Capítulo 23: O abismo entre a euforia e o desânimo

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*Este capítulo pode conter gatilhos: violência doméstica, homofobia, crise de ansiedade, consumo de álcool e suicídio*

A playlist de Jackson está tocando: Sober – Lorde

"Estes são os jogos dos fins de semana

Nós fingimos que simplesmente não nos importamos

Mas nós nos importamos

(Mas o que vamos fazer quando estivermos sóbrios?)"

Um clarão rompeu o céu escuro, estrondando um imperioso trovão que fez meu cu trancar de imediato. A silhueta atrás do poste desapareceu. Mas que porra era aquilo? A garoa intensificou a velocidade dos pingos, espatifando na tela do celular e ofuscando o nome do contato. Me abriguei embaixo do toldo de uma loja de roupas fechada, elevando o aparelho eletrônico até a orelha direita, retirando alguns fios encharcados do rosto. A primeiro som que ouvi foram fungadas profundas, abafadas por buzinas ardidas e palavrões, muitos palavrões... pronunciados pela voz chorosa de Nolan, o que deu um solavanco pesado em meu peito:

– Nolan? Está tudo bem? - Outro trovão ressoou, encostei as costas na parede, passando a mão nos braços tremendo de frio - Olha, não quero parecer grosseiro, mas um aguaceiro vai despencar na cabeça a qualquer momento e eu ainda não paguei todas as parcelas dessa porcar...

– Não se preocupe Jackson, não irei tomar seu precioso tempo - Sua voz esbanjava uma frieza espantosa, ouvi o tilintar das chaves e do seu pranto reprimido - Eu estou com tão medo, porque eles estão me tratando desse jeito? Eu não fiz nada de errado... - Abri a boca para questionar de quem ele estava se referindo, quando um homem o xingou de nomes horrorosos, juntamente com o choro contido de duas mulheres, que também vomitavam palavras asquerosas - Jackson, me desculpe, não devia ter te ligado, como pode ver estou bem ocupado nesta bela bosta de reunião de família! - Vociferou, os pneus guincharam, mais buzinas, gritos e palavrões.

– Nolan, o que está acontecendo e que barulheira é essa? - Não me ouviu, esgoelando vários pedidos de desculpas. Está repetindo exatamente as mesmas merdas daquele maldito dia. A raiva irradiou minha cabeça, detonando no mesmo segundo do relâmpago furioso - Nolan! Me responde, caralho! Aonde você está?! - Ele freou bruscamente, esmurrando o volante, meu coração estava prestes a explodir, a respiração desregulou de novo.

 Desculpa, só me desculpa, realmente não deveria ter te ligado e te incomodado, não queria te preocupar com iss... - A irritação eletrificou todo o meu corpo, apertei os dedos no celular mais forte.

– Pro caralho suas desculpas esfarrapadas! Eu já estou perdendo a paciência contigo! - Deveria controlar a língua, entretanto a mente recuperou todas as emoções ruins, transbordando-as - Estou farto desse seu discurso decorado, custa tanto ser sincero comigo?! Que tipo de merda você fez para não me contar de uma vez!? - Nolan demorou longuíssimos segundos até desembuchar, fungando alto.

– Podemos nos encontrar neste fim de semana, no terminal, umas 14h da tarde? - O que? - Mais uma vez me desculpa e tenha só mais um pouco de paciência Jackson, preciso descansar a cabeça agora, tenha uma boa noite - Iria contestá-lo, porém Nolan encerrou a ligação. Disquei o número novamente, caixa postal. De novo, de novo e de novo... sem respostas. Vai se foder Nolan.

Cliquei no modo aleatório, caindo em Pieces, do Sum 41. Tomei fôlego, caminhando depressa pela calçada inundada de poças enlameadas, ignorando as trovoadas. Aumentei o volume da música, o suficiente para acarretar alguma futura complicação auditiva. Cada batimento cardíaco continha a força equivalente a de um soco, as axilas estavam ensopadas de suor e a vontade de mijar estava prestes a arrebentar minha bexiga. Acumulei um pouco saliva, sentindo-a transfigurando para o gosto amargo de álcool, o que me deixou profundamente enojado. Cuspi o líquido no meio-fio de concreto, vendo uma garrafa vazia nadando até o bueiro, e outra... e mais outras.

Muito jovens para tragédias (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora