Imperfeitos

8 - Um metro e sessenta e oito

Duda chegou em casa e estranhou o silêncio, apesar de estar acostumada com ele. Foi até a cozinha e viu os quatro copos sujos na pia. Entrou em seu quarto e sua cama ainda estava bagunçada, do jeito que Diego deixou. Abriu a janela, deitou na cama e sentiu o sol queimar seus pés descobertos. Mandou uma mensagem para Diego avisando que chegou e desejando uma boa viagem. Ele nem recebeu, provavelmente seu celular estava sem área. Colocou a mesma playlist do aniversário de Jonathan no notebook e tentou dormir um pouco. O perfume de Diego estava em seus lençóis e travesseiros. Tentou não se concentrar nisso, mentalizou outras coisas, fez planos para o dia seguinte que no fundo sabia que não cumpriria, até contou carneirinhos. Se deu por vencida, abraçou o travesseiro perfumado e dormiu. Sonhou com seu pai.

Ela estava em uma praia de areia bem branca e ondas agitadas no mar azul. Ventava bastante, fazendo com que seus cabelos e seu vestido dançassem conforme a brisa. Seu pai estava sentado em um degrau de madeira de uma longa escadaria que dava acesso à praia. Ela o observava de longe. Ele se levantou e caminhou até ela. Ele sorria. Ela chorava. Se abraçaram e ele repetia "vai ficar tudo bem". Ela acordou.

***

Anoiteceu. Jonathan chegou do trabalho e a casa estava apagada. Foi até o quarto de Duda e a encontrou deitada no escuro olhando para o teto em total silêncio. Esse não era um bom sinal. Isso sempre antecedia as suas antigas crises. Quando Duda voltou a se sentir bem, parou o tratamento psicológico que fazia desde a perda do pai. Jonathan não concordava com essa parada repentina, mas sua mãe não se opôs, então ele também não se intrometeu.

– Duda, você quer conversar?

– Não, eu estou bem.

– Du... Eu te conheço.

– Eu estou bem, de verdade.

– Se você não se sente bem desabafando comigo, usa o seu blog. Só não fica internalizando tudo isso.

– Está tudo bem... Eu só quero ficar quietinha.

– Tudo bem. Qualquer coisa que precisar, estou no meu quarto, tá?

Duda agradeceu e Jonathan foi tomar um banho. Ela decidiu acatar o conselho do irmão e pegou o notebook para tentar escrever.

O que define o que é certo ou errado?

O que define um pecado aos olhos de Deus?

O que define um pecado aos olhos das religiões dos homens?

Quando morremos, morreu e acabou ou nós vamos para outro lugar?

É possível visitar outra pessoa se a gente já morreu?

É possível que isso aconteça através de um sonho?

Onde fica a praia que eu sonhei? Porque ela é maravilhosa e eu realmente queria conhecê-la.

Se eu me sinto bem fazendo algo que a sociedade julga ser errado, eu sou punida pela lei dos homens ou pela lei divina? (calma, Polícia Federal, não fiz nada ilegal)

Por que as pessoas bêbadas deixam a emoção atropelar a razão como se fosse um trem sem freio em alta velocidade?

Por que alguém dá o nome de uma bebida de Fantástico Mundo de Bobby?

Por que perfumes impregnam?

Por que estou pensando nisso?

Por que contamos carneirinhos para dormir? Convenhamos que não é um método muito eficiente.