31 - E nesse desespero em que me vejo

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           Oito de novembro. Mônica batia insistentemente na porta do quarto de Diego, que acordou irritado. Levantou com cara de poucos amigos e se rastejou até a maçaneta. Virou a chave e deu de cara com a carranca de Mônica, ainda mais irritada do que ele. Ela gritava algo, mas ele ainda estava acordando, então não era capaz de entender nada. "Você está me ouvindo, Diego?!".


– Não...

– Eu quero saber onde você estava ontem, você saiu pra trabalhar e só chegou em casa cinco e meia da manhã!

– Eu saí com o pessoal lá da escola.

– Você é um irresponsável! Sabia muito bem que hoje você tem mil coisas pra fazer! E outra, você indo pra gandaia e sua noiva dentro de casa, você não vale nada, mesmo!

– O que eu tenho pra fazer? – indaga, sem conseguir acompanhar a velocidade que sua mãe fala.

– Alugar o seu terno, ir lá na sua casa terminar de pintar o quarto e receber a geladeira, montar o rack da sala...

– Eu faço isso durante a semana.

– Faz uma semana que você está me dizendo isso, Diego. O seu casamento é em duas semanas e você não move uma palha.

– Amanhã eu vou.

– Não! Você vai hoje. Vai agora. Amanhã é domingo, as lojas não abrem e nem fazem entregas.


          Diego resmungou algo incompreensível e foi para o banho. Saiu ainda meio sonolento, vestiu uma roupa qualquer e foi com Nicole para alugar o terno. Chegou na loja e pediu o terno do manequim. "Esse não vai combinar com o meu vestido", Nicole alertou. Experimentou três até que se decidiu por um. Simples, praticamente igual ao dos poucos padrinhos que tinham.

          Deixou Nicole na casa dos pais e seguiu para a nova casa deles. O cheiro de casa fechada ainda o incomodava. Algumas caixas de móveis atrapalhavam a passagem entre a sala e a pequena cozinha. Abriu a janela do quarto, ligou o rádio e espetou um pendrive de músicas que estava jogado no carro, colocou a tinta na bandeja, molhou o rolo e começou a passar na parede. A sensação de cobrir branco com branco era horrível, parecia que nunca teria fim, não conseguia ver a mudança e isso era cansativo.

          Terminou a primeira demão de tinta e foi desembalar o rack. Apanhou um pouco até pegar o jeito de montar. Montou errado e teve que desmontar metade. Deixou só meio montado e foi dar a segunda demão de tinta. Começou a prestar atenção na voz de Caetano Veloso que, até então, servia de plano de fundo.


"E nesse desespero em que me vejo já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você só pra ver se te encontro"


Parou o rolo no meio da primeira parede.


"Você bem que podia perdoar e só mais uma vez me aceitar.
Prometo, agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la"


Largou tudo de lado e se sentou no chão, escorado na parede recém-pintada.


"Agora, que faço eu da vida sem você? Você não me ensinou a te esquecer.
Você só me ensinou a te querer e te querendo eu vou tentando te encontrar"


Estava impaciente, irritado, cansado, faminto, reformando a casa que não queria morar, montando a vida que não queria viver.


"Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho"

ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora