Dúbia

Instinto

Quando Chicão e Oscar chegaram em Madalena, foram lanchar logo. Aquilo alegrou o menino faminto. Minutos depois, descarregaram sacas de grãos em uma linda fazenda chamada "Menina Bonita": nome estranho para uma fazenda, pensou Oscar. Chicão resolver pernoitar no distrito. Saiu para colocar créditos para ele e Oscar, depois revolveria umas coisas, nada em específico. Deixou Oscar sozinho e, minutos depois, os créditos vieram. Logo, ligou os dados móveis: Will visualizou, mas não respondeu a mensagem. Chateado, Oscar nada mais escreveu. Desligou os dados móveis, começou a observar a paisagem seca pela janela do velho caminhão. O dia estava acabando, o sol dizia adeus, a noite vinha com seus mistérios mexendo no seu íntimo de garoto. Um barulho de moto quebrou o silêncio dos seus pensamentos. O motoqueiro, sem garupeiro, de aparência sofrida, embora aparentasse ter 27 anos, carregava consigo o corpo maltratado pelo tempo. Oscar logo notara nos olhos do estranho, um presságio ruim, quando ele se aproximava. Aquilo ativou seus instintos.

- Vem aqui, qual seu nome? Perguntou o misterioso motoqueiro.

- Sou o Oscar, mas não conheço nada aqui! Gaguejou Oscar.

- Desce aí, pra "nós ter uma prosa". Você está com quem?
Indagou o estranho.

- Tô com o meu pai, que daqui pra pouco chega!
Concluiu Oscar assutado.

O motoqueiro se aproximou, lançou um olhar intenso sobre Oscar. A maneira sisuda e monossilábica do garoto despertou, ao estranho, o desejo de violentá-lo. Aquele garotinho branco, estrutura física pequena e frágil, fez acordar um anjo mal no estranho. Por segundos tentara dialogar, mas diante das recusas do menino, resolvera agir invadindo a cabine do caminhão. Houve uma enorme facilidade, agora era executar o ato em sua mente sombria e pervertida.

- Tenha calma, deixe que vou dar um trato em tu, fii de chocadeira!!!
Disse o estranho.

Oscar fazia movimentos bruscos e violentos. Tentava se proteger do estranho que invadira a cabine. Porém era fraco diante da força braçal do mesmo. Quando resolveu gritar, levou um soco e isso o fez gritar. O motoqueiro estava ensandecido ao perceber o pavor nos olhos injetados de sua presa. Quanto mais Oscar se debatia mais frenesi se apossava do invasor. Seria tão fácil como os demais, aos quais marcou a ferro e fogo com sua passagem efêmera e devastadora.

- Se gritar vai ser pior!!!
Alertou o estranho motoqueiro.

Oscar, como se estivesse face a face com a morte, viu toda sua vida passar como num filme. Trêmulo, resolveu lutar, mesmo que lhe custasse a vida. O motoqueiro estava semi nu e murmurava palavras de baixo calão. Oscar foi pego num mata-leão, mas não deixou o pânico lhe paralisar. Mordeu severamente o braço do estranho, de tal modo que o fez sangrar. Abriu rápido a porta do caminhão e saiu gritando, pedindo socorro. Ao longe avistou Chicão que, ao notar a estranha movimentação, correu em direção a Oscar. Notou um desconhecido que saia de sua cabine apressado, subiu rapidamente em uma moto vermelha e, em meio ao barulho do escapamento, desapareceu num redemoinho na pista empoeirada. Oscar correu em direção a Chicão. Os dois cairam no chão árido. O abraço se sucedeu, de Oscar para Chicão, foi algo indescritível tamanha a maneira tão amorosa e desesperada de ambos. Parecia que um não largaria o outro por momento algum. Oscar, então, chorou, chorou molhando os joelhos do caminhoneiro que, naquele instante, era-lhe como um pai. Chicão tocou no rosto de Oscar, agora inchado pelo soco. Uma ira fez o caminhoneiro querer matar aquele que ousou machucar seu garoto. Lágrimas tímidas nasceram em seus olhos. Aquele homem, duro pela terra e pela vida, agora estava diante de um sentimento de totalidade igual do seu filho morto. Abraçados ali, não se aperceberam que a noite acabara de nascer e os cercava de dubiedade. A única certeza, entre ambos, era um acordo sem palavras ditas: um cuidaria do outro, para sempre!