gosta deste estilo masculino?
Olhei para o espelho a nossa frente, e quando ela viu que eu a olhava, ela corou.
- Não sei, - respondi – porque?
- Só curiosidade, - disse ela me entregando a farda ainda um pouco molhada – aqui, coloque pra lavar de novo quando chegar em casa, eu não sei se ficou bom.
Eu a recebi agradecendo com um gesto de cabeça, em seguida ela se virou, indo até a porta do banheiro abrindo-a.
- Você vem? – perguntou ela, me olhando sobre o ombro
- Claro, - respondi, me aproximando – eu não quero problemas com aquela professora.
- Porque? – perguntou ela caminhando junto comigo
- Eu não sou boa em artes, - respondi – nunca consigo fazer nada nas aulas dela.
Ela riu como se não acreditasse.
- Serio? – perguntou ela ainda rindo
Eu afirmei meio sem jeito.
Assim que chegamos na porta de nossa sala, todos dentro dela olharam para nós, incluindo as meninas que haviam aparecido no banheiro, e elas já estavam cochichando com as amigas de Alex.
- Sam? Poderia vir aqui um minuto? – chamou a professora
Eu olhei para ela e em seguida para Alex, que ainda ria balançando a cabeça ainda sem acreditar naquilo. Suspirei fundo indo até professora, sentando na cadeira próximo a sua mesa.
- Você ainda não me entregou nenhum trabalho feito em sala de aula, - começou ela – você sabe que eles também valem nota, certo?
Eu afirmei com um gesto de cabeça.
- Esta tendo algum tipo de problema? – perguntou ela novamente.
- Eu... – dei uma pausa, percebendo que ela me observava atentamente - eu não sou muito boa em fazer essas coisas, - apontei para geral na sala – eu nunca consigo fazer nada artístico, pra ser sincera.
Ela riu, se escorando na cadeira.
- Você pelo menos já tentou fazer algo? – perguntou ela cruzando as pernas
- Sim, sim, claro!
Levantei indo até minha mesa pegando uma tela e levei até ela.
- Isso é o máximo que consigo fazer – disse, mostrando um boneco com círculos e linhas.
Ela balançou a cabeça em negação, porém rindo.
- Não tem nada nessa sala que você possa usar, ou tentar? – perguntou ela – Como atuar ou tocar algum instrumento?
Eu olhei para toda a sala, e vi que lá no fundo, tinha um piano quase escondido, e isso me fez lembrar de quando eu assistia escondido às aulas particulares que minha mãe dava para ganhar dinheiro, e que numa dessas vezes ela me viu, e me chamou para praticar. Eu acabei aprendendo algumas coisas, mas já fazia muito tempo, era possível que eu não soubesse nem posicionar a mão sobre ele.
- Eu não sei, - respondi – eu já tive aulas de piano, mas já faz muito tempo.
Ela descruzou as pernas se levantando em seguida, me chamando para ir junto, e foi o que eu fiz. Percebi que Alex nos observava com curiosidade e isso acabou me deixando um pouco tensa.
A professora tirou alguns instrumentos de cima do piano colocando-os em uma mesa ali próximo, e se sentou no banco em frente a ele em seguida.
- Senta aqui comigo. – pediu ela mostrando o espaço do banco ao seu lado
Eu fiz o que ela pediu um pouco nervosa, e ela tocou algumas notas aleatórias me fazendo lembrar de minha mãe e de uma música que havíamos tocado juntas.
- Dizem que nunca esquecemos de como tocar de verdade, - começou ela – é igual a andar de bicicleta, você só precisa tentar.
Eu afirmei, colocando as mãos sobre as teclas, depois toquei algumas notas aleatórias, tentando lembrar de alguma música, e no meio dessas notas, acabei começando a tocar a introdução da música do Roxette, Listen to your heart, eu não sabia cantar ela, então ia ficar só naquela introdução, mas Alex se aproximou da gente e começou a cantar a música, me fazendo continuar a tocar.

