Capítulo 21 - O diabo na minha janela

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Meu dia havia sido um caos.

Apesar de tudo, toda aquela confusão havia ficado para trás quando pus meus pés na calçada. Tudo que eu sofrera durante todo aquele dia, seriam apenas mais uma lembrança ruim nas minhas reflexões. Em casa pelo menos eu teria um pouco de paz. Só queria chegar e deitar na minha cama, escutando minha playlist para afastar todos esses fantasmas da minha cabeça.

Nunca havia dado tanto valor ao meu lar como depois daquilo. Eu preferia estar na escola do que na minha própria casa, porém agora era o inverso. Odiava ter que aguentar meus pais e suas babaquices, porém tudo que eu pensava naquele dia era "não há lugar melhor que o nosso lar".

Acho que o que me fazia odiar o meu lar, era saber que estava debaixo do mesmo teto que pessoas intolerantes a mim. Eles não sabiam, mas me condenavam sem saber. Talvez aquilo fizesse com que todo o ambiente daquela casa não fosse para mim e por muito tempo, tudo o que quis foi sair dali e começar a poder a minha vida em paz, tocando o foda-se em tudo. Viveria em conformidade comigo mesmo. Agora eu queria estar no lugar que eu desejava sair. Era irônico e quanto mais pensava mais aquilo invadia a minha cabeça. Talvez só desse valor a uma coisa quando tivesse perdendo outras.

Roy esteve comigo no mesmo dia em que a foto foi tirada. De certa forma ele saiu nela, mas ninguém o reconheceu por ele estar de costas, ter um cabelo aparado comumente e estar com roupas que não evidenciavam seu corpo atlético, caso contrário, poderia gerar-se muitas suspeitas ou até certezas. Ele tinha uma sorte realmente invejável por mim. Tudo o que eu queria era que aquilo tudo não tivesse acontecido. Essa fora a pior forma de sair do armário.

Eu já tive vontade de me assumir algumas vezes, no entanto, se era para ser dessa forma, preferia continuar no anonimato. Ainda não era o tempo para mim. Sabia que ainda não estava preparado para lidar com toda aquela situação que se agravava. Agora o mundo ao meu redor parecia diferente. Sentia como se todos me olhassem diferente, como se enxergassem nu na rua. Não conseguia parar de me sentir assim. Tudo o que me aliviava era saber que tudo acontecera na escola, a mais de mil metros de distância da minha casa. Mamãe e papai nunca iam no colégio, também mal saíam de casa, portanto tinha chances mínimas de que eles descobrissem e se chegassem a tal ponto, demoraria mais um pouco provavelmente.

Minha mente estava uma bagunça total. Tudo parecia girar a minha volta e as vozes dentro da minha cabeça simplesmente não paravam, me sugerindo tudo em que eu deveria pensar. Se continuasse daquela forma, teria um dos meus surtos logo, logo. Talvez fosse tão feio quanto o último. Precisava me esvaziar por completo se quisesse dormir naquela noite. Já visava que seria uma noite difícil para mim. Talvez os pesadelos voltassem a me assombrar quando eu finalmente conseguisse dobrar a mente. Agora não seriam mais como sonho, mas como a realidade já vivida por mim dez vezes pior.

Sabe aquelas vezes que você sonha que está correndo pelado pela cidade e todos ao seu redor loucos com a situação, e você sente que aquele sentimento é tão real que você simplesmente precisa se esconder da vista de todo mundo? Era tudo o que eu queria que aquele momento tivesse sido. Queria de alguma forma acordar e perceber que tudo aquilo era apenas um sonho em que meti. Eu sabia que aquilo era realidade, mas pedia baixinho para mim mesmo para acordar daquele terrível pesadelo que se assolara.

Cheguei em casa totalmente pesado. De toda forma não consegui deixar toda a tensão que eu carregava para trás ao passar pela porta. Queria ser uma pessoa assim, porém infelizmente eu não era, apenas tinha de conviver com isso. Assim que fechei a porta ouvi uma choradeira vindo da sala. Me dirigi até lá para ver o que poderia ser. Encontro meu pai e minha mãe sentados na mesma poltrona. Papai estava sentado confortavelmente nela, enquanto mamãe situava-se no braço da poltrona, segurando um celular na mão e olhando fixamente para o objetivo, parecendo analisar o que quer que estivesse estampado na tela do aparelho, enquanto rios de lágrimas desciam pelo rosto dos dois.

O Diabo na minha JanelaOnde histórias criam vida. Descubra agora