Outro Extremo Do Mesmo Mundo

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Em Fortaleza tudo se encaminhava bastante bem: Oscar diante da presença de seu amado, Chicão a jantar feliz com a família na Beira-Mar; no oposto de tudo aquilo, especificamente no sertão central do Ceará, Madalena não cessava de procurar do filho. Já fazia pouco mais de dois meses que a família estava totalmente desestruturada com o desaparecimento de Oscar. Madalena tomou até atitudes jamais pensadas, mesmo depois de tantos anos de casamento: divorciou-se de Afonso. A mulher culpava o ex marido pela desgraça que sucedera. Tanto ela quanto os irmãos mais velhos de Oscar já percorreram para todos os lugares mais ninguém ventilava notícias. Exausta, deprimida, não dormia, não bebia, não comia. Toda a sua vida, desde então, se resumia em uma única razão: poder abraçar seu filho outra vez, fazer seu mingau de milho, lavar suas roupinhas, chamá-lo para jantar, para almoçar, para o café, mandá-lo tomar banho, acordá-lo para ir à escola. Tudo lembrava o pequeno Oscar. Madalena sabia, por pura intuição de mãe, que seu menino tinha gostos diferentes dos outros irmãos. Não era pelo fato de ele ser um menino tão adorável, era algum que, em seu âmago, não entendia exatamente mais que agora, naquele exato momento não importava. Tudo que mais rogava ao dia, à tarde e à noite era para estar ao lado de Oscar outra vez. Vivia a chorar pela casa: na cozinha, no banheiro. Imaginava a possibilidade de seu filho estar pelas ruas passando fome, frio ou de estar sendo maltratado. Quando o corpo exigia finalmente descanso, deitava na cama vazia e, novamente vencida pela insônia, orava em prantos para que Jesus, Maria e José cuidassem e protegessem Oscar de todo mal. O rádio antigo paralisou em uma única "estação católica", na qual a mulher acompanhava louvores e pregações e, em cima do velho rádio, estava a camisa de Oscar. Tal gesto dava mais conforto à mulher que, a pouco mais de dois meses, já não era mãe, não era avó e, muito menos, dona de casa. Madalena era, por fim, o retrato do próprio sofrimento vivo. Os filhos compadecidos pelo sofrimento da mãe não a deixavam sozinha. Embora também sofressem, mostravam força, fé e esperança nascidas no opaco das coisas que agora estavam sem vida. Ao mesmo tempo, o ódio e rancor por Afonso faziam aquela sofredora mastigar, silenciosamente, com cólera a impotência de anos de omissões, agressão físicas e psicológicas vividas por ela e por Oscar. Jurou diante de Jesus, Maria e José, pela milésima vez, que quando Oscar fosse encontrado jamais deixaria ninguém maltratá-lo.

Afonso amargurado morava num barraco de taipa. Martirizava-se e bebia como nunca havia bebido antes. O remorso o retorcia, matava-o por dentro. O homem perdera o amor da mulher, perdera a família e, então, o pequeno Oscar. Embora odiasse os trejeitos do garoto, amava-o ainda assim.
Madalena levava, por onde ia, uma foto 3 por 4 do filho. Já havia estado em todos os jornais e rádios locais para falar do desaparecimento do filho. Foi, inclusive, num estúdio de televisão com a foto de garoto. Madalena acreditava que, depois que todo Ceará soubesse do caso de desaparecimento do filho, iria finalmente ter notícias de seu paradeiro. Todos em Independência comoveram-se com desaparecimento de Oscar. O caso ganhou repercussão geral nas cidades vizinhas. A polícia registrou a ocorrência e batizou o caso como operação "estranho sumiço do menino de Independência ".

Ocorreu que, outra vez, os dentes da engrenagem do destino colocaram a família de Chicão justamente para aquele restaurante e na televisão do estabelecimento passava reportagem "o estranho sumiço do menino de Independência". A repórter entrevistava a mãe do desaparecido, Madalena. Ela, aos prantos, com uma foto 3 por 4 de Oscar relatava o desaparecimento de seu filho adolescente. Tal reportagem partiu o coração de Irene a tal ponto que ela saiu da mesa de jantar e nem viu a reportagem terminar. Desnorteada, não tinha chão. Estava abalada e chorava pela dor da mãe de Oscar. Sentiu que todos no restaurante notaram sua estranha comoção. Sendo consolada pelo marido, ainda que as lágrimas também lhe saltassem aos olhos, permaneceu seguro para demonstrar tranquilidade à mulher. Irene sabia e sentia na pele a dor da mãe de não ter o filho nos braços. Embora Oscar trouxesse consigo sentimentos maternos de paz e alegria, ela não poderia viver daquele jeito, sabendo que, naquele momento, sua mãe sofria a sua procura.
- Ligue agora para Oscar, "homim". Aquele menino deve voltar pra casa da mãe amanhã, ordenou Irene de pronto.
Chicão ligou inúmeras vezes. Eram 20:30 horas, então lembrou que pediu ao menino para deixar o celular no modo silêncioso. Decidiram, mulher e marido, irem ao encontro do menino. Chicão estava triste e um sentimento de culpa o tomou de tal forma que o fez querer chorar e ajoelhar-se a pedir perdão a pobre mãe do menino.

Enquanto o céu desabava naquela estranha noite tranquila e banhada pela lua cheia, Oscar chegava ao espigão com Will. Ainda que indiferentes, ambos estavam felizes

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