“I know there's something in the wake of your smile
(Sei que existe algo por trás do seu sorriso)
I get a notion from the look in your eyes, yea
(Tenho uma noção pelo aspecto dos seu olhar, sim)
You've built a love, but that love falls apart
(Você construiu um amor, mas aquele amor se despedaça)
Your little piece of heaven turns to dark
(Seu pedacinho do paraíso torna-se escuridão)

Listen to your heart
(Ouça seu coração)
When he's calling for you
(Enquanto ele está chamando por você)
Listen to your heart
(Ouça seu coração)
There's nothing else you can do
(Não há mais nada que você possa fazer)
I don't know where you're going
(Não sei para onde você está indo)
And I don't know why
(E não sei porque)
But listen to your heart
(Mas ouça seu coração)
Before you tell him goodbye
(Antes que você diga-lhe adeus)
...

Eu parei de tocar olhando para Alex em seguida. Ela tinha uma voz incrível. A professora Lilian começou a bater palmas, junto com todos da sala fazendo-me ficar um pouco envergonhada.
- Uau, - disse Lilian admirada, sorrindo de orelha a orelha – simplesmente incrível! Vocês formam um belo par!
Alex e eu nos olhamos, e em seguida olhamos para Lilian negando com a cabeça.
- Não, - dissemos juntas – nada haver.
Lilian tocou no meu ombro sorrindo.
- Eu disse que era como andar de bicicleta, não disse?
O alarme ecoando pela escola, indicava que a aula havia acabado, eu olhei para ela e em seguida para minhas mãos, e aquela sensação de tocar novamente, me fez sentir saudades de minha mãe.

Encontrei Peter na saída da escola algum tempo depois.
- Cadê sua farda? – perguntou ele ao me ver com minha jaqueta fechada
- Longa história... – respondi
- Ok, - disse ele e em seguida continuou – Vivian me ligou enquanto eu te esperava, ela disse que sua psicóloga remarcou a consulta da próxima semana pra hoje, e eu disse que iríamos esperar ela na lanchonete, tudo bem pra você?
- Claro. – respondi segurando uma alça da mochila
Caminhamos até em frente a lanchonete, e nos sentamos em um banco na frente dela, olhando os carros passando na rua.
- Esta com fome? – perguntou ele – Podemos comer algo enquanto esperamos.
- Ah, não... – respondi colocando a mochila sobre minhas pernas – não gosto de comer antes de falar com a psicóloga, meu estômago sempre embrulha. Mas se quiser pedir algo, tudo bem.
- Ok, - disse ele – não vou demorar.
Ele deixou sua mochila comigo e entrou na lanchonete. Olhei para ele pelo vidro da janela, e percebi que Alex estava lá dentro também, e eles pareciam ter se cumprimentado, isso me deixou pensativa, acho que as visões que tive no hospital não eram exatamente visões afinal.
Ele voltou com uma vitamina na mão, e sentou ao meu lado tomando ela.
- Você voltou a falar com Alex? – perguntei em um impulso
Ele sorriu.
- Estava me perguntando quanto tempo você ia levar pra perceber isso.
- Como isso aconteceu? – perguntei novamente, curiosa
- A culpa é sua, - respondeu ele – na noite que você passou mal, eu cheguei a confrontar ela, queria saber o que ela queria com você, mas ela estava igual a mim, - ele me olhava nos olhos – ela estava tão preocupada com você, com medo que a culpa fosse dela por você estar daquele jeito, que eu acabei percebendo que ela não era mais aquela pessoa que brincou comigo, sabe? E eu acabei perdoando-a.
- Sério? – perguntei quase sem acreditar
Ele afirmou, voltando a tomar sua vitamina.
Depois de um tempo, Vivian chegou parando o carro na nossa frente, levantamos para ir até ela quando a vimos acenando para alguém. Olhei para trás, para ver quem era e Alex passou correndo por nós indo até o carro.
- Tia Vivian, – disse ela, enquanto entravamos no carro, por um momento eu tinha esquecido que ela era sua sobrinha – vão para casa?
- Não querida, - respondeu Vivian - Sam tem uma consulta na psicóloga hoje, depois que vamos para casa, quer ir com a gente?
Peter, que havia sentado no banco da frente, me olhou sobre o ombro depois que eu sentei no banco atrás dele.
- Claro! – disse Alex, que abriu a porta de trás me fazendo afastar para ela entrar e sentar do meu lado.

