Dubiedade

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Às 9:30 da manhã preocupada, Irene foi ao quarto acorda Oscar para tomar café. Observando o menino automaticamente recordou do falecido filho. Tal recordação a jogou para um deserto de saudades ao mesmo tempo reafirmou o amor que sentia por aquele pingo de gente que agora o tinha como filho. Teve até dó de acordar Oscar que mais parecia um adormecido querubim ferido. Delicamente mexeu sutilmente e sussurrava "Filho, acorde, está na hora de acorda. Quando abriu os olhos a primeira imagem que viu foi Irene sussurrando como um mãe que desperta o filho para ir a escola. Acordou com a doce voz de Irene ao chamá-lo para tomar café. Como se estivesse acordado de um século de sono, dentro de um casulo, recusou olhar-se no espelho do quarto em que dormia como intruso.
- Meu fii depois de tomar banho vá pra mesa que estamos esperando.
Disse Irene.
- Tudo bem.
Respondeu Oscar.
Banhado e de dentes escovados, tentava causar um bem-estar notório tanto para Irene quanto para Chicão. Um largo sorriso de bom dia de Oscar pareceu ser tão falso quanto uma cédula de três reais . Em silêncio, agradeceu a comida e voltou direto para o quarto. O ontem, a forma pela qual o destino colocou o ser amado em sua vida parecia a prova fatalista de que nada do que foi seria do jeito que já foi um dia. Uma estranha saudade do que nunca aconteceu lhe deu um tapa ao jogá-lo para aquela madrugada que tomou empreitada rumo ao desconhecido. Ao ligar o celular, leu outra vez a mensagem de Will. Eram raras as vezes agora que Oscar sentia vontade de comer, pois a dor alimentava sua fome. Não entendia porque apesar de tudo, aceitara outra vez encontrar com Will justamente agora que descobriu que ele era só uma miragem, a metade de um sonho realizado.

Will estava "online". Oscar nada sinalizou, embora quizesse. Optou pela ação dele de conversar. Ocorreu então de ele mandar, então, uma mensagem.
- Bom dia, embora seja quase meio-dia.
- Boa tarde então! Disse Oscar seco.
- Hoje, às 19h30, podemos nos ver no Jardim Japonês?
- Vou perguntar ao Chicão se é possível ele me levar pra esse tal Jardim.
- Queria te dizer que é...
- Não! Lá a gente conversa melhor, disse
Oscar interrompendo o raciocínio de Will.
- Ok, concordou Will.
- Mais tarde te dou uma resposta.
- Ok, beijos.
Oscar, então, desligou a "wi-fi" do celular e desejou, por fim, a morte do que não vê-lo antes de partir.

Depois do café da manhã, Oscar pediu a Irene para interceder por ele, junto ao marido, no pedido de encontrar com Will outra vez. Mesmo discordando, a mulher resignadamente resolveu então ajudar o pobre garoto mais uma vez. Minutos depois, Chicão chamou Oscar ao canto da sala e disse:
- Irene falou comigo. Depois de tudo tu ainda quer se encontrar de novo com esse cabra?
- Não posso voltar pra Independência sem resolver isso, Chicão.
- Meu filho, esse Will não presta, não quero ver tu se machuca outra vez.
Houve um silêncio no quarto. Enquanto na cozinha Irene preparava o almoço, Juliana assistia quieta o desenho infantil, o ar denso da casa fez pairar uma dubiedade nova.
- Por favor, que seja pela última vez.
Suplicou Oscar.
- Olhe que seja assim, sairemos todos juntos,deixo meu fii no Jardim japonês e saiu com Irene e Juliana para dar uma voltinha e andar no trenzinho da alegria , as nove e meia passo no Jardim e voltamos pra casa.
- Fechado.
Chicão ao final sempre cedia aos pedidos de Oscar. Um sentimento paterno fazia sempre ceder, sorriu pra si mesmo enquanto se achava bobo por isso.

Oscar, então, mandou uma mensagem para Will confirmando o encontro. Assim que confirmou sua ida, Will de prontidão se manifestou. Embora monossílabico, o menino só queria dizer, através do silêncio, que o amava ainda assim. Estava sendo duro com Will embora coberto de razão era ainda mais duro para ele ser duro com Will a quem tanto ama.

