Ano 2. A Ideia

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Ácido corria em suas veias corroendo o que encontrava. Tentou levantar-se, mas os músculos e ossos do corpo pareciam moles e fracos demais para realizar tal tarefa. Ofegou. O esforço fora demasiado, levando em conta sua atual situação. Esperou a respiração normalizar, tempo suficiente para perceber que havia algo molhado e frio sob sua testa. Levou a mão ao local e a superfície macia, grossa e alta em que tocava informou-lhe que ali jazia um pano. Retirou-o da testa e, lentamente, abriu os olhos. As pálpebras estavam mais pesadas que de costume, o que aumentava o impulso de fechá-los. Decidiu, assim, correr a vista pelo cômodo e só então notou que este estava num breu total.

— Lumus! — Sussurrou na esperança de a varinha estar perto o suficiente para atender ao seu pedido.

Uma fraca luz irrompeu da ponta da varinha que, para alívio de Tiago, encontrava-se em um criado-mudo branco que reconheceu como sendo seu. Ao lado da varinha, estava seus óculos redondos, perfeitos e sem arranhões. Agora ficara claro que a cama em que se deitava deveria ser, também, sua, assim como o quarto em que dormira. Virando-se veria os três melhores amigos e ele próprio às gargalhadas na foto tirada no último dia de aula; no rodapé, escrita magicamente, achava-se a palavra 'Marotos'. Era quase invisível a maioria dos olhares de tão pequena — ideia do Pedro. As outras fotografias, os pôsteres de seu time de quadribol da Grifinória e as paredes em vermelho e dourado com um grande leão pintado do lado oposto à porta estavam um pouco empoeirados, mas de outro modo, intocadas. Tudo perfeitamente igual à noite anterior à ida à casa dos Black. Os Black.

O duelo que travara com Belatriz lampejou em sua mente. Perdera vergonhosamente e precisara que Sirius e seus pais intervissem para que a sonserina não o matasse. Lembrou-se, de súbito, da Sra. Black arrastando o amigo para o andar superior. Um medo repentino percorreu sua espinha. Sirius falava de como sua mãe o trancava no quarto e deixava-o sem comer sempre que falava uma gíria trouxa ou defendia a comunidade não-bruxa, e lembrava-se perfeitamente do berrador que mandara e do escândalo que fizera na sala de Dumbledore ao descobrir, no ano anterior, que o primogênito fora parar na Grifinória. Ela alteara a voz até mesmo para a Prof.ª McGonagall! Assustava-o pensar o que a mulher faria depois de Sirius estuporar a prima. Precisava tirá-lo daquele antro de loucos urgentemente! Reunindo todas as forças que lhe restaram, forçou-se a levantar.

— Uuuugh! — O grito saiu antes que pudesse contê-lo. Fora tão alto que apostara todo o ouro de Gringotes como não acordara toda casa.

Sentia o corpo queimar em brasa. Ossos e músculos estavam tão inflamados que duvidava ser capaz de mexer um dedo. Segundos depois, Euphemia aparecera ofegante à porta. Os longos cabelos negros esvoaçavam ao redor do rosto. Os escuros olhos esquadrinhavam o quarto a procura do perigo, e mesmo sem nada ver, não abaixou a varinha. Levou a mão esquerda ao coração enquanto encostava-se ao batente da porta.

— Tiago... Filho... — balbuciou arfante.

— Tudo bem, mãe — ao proferir as palavras que, esperava ele, acalmariam sua mãe, Tiago se assustou com a própria voz. Ela estava rouca, fraca e empoeirada como se há tempos não fosse utilizada.

— Por que o grito? — Euphemia estreitou os olhos, desconfiada.

— Levantar... Dor... — Respondeu o garoto vagamente. Logo em seguida acrescentou: — Pode pegar os meus óculos, por favor?

A Sra. Potter, com um amplo aceno da varinha, não só recolocou os óculos no rosto do filho bem como ajeitou o travesseiro no qual ele estava deitado e abriu as pesadas cortinas permitindo a entrada dum sol forte e quente.

— Que horas...? — Perguntou aturdido.

— Quase três da tarde.

— Mas...

Tiago não entendera. A briga no Largo Grimmauld ocorrera por volta das nove da noite, como poderia ser dia? Passara tanto tempo desmaiado assim? Ou apenas embarcara num pesado sono? O que acontecera após a briga? E Sirius? Questões, talvez banais, o preocupavam agora. Tentou, novamente, levantar, porém o corpo inteiro doeu. Reprimiu o grito mordendo a língua.

