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Muitos detalhes se perderam com a passagem do tempo.
Mas em essência ela se lembrava de cada movimento, ação e ocorrência, as imagens rodopiava na cabeça dela e por mais que ela soubesse que não se tratava de mais do que um sonho, ela mesmo assim seguia as regras daquela simulação de uma memória, incapaz de escapar do destino.

Ela se lembrava de uma cidade gigante, uma metrópole de madeira e rocha, se expandindo em todas as direções com construções altas, passarelas enormes cruzando os céus fechando a luz da lua e tornando tudo um grande breu.
A pequena garotinha que ela era caminhava agarrada à mão da Mãe, uma mulher baixinha que de acordo com a memória de Nika, tinha aproximadamente 1,60 de altura, pele escura e cabelos cacheados cheios, ela se vestia com um largo sobretudo abotoado, que provavelmente era a única peça de roupa que ela vestia.

Elas atravessavam aquele submundo, cruzando entre grandes rios que pareciam cortar a cidade no meio, canais em que vez ou outra era possível ver um bote ou dois iluminando as águas sombrias com lamparinas e os olhos reluzentes de Bartropos.

Mas o que parecia intimidar a mãe eram os soldados atrás dela, marchando sem produzir som, homens sem patente nem símbolo, eles pareciam estar vestidos com apenas a escuridão ao redor deles, que os moldava como grandiosos cavaleiros invisíveis na noite.

"Mamãe os chamava de Cavaleiros Negros" - Lembrou-se.
Nika nunca realmente havia queimado neurônios demais para saber quem eles eram, ela sequer saberia por onde começar a tentar entender esse quebra cabeça, e haviam coisas mais importantes para se questionar.

Das trevas à frente, surgiu como uma ilusão miraculosa o seu veículo de fuga, lentamente uma gigantesca máquina desacelerava sobre os trilhos de ferro, a garota se lembra de ter tossido quando respirado a grande nuvem de fumaça que aquela besta metálica vinha a expurgar.

Eles entraram correndo como pássaros numa gaiola, a besta de ferro estava vazia em seu interior, completamente silenciosa e mórbida, como se a própria população da cidade tivesse previsto que algo iria acontecer, os boatos estavam circulando, além de que a superstição rondava a cidade fazendo as pessoas se acovardarem rapidamente.

A máquina seguiu pelos trilhos, de acordo com o que sua mãe falara era a única ferrovia da cidade de Nekkro. Nika sempre havia preferido os barcos, atravessar os canais da cidade escutando os remos empurrando a água era reconfortante, já que os sons industriais do trem não eram nada senão assustadores.

A mãe a confortou com os braços, quase pegando-a no colo enquanto a olhava com os dois olhos perfeitamente negros como pedaços do céu noturno.
"É a forma mais rápida de fugirmos". – Lembrou de ter escutado.

O trem se movia numa velocidade extraordinária e a cidade noturna passava rápido pelas janelas, Nika queria a qualquer custo ver o panorama que se desenrolava alguns centímetros acima da cabeça dela, então com um esforço subiu em um banco enquanto sua mãe tinha uma tensa conversa com um dos Cavaleiros Negros.

Nika colou as duas mãos na janela encarando o lado de fora com seus olhos cheios de curiosidade, observando as colossais construções góticas parecendo se erguer das águas que cruzavam a cidade. O trem descia alguns metros para atravessar por debaixo de algumas sessões ricas da cidade e ela pôde ver os gigantescos suportes de ferro que mantinham aquela sessão inteira no alto, cidade sob cidade em três ou mais grandes camadas, cada uma com seus prédios e estruturas se sobrepondo como torres.

Repentinamente algo chamou a atenção dela pelo lado de dentro do trem, um vento forte balançou os seus cabelos perfeitamente escuros como um fogo negro sendo arrastado pela força da gravidade. Ela virou-se para ver escuridão, todas as lamparinas apagadas e sua mãe a agarrando pela cintura como se o mundo dependesse disso. E talvez dependesse.

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