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As olheiras acumuladas pelos frequentes sonhos ruins permaneciam intactas por baixo de uma camada de corretivo, teoricamente desnecessário naquela tarde em casa. Apenas remexendo o pó de café misturado á água fervente para lá e para cá meus olhos voavam alto e bem longe pela janela da cozinha. Divagando a milhares de quilômetros dali, pensando no meu próprio mundo e em como eu sonhava acordada em tudo que soava impossível. Como eu sonhava em um dia finalmente ser da forma que eu vivenciava em minha mente. O quanto desejava pular para um futuro distante só em busca de ter a certeza que no fim o impossível para muitos seria a minha exceção e a minha realidade. Eram pensamentos que me rodeavam desde a infância e se tornaram rotineiros, acompanhados de uma dorzinha profunda, uma aflição aguda e um zumbido constante em meu ouvido que caminhava em em direção a minha alma. Acredito que a alma se encontra em um poço sem fundo depois do coração. E era lá que todos os meus sonhos, angústias, esperança e agonia se encontravam em uma só voz.
Dia após dia, ócio após ócio, eu me pegava refletindo em qual teria de fato sido o estopim para minha escuridão? Qual era a grande explosão que tinha dado início as dores constantes, á falta de vontade de respirar e muita das vezes de respirar o ar da vida. Seria somente por ele? A culpa caberia apenas nos olhos funéstos como o mau? Em certos momentos eu poderia crer que não, não havia sido só ele. Uma pequena parte de mim dizia baixinho que talvez... Pudesse ser algo em mim. Eu e apenas eu, nos encarando, nos fitando com a mesma dúvida. Era a face de uma mente tão destrutiva que mal sabia diferenciar cores.
Todavia, a única pessoa que ainda insistia em salvar-me de meus próprios pensamentos nebulosos era Taehyung e nosso mundo particular. O julgo não chega a fazer parte dos pensamentos, eles mal sabem ou sequer se interessam. Em meio a isso e mais um pouco a imagem de Jungkook plumava em minha mente, bem mais alto, e as sensações confusas que me tomavam em relação a ele pairavam me observando.
Recordo os momentos em um consultório branco e azulejos verdes. Me sentava e conversava por uma hora com uma mulher de meia idade, cabelos totalmente branco curto como corte militar, óculos grandes e roupas extravagantes que me recebia com o mais caloroso abraço e o sorriso mais cativante que já vi. Enquanto eu a contava quase tudo que sentia ela me encorajava a conhecer pessoas novas e tentar voltar ao meu estado de espirito pré-trauma. Indicava-me livros, novas playlists, lugares para ir, aplicativos de celular e até tipos de chás. Acho que aprendi a gostar de chá com ela. Tudo me vinha de forma muito acelerada e insistente, qualquer pensamento desde o mais insignificantemente banal até o mais destrutivo e pontudo como uma faca de cabo grosseiro e prata brilhosa como um espelho. A janela á minha frente se tornou um espelho do passado naquele momento sereno onde se subia o cheiro de um pó escuro, moído e agora queimado. E eu vi. Vi-me.
Era um corpo fraco, branco pálido, magro como o de uma criança de rua que tem fome todos os dias, eram cabelos castanhos longos, porém miúdos e sem vida, tão opacos quanto fumaça e ao chão. Sangue: Pingava e se derretia de um de meus pulsos, para ser mais exata o esquerdo, recordo do choro constante e calado e do horário nada incomum á minha rotina até hoje, a madrugada é claro, sempre a madrugada me perseguia por onde quer que eu fosse. Aquela em específico foi onde optei por um corte mais fundo, tão profundo quanto minha dor a cada briga, a cada decepção, a cada mentira, a cada humilhação e a todas as torturas psicológicas. Sentia não só meu braço formigando, mas meu peito abrindo devagar como se fosse forçado e aos poucos minha estrutura deslizando pela meia parede do balcão da cozinha chegando ao piso de cerâmica bege antes que eu pudesse prever. Meus olhos cansados pelas lágrimas quentes aos poucos iam se fechando e perdendo a vontade de ficarem abertos observando o escuro. E em poucos minutos se entregaram a um sono invisível puxado pelo desejo de apenas deixar de existir. Eu não havia desmaiado, sei que não, toda a energia que me restava só tinha se esvaído ali mesmo no chão por alguns muitos minutos até os ruídos me despertarem para a real situação. Ruídos de meu pai, pela primeira vez em anos com o olhar perdido e a voz atormentada ao chamar minha mãe que dormia no quarto ao final do corredor, as mãos pequenas e gordinhas dele me puxavam do chão com certo cuidado enquanto ele chamava – Filha – e eu apenas assentia com as pálpebras dopadas de mim mesma. Eu sabia apenas que ainda continuava a existia e só precisava de força. Um pouco mais de força.
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Stitches
Non-Fiction"Descobri que vencer meus medos me força a acreditar que quando tudo acabar não será você e eu e sim eu e meu silêncio. Aprendi que reprimindo a mim mesma não é a melhor maneira de ser alguém, mas descobri que vinte e três horas por dia posso ofusca...