Capítulo 10: Válvula de escape

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*Este capítulo pode conter gatilhos: consumo excessivo de álcool*

A playlist de Jackson está tocando: In The Dark – Tiësto

"Enquanto você anda

Em espaços vazios entre a multidão

E você olha fixamente

Para o vazio ao seu redor"

No exato segundo que meus tênis pisaram no azulejo quadriculado da cozinha, deparei-me com minha mãe, folheando um antigo álbum de fotografias na mesa de jantar. Tentei locomover-me, sorrateiramente até o quarto, afinal não seria nada educado atrapalhar aquele momento particular de nostalgia, porém acabei sendo barrado por um felino alaranjado. Bart denunciou-me com um miado alto, nocauteando a cabeça em meu calcanhar. Merda! Bárbara ergueu a cabeça, encarando-me seriamente:

– Aonde você estava Jackson? - O peso que essa frase carrega, continua o mesmo de cinco anos atrás, é impressionante - Deveria no mínimo ter me avisado que ficaria o dia inteiro passeando na rua - Havia um brilho apreensivo em seus olhos, despejando um tsunami de desapontamento. Apertei o alargador, controlando o impulso de estalar os dedos.

– Desculpe por não ter avisado mais cedo, mas depois daquela demissão relâmpago de quinta-feira, ocupei-me demais em procurar um novo trabalho o mais rápido possível - Retirei a mochila das costas, largando um suspiro frustrado - Realizei uma entrevista de emprego ontem, na livraria Livretos e digamos que hoje, foi o meu segundo dia de "serviço" - Gesticulei os dedos, ela demonstrou confusão com as aspas - Não tenho certeza se estou realmente empregado, meu chefe ainda está supervisionando o meu comportamento durante o expediente, mas se já estou exercendo a função de atendente, deve ser um bom sinal, não? - Ela continuou desconfiada, enrugando ainda mais a testa. Retirei o contrato de admissão da mochila, a tabela de horários e o humilde cartãozinho de visitas. Bárbara leu pacientemente todos os parágrafos, retornando a me olhar angustiada.

– E por que não me contou antes? - Dei de ombros, sentindo as bochechas esquentarem - Por mais inacreditável que pareça, fico preocupada contigo - Entonou um tom sarcástico, devolvendo-me os papéis. Realmente, devia ter anunciado a novidade, mas como sempre, prefiro esperar alguma merda explodir para desembuchar devidamente. Não me olhe assim, sei que preciso melhorar bastante neste quesito.

– Eu sei, foi apenas um esquecimento estúpido, só queria arranjar logo um trampo e... - Ficar o mais longe possível desta casa - Desculpa de novo, prometo que irei deixar um recadinho na geladeira na próxima vez - Reposicionei a mochila nas costas, desviando o contato visual - E não precisa se preocupar tanto comigo, está tudo sob controle, sério - A frase pareceu ecoar por toda a sala, deslizando uma sensação ruim em minha espinha. Pare de tentar me convencer do contrário, eu estou bem caralho. Bárbara apertou as têmporas com força, Bart brincava com o cadarço do meu tênis, resmungando por atenção.

– Jackson, já deveríamos ter uma relação mais franca um com o outro, principalmente após o que aconteceu há cinc...

– Eu já disse que estou bem - Interrompi-a, carregando o felino manhoso, diminuí o tom de voz - Aquilo não vai se repetir e já faz um bom tempo que não tenho aquelas crises mais fortes - Esse garoto só queria chamar atenção. Chacoalhei a cabeça, arremessando a frase para longe. Só quero me afastar um pouquinho - E-eu preciso terminar um trabalho agora, licença - Caminhei até meu quarto, espreitando-a bebericar seu café, sem esboçar uma única reação.

Muito jovens para tragédias (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora