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Sonhos. Desde a antiguidade os homens temem e brincam com seus sonhos, vendo neles os seus maiores desejos e medos, ou simplesmente revivendo memórias nefastas de entes queridos perdidos.

Mas eles também possuem um significado maior, dizem que essas imagens fantasiosas criadas pelo seu cérebro são na verdade mensagens do seu próprio subconsciente para o seu consciente, e por causa disso as grandes histórias sempre retrataram dessa forma o contato dos homens com seres superiores e envoltos de mistério.

E nesse momento Kheyran estava na realidade conectado a uma mente maior, que por algum motivo misterioso - e nefasto - o havia levado para um lugar escuro dentro de sua própria mente.

Mesmo assim ele negava-se a fazer as associações obvias a sua própria vida, negando suas memórias como um esquizofrênico jogando fora o medicamento que o deixa são. Ele estava em uma casa de madeira, que embora existisse perto do distrito comercial de Velns, tinha também a ousadia de ter se pintado com uma cor amarela forte a mando da dona da casa, que por algum motivo adorava tulipas e a cor exata que elas possuíam lhe dava uma impressão de sorte. Ledo engano.

Kheyran se viu na sala enquanto o portão era arrombado e as sombras adentravam a casa como cães esfomeados em busca de uma presa, a moça que ele um dia amou expressou horror puro enquanto eles a agarravam pelos braços e puxavam para fora. Kheyran queria gritar, correr e espernear como uma criança que acabara de perder seu brinquedo, mas ele apenas ficou ali, paralisado em suas roupas escuras, como qualquer outro móvel da casa faria, até que eles a levassem para fora e os gritos dela fossem abafados pela porta se fechando.

- Não foi isso o que você fez naquela ocasião. – Disse uma voz atrás dele.

A voz era feminina, ela possuía um tom alegre que se cravava no fundo da sua alma mais forte do que qualquer garra animal, Kheyran sentiu-se como se engolisse cacos de vidro quando sentiu o cheiro doce de tulipas.

- Alexandra? – Ele disse. – Eu não pude salvar você daquela vez, e isso agora...não é real.

Ela saiu de trás dele, caminhando para a frente dele com movimentos brincalhões e pouco preocupados como ela faria de verdade se estivesse viva, era uma Genghatt como ele claro, mas tinha listras de cor violeta estranhamente formando símbolos tribais e acentuados nas regiões dos ossos. A cor e o formato das marcas de nascença indicavam que ela fazia parte de uma das várias linhagens de nobreza dos Genghatts, cujos preconceitos a haviam condenado quando se apaixonou por um ser inferior como Kheyran. Embora ela fosse como Alexandra, a diferença era visível, seus olhos eram desfocados e mortos com grandes olheiras, seu lábio se corrompia num sorriso macabro e sua pele parecia pálida demais.

- Esse corpo é belo. – Ela disse, referindo-se a si mesma enquanto passava suavemente as mãos sobre os braços. – Você a amou Kheyran?

- Até o último minuto. – Ele disse, encarando o chão.

- Então por que a deixou ir? – Ela disse, olhando-o nos olhos, com expressão indecifrável.

- Eu... falhei. – Ele disse, mas a voz saiu baixa e fraca.

- Você a matou... tentando protegê-la, eu gosto disso. – Ela disse, chegando mais perto.

- Você gosta disso? – Ele disse, pasmo. – Quem poderia ser tão sádico?

Kheyran ergueu os olhos e a fitou em um olhar de dor pútrida, seu sofrimento parecia ser admirável para a visão daquela entidade profana que agora habitava a forma de Alexandra, ela parecia se deliciar na situação, dando o mesmo sorriso despreocupado que a verdadeira mulher costumava dar a Kheyran em seu limitado tempo juntos.

Profundezas EthéreasOnde histórias criam vida. Descubra agora