Embora de olhos fechados, Chicão ainda estava digerindo tudo que aquele menino falara. Notou que nos olhos do garoto um brilho nascia com cada palavra que fora dita. Toda a aquela história só reafirmava que, de algum modo, com ou sem ele, Oscar iria ao encontro desse Will. Lembrou que certa vez, seu filho levou um amigo de aparência duvidosa para sua casa. Era um menino que Otávio havia conhecido no interclasse da escola. Comentou a sós, com a mulher que o amigo de Otávio parecia ter seios. A mulher, então, falou que ele era ela, "era trans", coisas da sociedade moderna.
- Meu Deus, será?... Will, sim, Will...
Não pode ser "possivi?" Pensou, repensou e repensou a enorme possibilidade que aquele menino, o qual pequeno Oscar iria ao encontro, seria o amigo de seu falecido filho. O destino é de natureza implacável. Chicão levantou, eram três e quinze da manhã. Foi ao banheiro, urinou e acendeu um cigarro. Estava encucado com tudo aquilo. Enquanto fumava, via tudo como em um filme. Se fossem verdadeiram tais ligações misteriosas, de certo que Oscar não saiba que Will, na verdade, era ela. Talvez a pobre menino do interior sequer nem soubesses dessas concepções humanas modernas. Voltou para cama, a cabeça repleta de dúvidas e incertezas. Olhou de relance e Oscar dormia tranquilo. O relógio marcava três e meia da madrugada.Do nada, às três e quarenta da manhã, Oscar acordou aturdido: "tenho que fugir," pensou imediatamente enquanto, sorrateiro, se levantava sem fazer barulho. Na escuridão, ajeitou sua bolsa e saiu. Fazia um frio terrível. Estava decidido, mais não queria que fosse daquele jeito. Queria se despedir de forma digna de Chicão. Aquele homem lhe tratou como um filho, o alimentou, lhe deu roupas e lhe salvou a vida. Estava profundamente triste, como se estivesse em pedaços. A pousada cada vez mais sumia de sua vista, mas Chicão não sumia. A lembrança de ter conhecido aquele homem marcara sua vida para sempre.
A cidade parecia uma vilarejo fantasma. Enquanto todos dormiam tranquilos, Oscar era, outra vez, um fugitivo. Uma vontade imensa de gritar o tomou, mais se calou como se calara sempre que quis gritar. Enquanto fugia, dessa vez não estava correndo e ferido, estava limpo, bem alimento, diferente da outra vez. Agora Oscar estava tomado de tristeza fúnebre, pois nunca mais veria Chicão, a quem considerava como pai. Uma pequena neblina fazia sua caminhada tenebrosa, cheia de dúvidas e medo do futuro. Quis chorar, porém não se deu ao luxo disso. De repente, ouviu a voz de Chicão! Não era uma alucinação, era real, era Chicão! Quando Oscar percebeu, viu o caminhoneiro a 100 metros. Ele corria como quem fosse salvar o pai da forca. Oscar notou que Chicão chorava enquanto gritava seu nome. Oscar deu por si. Aquilo que não era coisa de sua cabeça e correu pra não ser pego por Chicão.
Correu, correu como quem corre para não morrer, mais a morte para ele seria não realizar seu sonho, que era encontrar Will. Chicão gritava
enquanto corria atrás de Oscar em meio à pista que parecia algo infinito. "Espera! Espera!!! Era tudo que Chicão dizia quase desfalecendo. O menino correia, mas Chicão era mais rápido.
Oscar ouviu, então, o galo cantar, a noite estava morrendo, o dia nascia e ele corria, corria pelos seus sonhos, por Will. De repente, Chicão impulsionou seu corpo num salto inimaginável para frente e caiu em cima de Oscar. Na queda, ambos cairam foram da pista, em meio a cactos e poeira. Cairam, rolaram no chão. Chicão, então, agarrou o menino com tanta força que quase o asfixiou. Oscar lutava bravamente para se livrar dos braços do caminhoneiro.
Se contorciar violento, até que covardemente Oscar mordeu, de maneira selvagem, o braço de Chicão. Chicão grito alto de dor, porém ainda assim não largou o garoto. Oscar continuava a morder com força, porém as lágrimas jorravam dos olhos do menino: aquele gesto doía mais nele do que no próprio Chicão. Enquanto o sol nasci, em meio a batalha no grande sertão, o galo cantava anunciando um novo dia. De repente, Oscar largou o braço de Chicão, que agora sangrava e banhava ambos de sangue. Oscar derrotado, abraçou, aos prantos, o caminhoneiro. Os pequenos braços de menino, que lutava desesperadamente para fugir, agora abraçavam o homem ferido ao chão. Chorou, enquanto os dois se abraçavam em meio a lágrimas e sangue e um silêncio respeitoso dos dois pintava um quadro abstracionista .
- Deixa eu ir, Chicão, por favor!
Suplicou Oscar, aos prantos.
- Não se precupe, meu fii, falou o homem ferido.
- Por quê?, indagou tímido o garoto.
- Ora, meu fii, vamos juntos pra Fortaleza.Ao ouvi aquilo já era dia e a claridade mostrava o quanto ambos estavão sujos e machucados.
Em um acordo silencioso, renderam-se, levantaram-se. Chicão mancava, com o impacto havia ferido a perna.
Em pé, Oscar abraçava Chicão com tanta alegria e gratidão que nenhuma palavra descreveria tamanho carinho. Enquanto caminhavam, o menino auxiliava o caminheiro, que mancava. Notou que seu braço estava muito ferido pela causa da intesa mordida, o garoto então parou a caminhada e Oscar pediu perdão.
- Deixe de besteira, menino, falou sorrindo Chicão.
Oscar sorriu tímido, o caminhoneiro agora desconhecia a si mesmo. Embora contra sua vontade, faria aquilo pelo garoto, embora fosse arriscado. Ao chegarem na pousa, todos dormiam; ainda eram cinco e meia da manhã. Quando entram no quarto, Oscar foi ao banheiro com Chicão e o ajudou a lavar suas feridas. Os dois banharam-se com tamanha inocência; como um filho que ajuda o pai idoso no banho, como um pai que banha seu filho recém nascido.
Quando sairam, Chicão desabou, na cama. Oscar foi em sua direção e pediu:
- Deixa eu te chama de pai?
Chicão caiu num pranto incontrolável, abraçou o menino e respondeu.
- Pode sim, "muleque, meu fii" de coração.Um laço invisível e inviolável ligava agora os dois, na alegria e na tristeza. Exaustos caíram num sono sem sonhos, o sono dos vitoriosos. A luz do sol batia na janela do quarto, aquecendo o coração daqueles dois seres humanos opostos, que Deus tratou de unir pelo amor.

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Dúbia
Historia CortaOscar é um adolescente que mora em uma zona rural e não aceita sua homossexualidade por medo de seus pais. Através de Apps de relacionamento, conhece Will. Meses desde então a relação vira namoro. Virtualmente ambientado de juras e promessas de W...