Ao chegar na clínica, eles me acompanharam até a recepção e Vivian falou com a recepcionista, que nos indicou onde eu iria ser atendida daquela vez e pediu que aguardasse ser chamada no painel. A recepção de lá era bem simples, mas tinha um toque na decoração que me encantava, as paredes cor de gelo, combinando com as poltronas, um jardim de inverno com plantas que eu não conhecia, mas que eram muito bonitas, e um local um pouco isolado com uma estante de livros para aqueles que gostavam de ler enquanto esperavam.
Nós sentamos próximo a estante e ficamos olhando para a tv, que estava ligada a um canal de música.
Minutos depois, a Doutora Diaz abriu a porta da sala de número 7 e me chamou, pude perceber pelo seu olhar curioso, que ela havia prestado atenção em quem estava lá comigo.
Entrei na sala sentando em seguida numa poltrona cinza, ela fechou a porta sentando em sua cadeira de frente a mesa com o notebook.
- Então, - começou ela – hoje veio mais gente com você, isso é interessante.
Contei a ela porque Alex e Peter estavam ali, e as coisas que haviam acontecido nós últimos dias.
- Você está parecendo bem próxima a essa Alex. – disse ela cruzando as pernas
- É, - concordei – eu me sinto meio que confortável com ela.
- E com relação ao seu gênero, - começou ela – Alex perguntou se você era transsexual mas você negou. Você chegou a pesquisar sobre o assunto?
Eu afirmei.
Eu já tinha feito pesquisa sobre ser lésbica por conta da pergunta de Peter, e depois que Alex me questionou sobre ser transsexual, eu resolvi fazer uma pesquisa mais a fundo.
Eu não entendia aquilo muito bem, não entendia porque eu tinha que me rotular por gostar de me vestir de maneira diferente, até aquele momento, eu não tinha ficado com ninguém do mesmo sexo e não me sentia confusa com relação a isso.
Mas percebi que muitas pessoas se rotulam para saber qual o seu lugar na sociedade, para defender seu estilo de vida e para se sentir incluído num mundo que deveria ser de todos nós, sem os preconceitos que separam a população de algo que poderia ser respeitado e vivido igualmente.
Expliquei tudo isso a ela, e continuei a conversa voltando para o dia em que eu desmaiei, como estava me sentindo em relação ao “trabalho” que estava tendo com os computadores, e acabei voltando a falar de Alex.
- Você parece gostar muito dessa menina, - disse a doutora – sempre acaba voltando a falar dela.
Senti minhas bochechas esquentarem com aquele comentário.
- Ela é só uma amiga, - respondi meio envergonhada – somos da mesma turma e vizinhas, ela é sobrinha de Vivian, então, quase sempre está por perto.
A doutora riu, levantando da cadeira.
- Nosso tempo acabou. - disse ela
Eu olhei para o relógio de parede e percebi que o tempo havia se passado muito mais rápido do que o normal. Levantei indo até ela.
- Até a próxima, Sam. – disse ela ao abrir a porta
Afirmei com um gesto de cabeça e sai da sala, indo até Vivian.