Do outro lado da cidade, Will entrava em enorme crise de ansiedade que só era acalmada por álcool. Do período de espera até a noite, havia tomado duas garrafas de vinho tinto barato e fumara um maço de cigarros vermelhos. Às seis horas tomou um banho. Vestiu sua melhor roupa e escovou os dentes sucessivas vezes para esconder o hálito nicotinado. Enquanto preparava-se, Will viu outra vez brotar no coração a esperança de ser feliz com seu garoto. Estava grogue, zonzo e alto, porém usou para si o papel de sóbrio que, logo, se desfez quando na escadaria do Jardim Japonês à espera do seu garoto resolveu tomar três doses de vodka em um barzinho próximo. Ele, então, chegou na companhia de um homen, de uma mulher e de uma criança que logo recordou ser aquela criança atingida pela bolada na praia. Atravessou a pista, jogou o cigarro fora e enfiou na boca uma bala de menta.
O gesto rápido era visto, ao longe, por Oscar que lhe lançou um olhar de desaprovação, que o fez odiar-se por ser fumante.
Próximo, Will ensaiou um abraço, o qual Oscar sutilmente recusou de modo tal que ele ficou constrangido. Will manteve um ar sóbrio e, com um gesto involuntário, deram as mãos num cumprimento tímido de amigos.
- Boa noite!
- Boa!
- Então, vamos dar uma volta pela orla? Indagou Will.
- Por mim beleza, concordou Oscar.

Áspero, nem de longe o adolescente pareceria aquele doce e atencioso de outrora, todavia os dois eram duas feras feridas buscando entender enquanto caminhavam na orla da praia, ambos cheios de dúvidas e medos. Na cabeça de Oscar, o ar frio que queria passar para Will era uma vingativa até infantil porém natural pela grande mentira agora revelada, no entanto cada vez mais que silenciava-se, que tomava pra si ser peverso pela qual nunca foi, exigia dele mais do que suportava, era de enorme tortura consigo toda aquela rudeza mais que no momento era necessária. Em um determinado ponto, após 20 minutos de caminhada, sentaram-se na areia em frente ao mar. Era lua cheia de uma segunda-feira escura. Havia pouquíssimas pessoas. O mar estava tão revolto quanto Oscar para com Will. Ali sentados, meia hora transcorrera em silêncio. Tinham tanto para dizer um para o outro, mas justamente por terem tanto a dizer, não dizeram nada. No movimento de acender um cigarro a luz lunar, fez Oscar ter asco e com um rosto de reprovação do garoto, Will decidiu que não fumaria. Oscar detestava cigarro, dizia até que tinha alergia, embora isso nunca tenha sido confirmado, mas tinha tanto enjôo pela fumaça e o cheiro terrível que se instalava no hálito, nas mãos e no corpo. Não precisava dizer isso ao Will, seus olhos já haviam dito. A atmosfera daquele encontro se fazia densa, até que Will resolveu quebrar o silêncio, antes, porém, timidamente guiou a mão na mão de Oscar e, assim, deram-se as mãos. Respirou fundo, fitou os olhos em Oscar, que era tão belo quanto a Lua Cheia, quanto qualquer coisa viva na terra.
- Eu te amo!
Oscar manteve o olhar firme no horizonte noturno. Ouviu o que lhe foi dito, porém nada gesticulou. O corpo estava sentando ao lado daquele homem trans, mais sua mente estava em Independência, no interiorzinho onde achava que era triste pela fome, pela seca, pela solidão, pelo desamparo, porém teve que andar milhas e bater de cara com o mar para sentir que sempre foi feliz ao seu jeito. No íntimo quis se maldizer por aquele amor, por um ser que mentiu do começou ao fim e, que agora, estava sentado ao seu lado na boca do lobo e ouvindo outro "eu te amo" como assim fosse a palavra mágica que perdoasse tudo, mas que agora pra si era o seu próprio "eu te amo" que apertou o botão de demolição de um prédio inteiro de certezas.
- Vamos pra li.
Oscar indicava com o dedo em direção ao espingão. Aquele amontoado de pedras despertou a curiosidade do garoto, que achou belo aquele estrutura que quebrava o mar e o levaria mais próximo das águas escuras da noite.
- Opa vamos, você vai amar o paredão, disse Will satisfeito como se ali em seu pedido fosse dito o perdão oculto.
Levantaram dali e caminharam em direção ao espigão. O menino ainda se escondia no silêncio, porém levou a mão as mãos de Will mais uma vez como se fosse a última e, de mãos dadas, caminhavam juntos em direção a algo infinito e trevoso que palavra nenhuma descreveria aquela sensação estranhamente nova para ambos. O espigão a pouco mais de cem metros si fez quilômetros de distância. Pela primeira vez, então, não existia pressa, mas sim resignação.

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