— Não tão rápido — Disse, severamente, sua mãe. — Pode ficar quietinho aí. Já, já um curandeiro do St. Mungus chegará.

— Curandeiro? Pensei que o Ditamno seria suficiente...

— Seria... — Euphemia estava cautelosa. Tiago percebeu o porquê. Logo em seguida, arqueou as sobrancelhas e questionou:

— Mas não foi. Por quê?

A Sra. Potter suspirou.

— Sente dores nas costas e nos músculos não é? — O menino assentiu — Eu não tenho certeza do motivo da dor, pode ser devido ao estrunchamento ou alguma costela que quebrou quando... Quando... Quando...

A mulher parou para enxugar as lágrimas. Quando Walburga e Orion Black, a pedido do primogênito Sirius, chamaram os Potter para passar algumas semanas no Largo Grimmauld 12, Euphemia imaginou que a arrogante Walburga desejava unir as duas famílias. Se foi essa a intenção, ninguém saberia dizer, no entanto, poderia se afirmar com extrema certeza que nenhuma das duas mulheres jamais imaginara os desentendimentos que marcariam as duas semanas de estadia e culminariam na tragédia da noite anterior. E o fato de Euphemia Potter se recusar a mencionar o incidente não só demonstrava, como confirmava, que os cinco adultos que carregavam, fosse por laço sanguíneo fosse por matrimônio, o sobrenome Black, sempre considerariam o acontecido um grave acidente circunstancial, não importando o que diriam Fleamont, Tiago ou Sirius. Haveria um afastamento familiar irreconciliável. As gerações futuras não saberiam da ligação entre os dois nomes e, com o tempo, ela seria esquecida. Todavia, a cordialidade seria mantida. Era um acordo silencioso feito entre as famílias bruxas mais antigas e tradicionais. Quiçá por isso Fleamont não decretou a prisão imediata de Belatriz Black. Afinal, família era família.

— Peraí! — Guinchou Tiago, incrédulo com o que perdera. — Eu estrunchei?

— Sim, querido. Ah... — A bruxa corria os dedos pelo tão rebelde cabelo do filho, exatamente como o do pai. Aliás, o menino era todo o pai, exceto a cor dos fios de seu cabelo. Estes eram negros como os da mãe.

O gesto era acompanhado do pranto em prol da lembrança das costas de seu menino faltando um pedaço. Algumas horas depois, Fleamont recebera um chamado urgente do Ministério: uma família inteira de trouxas fora encontrada morta e suspeitavam ter sido obra de algum bruxo das trevas. Com medo de usar algum feitiço ou poção de cura e machucar ainda mais o filho, pingou nos ferimentos dele apenas Essência de Ditamno.

Pensou em levá-lo ao St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos, entretanto, os curandeiros fariam perguntas por conta dos ainda evidentes machucados que a Maldição Cruciatus dera-lhe. Um simples estrunchamento não os explicaria. Quando, por fim, a aparência de Tiago melhorou, Euphemia enviou uma coruja ao hospital.

— Por que não me disse antes? — Guinchou, enraivecendo-se. — O que realmente aconteceu depois de termos saído da casa dos Black? Como está Sirius? E onde se meteu o papai?

Euphemia contou tudo o que sabia em meio a soluços e lágrimas que caíam em seu colo e encharcavam seu vestido amarelo. E, quanto mais o fim da narrativa se aproximava, mais pálido Tiago ficava. Sirius ainda estava de castigo.

— Mamãe — falou com a boca seca —, traga-me dois pedaços de pergaminho, uma pena e minha coruja, por favor.

Euphemia estranhou o tom do filho, mas foi buscar o que ele pedira. Ao voltar, não conseguiu se conter — o incidente a deixara ainda mais protetora — e perguntou o motivo daqueles objetos serem necessários, ao que Tiago respondeu numa voz grave —atípica a um garoto de doze anos, entretanto, altamente característica de um homem adulto.

— Vou escrever para Remo e Pedro. Vou salvar meu melhor amigo, e nada mais justo que chamar os outros dois Marotos para a missão. Eles também são amigos de Sirius.

Era a primeira vez que Tiago Potter ou qualquer um dos Marotos utilizava o termo "Maroto" para se referir a si ou aos amigos perante alguém. Isso tornava tudo mais oficial.

Os MarotosOnde histórias criam vida. Descubra agora