No caminho de volta para casa, fiquei olhando para os prédios pensando no que tinha conversado com a psicóloga, quando senti um toque suave em meu braço.
- Posso ver seu celular? – perguntou Alex.
Eu afirmei tirando ele do bolso da calça jeans e entregando-o a ela, que o recebeu e digitou alguma coisa nele. Segundos depois, o celular dela tocou, e ela devolveu o meu em seguida.
- O que você fez? – perguntei olhando para a tela
- Coloquei meu número nele, - disse ela – e agora eu tenho o seu.
Ela mostrou meu número salvo em sua agenda, sorrindo.
- Alex, querida, - disse Vivian chamando nossa atenção – sua mãe já viajou?
- Ainda não tia, - respondeu Alex ajeitando uma mecha do cabelo para trás da orelha – eles adiaram, só próximo mês agora, eu acho.
Vivian afirmou, me olhando pelo retrovisor e depois para Alex.
Quando chegamos em casa, saímos do carro para que Vivian pudesse estaciona-lo na garagem e antes de eu subir a escadinha para a varanda, Alex tocou em meu ombro novamente.
- Você poderia esperar um pouco? – perguntou ela
Eu olhei para Peter e com um gesto, eu disse que ia depois.
- Isso é para você.. – disse ela, tirando um presente bem embrulhado de dentro da mochila e me entregando.
- Pra mim? – perguntei surpresa
Ela afirmou, rasguei o papel meio sem jeito e dentro dele, tinha um apanhador de sonhos.
- Li que se você colocar ele sobre a cabeceira da cama, - começou ela – ele ajuda a dormir melhor, tira os pesadelos.
Fiquei completamente sem palavras.
- Espero que consiga dormir bem essa noite. – ela sorriu para mim, e em seguida foi para casa.
Nunca esperaria por algo vindo dela, ela conseguiu me deixar realmente sem palavras. Fiquei um tempo olhando para o apanhador de sonhos parada de frente a entrada de casa, até que John abriu a porta.
- Não vai entrar? – perguntou ele
Ele parecia estar chateado.
Guardei o presente que ganhei em minha mochila e entrei em casa, subindo direto para meu quarto.
Ao acender a luz, me deparei com um vestido em cima da cama, peguei nele e me virei para a porta, John estava lá.
- O que é isso? – perguntei
- Um vestido, - respondeu ele rispidamente – não sabe mais o que é um vestido?
- Você sabe que eu não uso essas coisas, - disse olhando para ele, já sentindo meu corpo estremecer – não é confortável.
- Você é uma garota, - continuou ele – está na hora de jogar essas coisas que você usa e começar a usar coisas de garota, coisas que você usava antes!
Aquelas palavras fizeram meu estômago revirar. Vivian apareceu junto se Peter no corredor tentando entender porque John estava falando mais alto.
- Estou cansado de ver minha irmã andando feito moleque dentro da minha casa! – gritou John
- John... – murmurou Vivian.
Uma onda de raiva e frustração me tomou por completo, mas eu não consegui falar nada. Fechei os punhos e o vi pegar o vestido.
- Você deveria estar vestindo essas coisas! – ele começou a chorar – Como antigamente, porque você não faz mais isso?
Ele se aproximou de mim, e eu o encarei, percebendo que lágrimas escorriam pelos meus olhos.
- Porque da última vez que usei um, - consegui dizer com a voz meio abafada – um homem abusou de mim.
Todos olharam para mim surpresos, eu nunca tinha falado com eles sobre as coisas que passei durante esses três últimos anos.
John olhou para Vivian que havia levado a mão até a boca, e Peter estava tão abalado quanto eu.
- Eu sinto muito, - continuei fazendo John voltar a me olhar – mas eu não consigo usar isso.
Ele olhou para o vestido em suas mãos, e saiu do quarto com Vivian indo atrás dele.
- Fecha a porta, - pedi a Peter – por favor.
Ele afirmou passado a mão no rosto e a fechou. Sentei-me na cama e vi o reflexo de Alex no espelho, olhei rapidamente para a janela e ela realmente estava lá. Baixei a cabeça enxugando as lagrimas e peguei minha mochila, retirando o presente que ela havia me dado. Pendurei na cabeceira da cama e me deitei, desejando que aquele apanhador de sonhos não me deixasse mais ter pesadelos.

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