Leave: Elephant. - Cap 23

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"Uma gota
Só precisa de uma gota, meio minuto e meio muro.
Uma tonta.
Uma tonta a espreita, uma tonta á veia uma tonta anseia
uma ponta, uma espátula ou uma espada.
Enxurrada, peito transpassa, assa e traga a fumaça ao ar sem brasa.
Ensurdecer, o amanhecer, brincar de ser se olhar e não se ver
Esmaecer, tampar o ver, visão ao ler e olhos ao ser, quem ser?
Uma ponta afia a porta, uma ponta angustia a morta, qual morta?
Organismo nada mais que um visto, um brio, um tiro
Tiro.
Em peito, sem jeito, com jeito.
Afeição, dissimulação e paixão.
Paixão, fogo azul lambe seu eixo e ignora o resto.
Resto.
Seu resto, sou resto, me vi em resto
Me fizesses-te teu resto.
Teu mato, sem plantio, apenas grama do vizinho
Em dor, amor, em tronco se por, em sol se enxergou, me queimou e não se importou.
Duas gotas, duas lágrimas.
Duas porcelanas, duas quebradas camas
Duas camas, uma delas um lar
Meu lar.
Meu lar onde houve amar
Seu lar.
Onde houve sugar.
Em alma... Grito
Em cama... Agonizo
Em corpo, um copo, meu corpo...
Ele sugou."

A primeira vez que te vi você dormia no colo de sua mãe no banco de nossa igreja. A mesma igreja onde eu me moldei por toda uma vida e plantei e reguei todos os meus blocos de notas sensitivos a minhas próprias notas. Você tinha os cabelos mais alinhados e negros que já havia visto e a pele tão palidamente inocente quanto a minha. E era exatamente essa versão que eu guardei com carinho sobre quem você era por longos anos. Aquele garotinho esbranquiçado de olhos fundos e negros, que assim como eu, guardava suas notas em algum lugar; no seu caso era nos sonhos.

Mais tarde o universo cedeu á mim. Ele deu-me aquele sinal vermelho feito de fogos de artificio no fim de mais um ano, naquele em específico iniciávamos a adolescência com a mesma ingenuidade em nossos corpos vagos de vitamina D. Ambos sedentos por viver, ambos sedentos por sentir, ambos sedentos por sentar em um banco externo de uma igrejinha e conversar sobre tudo que tínhamos em comum. Então assim foi. Você proferiu a mim suas primeiras palavras como as de uma criança que ainda aprendia a falar. Confesso que em momento algum minhas orelhas prestaram atenção em sua personalidade já manipuladora, já obcecada pelo ato de mentir. Elas só ouviam aquilo que você queria que eu ouvisse, e como se faz uma criança; eu ouvi. Sua primeira e singela mentira foi sobre a sua verdadeira idade e até mesmo sobre seu verdadeiro nome. Você se lembra?

Naquela mesma época mais tarde descobri que o que pareciam somente palavras de alguém que não sabia exatamente o que dizer, eram palavras que não eram de fato suas. Sendo ditas a mim como um genuíno contador de estórias, como um verdadeiro conquistador em ascensão. Assim como você mesmo já me disse anos mais tarde: dependia de quem eu aparentava ser e como minha personalidade funcionava para que você começasse o processo de putrefação em minha alma e manipulação em meu cérebro antes puro. E então eu seria quem você quisesse que eu fosse. Tal como uma boneca sem lábios, de mãos e pés costurados com a linha grossa que mais tarde você criara especialmente para me atar.

  Era literalmente como um abutre que observa sua caça do dia com demasiada atenção antes do triunfo, da glória de ter a presa perfeita em sua boca e de ela ser sua.

E então, anos e anos mais tarde você chegou até mim como um raio negro. Sem a camada de pele pálida que eu assistira por muitos anos, sem o cabelo que tampava seus olhos tão negros quantos os demônios que já dançavam em sua íris há muito tempo e eu ainda não havia os percebido ali. Sequer resquício deles. Você veio em seu mais baixo tom com um sorriso que se formava por sua malicia, perfeitamente criado para meus olhos se tontearem e cederem à sua paixão sem sol e sem nós, apenas eu e meu só de solidão.

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