Muito jovens para tragédias (em revisão)

Capítulo 2: Café salgado

A playlist de Jackson está pausada na música: Time-Bomb – All Time Low

"Desde o início

Soube que isso seria difícil de aguentar

Como um choque tudo saiu do controle"

Geralmente, cafeterias exalam uma atmosfera relaxante. Aquele cheirinho apetitoso de café, acompanhado de guloseimas carregadas de açúcar, porém essa aqui, está longe de concluir tais requisitos. O ambiente fedia a fritura e fracasso, ou seja, o serviço perfeito para meu estado emocional atual. Adentrei no estabelecimento ao som de False Pretense, do The Red Jumpsuit Apparatus, reparando no encanamento entupido, as paredes ganharam mais manchinhas infiltração e não havia saquinhos de mostarda suficientes nos cestos.

Os funcionários comunicavam-se exclusivamente para solicitar os pedidos dos fregueses, esboçando as mesmas expressões de fadiga e tédio. Nosso grupo do Whatsapp se desfez em menos de três dias pela inatividade dos membros, nem para enviar um áudio constrangedor esse grupo prestou, decepção total. Estou saturado deste trabalho desde o dia que fui empregado, há exatos nove meses e quatorze dias atrás. Entendo esse papinho furado que dinheiro não traz total plenitude, mas que me desculpem os utópicos, eu preciso sim de grana para alcançar a felicidade. Afinal, material para desenho é caro para cacete. E sair daquela casa infernal o mais rápido possível...

– Jackson, pare de bufar feito um porco velho - A voz truculenta do senhor Garcia ressoou feito um trovão. Sua aparência afável não combinava com a personalidade ditadora. Bom, chefes devem ter essa pose autoritária de qualquer forma, não? - Anda, vista seu avental e faça alguma merda útil - Retornou a calcular o dinheiro da caixa registradora, tratando as cédulas e as moedinhas com extremo zelo.

Caminhei em direção aos armários dos fundos, trancando a mochila no compartimento e amarrando o avental ridículo na cintura. Repousei a testa na porta metálica, respirando fundo e estalando as articulações dos dedos. Aquilo não vai e nem pode acontecer de novo, tudo menos reviver essa merda. O sininho anunciou a chegada de novos clientes, desregulando a sincronia dos controlados batimentos cardíacos. Merda. Retornei rapidamente para o interior da cafeteria, apoiando os cotovelos no balcão e batucando impacientemente a caneta no espiral do caderninho de anotações.

Analisei a freguesia, um casal duelando contra pequenos trigêmeos bagunceiros, chorando ao saber que não havia brinquedo de brinde. Uma senhora fofocava com uma das garçonetes, que não estava nem um pouco interessada em tal depoimento, porém ao ouvir a palavra "traição", os olhinhos cintilaram de curiosidade sádica. Ao fundo, um rapaz de capuz manteve os olhos aflitos grudados na tela do celular, parecia bem inquieto com alguma coisa. Bom, isso não é da minha conta e longe de mim ser o protagonista enxerido, não preciso de mais problemas desnecessários.

Já que a movimentação de serviço está bem estagnada hoje, não vai custar nada assistir mais um episódio de Gintama, falta pouco para terminar a terceira temporada e... o sininho ressoou de novo. Está bem já entendi o recado, nada de anime durante o expediente. Posicionei a caneta atrás da orelha e segurei o sorrisinho pênsil, juntando a ínfima disposição e simpatia que me restava.

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Faltava meia hora para o final do expediente e minha paciência com uma exigente mulher, com relação a temperatura de seu chá, estava prestes a explodir. Desde quando chá possuí temperatura ideal para ser consumido!? É quente ou gelado, não existe meio-termo! Pousei a quinta xícara sob a mesa, ela continuava descontente, torcendo o nariz de nojo. Senhor Nietzsche todo poderoso, segurai minha mão antes que eu arremesse aquela chaleira pela janela. Um senhor familiar adentrou a cafeteria, caminhando, com o auxílio de sua bengala, até a mesa ao lado da janela. Este senhor sempre selecionava o mesmo item do cardápio, um café expresso, além de levar para viagem um biscoito com gotas de chocolate e uma rosquinha de doce de leite. Fazia questão de nos agradecer pelo atendimento, uma cordialidade bem surpreendente para os dias atuais.