Hoodie

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A turnê havia chegado ao fim e era hora de desfazer a mala, a pior parte de qualquer viagem. Fazer as malas era sempre empolgante e rápido, mas desfazer era outra história, ainda mais uma mala para tanto tempo fora como fiquei. Enquanto guardava meus pertences no armário novamente, encontrei no canto um moletom cinza. Peguei em mãos e o desdobrei, era o moletom favorito do Brad, o que ele mais usava. Ele sempre deixava algumas coisas em casa, assim como eu na deles, às vezes por esquecer ou por comodidade, já que vinha com certa frequência. Eu imagino quantas coisas dele deve ter por aqui ainda e o que eu faria com elas.

Por um momento me senti parada no tempo. O que fazer quando se sente preso? Porque aquele que você ama te afastou e você não consegue lidar com a dor. E agora outra pessoa está tentando me consertar, remendar o que ele fez enquanto eu tento encontrar o pedaço que me falta, mas eu ainda sinto falta dele. Blake me faz feliz? Com toda a certeza do mundo! É como se ele fosse o primeiro da fila ou aquele quem me espera na janela, dedicando todo o seu tempo a mim. Ele poderia ser meu heroi, se eu conseguisse o Brad ir, mas ele ainda está em mim, como uma flecha quebrada, que não sai e também não deixa cicatrizar por completo. Como um espinho na carne que eu não consigo remover enquanto essa situação fica mal resolvida, mas sempre me sinto fraca quando penso em resolvê-la.

Você já sentiu como se o seu coração estivesse dividido em dois? Você se sente bem, mas está destruído por dentro; você sente o amor, mas não consegue se envolver, porque encontrou a pessoa certa na hora errada. Eu não consigo esquecer o que aconteceu e perdoá-lo, reatar a amizade, mas também não consigo seguir em frente. Exatamente como James disse. Eu não consigo ser 100% feliz ao lado do meu namorado sem antes me resolver com ele. Realmente desejo que nós pudéssemos voltar ao que era. Aquela amizade que iluminava os dias mais cinzas, quando eram duros e as horas pareciam muito mais longas. Eles têm sido a minha família desde que me mudei para Londres, tornaram a adaptação mais fácil, lidar com a saudade e a ausência era algo complicado para alguém tão jovem que decidiu seguir os sonhos e iniciar do zero a vida do outro lado do oceano. Sonhos que pareciam maiores que eu na época. Eles estavam lá. Ele estava lá. Ele me conhece melhor do que ninguém. Conhece o meu pior, me vê ferido, mas não julga. É o sentimento mais assustador, porque é loucura pensar que quem antes era a âncora que me mantinha no lugar foi exatamente a que me afundou. Agora aqui estamos nós, tão próximos quanto dois completos estranhos. É como se a família estivesse partida, como se fosse um quebra-cabeça com uma peça faltando. Ele é a parte que falta e eu não posso ser completa, mesmo quando tentam me convencer de que não vale a pena.

Eu sei que isso tudo acabou e o mundo que conhecíamos se partiu em dois. Mas poderíamos fazer dar certo se encontrássemos um jeito de dizer tudo o que não foi dito. Queria acordar e descobrir que foi só um sonho ruim, com todos os erros apagados da mente e o coração quebrado vazio. Gostaria de poder trazer tudo ao início, mas não está mais em minhas mãos desde que ele estragou sua chance brincando comigo. Quando descobri como me enganou, fiquei destruída. Naquela época eu acreditava nele com todo meu coração, de olhos fechados, como se eu depositasse toda minha confiança e vida nas suas mãos, nas mãos do meu melhor amigo que, teoricamente, é uma pessoa que jamais seria capaz de te machucar.

Quando nossos amigos falam sobre ele, tudo que isso faz é me derrubar. Porque meu coração se parte um pouco cada vez que ouço seu nome e me lembro do que construímos. 

Eu sou prisioneira da minha mente na minha própria vida. Eu não quero mais ter que me machucar pensando em como as coisas deveriam ter sido, o que mudaria, as possibilidades me matam por dentro, se eu fui culpada, se eu vi algo onde não tinha ou qualquer coisa relacionada. Queria ser forte o suficiente para suportar essa tempestade. Meus amigos estão dizendo que eles não me reconhecem mais, que não tenho sido a mesma durante o resto da turnê, e quando eu digo que tudo vai voltar ao normal eles não acreditam mais em mim, porque sabem que eu odeio situações mal resolvidas, principalmente quando se trata de alguém que costumava significar tanto. Então, talvez seja hora de encarar os fatos, jogar as cartas na mesa, e eu serei a primeira a dizer que é tarde demais para tentar se desculpar pelos seus erros.

Enchi meu peito de ar quando me olhei no espelho, eu não sou a mesma garota que iniciou a turnê ao lado dos melhores amigos.

Inconscientemente levei o moletom para perto do meu nariz, podendo sentir o cheiro dele. Seu perfume ainda estava ali depois de todo esse tempo, bem suave, mas estava, ou talvez meu cérebro esteja me trapaceando apenas para eu lembrar como era ter ele por perto.

— O que está fazendo, estranha? — Ouvi a voz de Blake atrás de mim, rindo baixo enquanto se aproximava. Afastei o moletom e o olhei confusa, não sabia que ele viria hoje, mas acho que é normal já que estamos juntos. — A porta estava aberta e eu entrei, espero não ter te assustado. — Ele beijou meu rosto e se sentou na minha cama. — Aliás, não deveria deixar sua porta destrancada.

— Sim, pai. — Revirei os olhos enquanto ria baixo e dobrava o moletom novamente. — Eu estava acostumada a ter os amigos por aqui, era mais fácil deixar destrancada. Mas tomarei mais cuidado. — Sorri para ele. Nunca aconteceu nada de ruim no meu prédio nem nos arredores dele, um dos motivos de eu ter esse costume.

— Um pouco grande pra ser seu, não é? — Ele comentou, apontando com a cabeça para a peça na minha mão. Droga! Agora ele vai achar ainda mais estranho o fato de eu estar cheirando uma peça de roupa.

— Não é meu... — Cocei a cabeça, nitidamente desconfortável e mordisquei meu lábio inferior, desviando o olhar para o par de olhos castanhos. — É do Brad... Ele deve ter esquecido aqui algum dia.

— E você estava cheirando por qual motivo? — Ele franziu o cenho enquanto me olhava.

— Hm... Porque ficou muito tempo no armário e eu acho melhor lavar antes de devolver, é isso. — Respondi sorrindo amarelo, me voltando para o armário para continuar a guardar minhas coisas.

— Você quer que eu devolva para ele?

— Não, tudo bem. Quando eu vir um dos meninos, peço para levarem para ele depois que eu lavar. Obrigada! — Me aproximei dele para selar nossos lábios demoramente mas logo voltei para a minha mala. 

Blake estava deitado na minha cama, me contando algumas coisas mas eu não estava realmente ouvindo depois de um tempo. Vez ou outra eu olhava o moletom no canto do meu armário e ele me levava a outro lugar. Eu costumava colocar as mãos nos bolsos quando o usava, com o cheiro da colônia dele enquanto assistia, com ou sem ele. A verdade é que eu adorava roubar as peças de roupa dele, pareciam bem mãos confortáveis do que as minhas para ficar em casa. Me fazia sentir um pouco mais perto dele quando estavam longe por causa da banda ou qualquer outro motivo, dava certo conforto para algumas crises que eu tinha por estar longe de casa.

Convidei Blake para dormir em casa naquela noite, era bom passar um tempo com ele sem interferências como na turnê. Comemos pizza, assistimos nossos filmes favoritos e, claro, aproveitamos cada segundo da presença e carinho do outro. Ele faz tudo ser tão leve que eu me esqueço dos problemas e foco apenas em ser feliz. Mas a vida não é um conto de fadas, certo? Sempre algo me trazia de volta a realidade. Dessa vez, mais uma ligação de madrugada dele. Por todo esse tempo eu tenho ignorado essas ligações mas não hoje.

Olhei para o lado e Blake dormia tranquilamente, levantei da cama e saí do quarto com cuidado, não queria acordá-lo, parecia tão calmo.

Caminhei até a sacada que havia na sala e encarei a tela do celular por um momento enquanto respirava fundo, tocando na tela para atender.

Meu coração batia forte contra o peito, tornando difícil a minha respiração.

— A-alô? Bia? Você está aí? — O arrependimento de atender rapidamente me atingiu. Ouvir a voz dele depois de tanto tempo, sentindo o nervosismo nela e o quanto parecia engasgado nas palavras, me fez esquecer completamente todo o discurso que eu havia preparado. — Bia? Por favor, me responde. Você não sabe quanto tempo eu esperei pra que você me atendesse e eu pudesse dizer tudo o que eu tenho pra te dizer e...

— Não, é minha vez de falar. — O interrompi, tomando as rédeas da situação. — Mas não vai ser pelo telefone. Eu vou para a sua casa amanhã e nós teremos a conversa que já deveríamos ter tido. — Pelo silêncio dele, ele parecia surpreso. Mas concordou e sem mais delongas desligamos o telefone. Voltei para o quarto, me deitei na cama com a cabeça no peito de Blake, que logo me abraçou. Beijei seu peito e fechei os olhos na tentativa de dormir, mas não consegui. Não antes de pensar em tudo o que eu queria dizer para ele amanhã. Amanhã é o dia de dizer tudo o que ficou engasgado durante essas semanas.

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