Capítulo 11: Passos de formiga

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A playlist de Nolan está pausada na música: Beautiful Like You – Lee DeWyze

"Às vezes é difícil ser

Você mesmo nesse mundo louco

Às vezes é difícil respirar"

– Ainda bem que São Pedro deu uma trégua, né? Meu bairro sempre sofre com os alagamentos nessa época do ano - O motorista resmungou, arrumando o terço pendurado no retrovisor do carro - Os vizinhos ainda insistem em mobilizar campanhas para esses políticos resolverem a situação, mas como sempre, ninguém moveu a bunda da cadeira, palhaçada viu! - Já era a terceira vez que ele tentava estabelecer uma linha de diálogo, mas não estou nenhum pouco interessado em esticar essa conversa. Respondi a reclamação dele, com um aceno de cabeça desinteressado, ele aumentou o volume de Owner of a Lonely Heart, do Yes. O semáforo ficou vermelho - Sua noitada deve ter sido terrível, o que houve? Não pegou ninguém? - Dei um longo suspiro, remexendo os ombros e o pescoço, impacientemente.

– É - O homem aguardou o prosseguimento do relato, porém abaixei o olhar para a tela do celular, ignorando todas as notificações das redes sociais, torcendo para que não insistisse no assunto. Percebendo que não iria pronunciar mais nada, ele deu um suspiro ressentido, batucando o dedão no volante.

– Certo, já entendi o recado, estou falando demais - O motorista retornou a atenção para a estrada, espiando ligeiramente o mapa no GPS, averiguando se estava seguindo o caminho correto. O sinal esverdeou. Ficamos em total silêncio durante todo o percurso, o efeito do álcool desvaneceu-se no meio do caminho, sendo substituído pelo desgosto e repulsa. Esfreguei os olhos com força, envergonhado demais por chorar. Ainda bem que já estamos quase chegando em cas... - Sabe, quando nós temos um dia ruim, é bom verbalizar o que não está nos deixando bem - Apertei o alargador, fingindo distração - Sem contar que, desabafar pode te dar uma sensação de alívi...

– Eu não quero desabafar nada - Interrompi, rispidamente, encolhendo-me no banco - Isso não adiantou antes, não vai ser agora que vai adiantar alguma merda - Apertei a cabeça, sentindo a enxaqueca aconchegando-se nas têmporas - Desculpe, não queria ter sido grosseiro, só não me sinto confortável em confidenciar meus problemas particulares com estranhos, sem ofensa - O homem assentiu, esticando um sorrisinho sem graça.

– Está tudo bem, não irei obriga-lo a falar, afinal serei avaliado após a corrida, espero que minha intromissão não me custe estrelinhas - Riu para si mesmo - Brincadeira, se não considerar a conduta adequada, pode me classificar mal, sério - Me sinto mal por sido escroto, movimentei a boca para justificar-me mais uma vez, mas ele estacionou o carro abruptamente - Creio que chegamos ao seu destino final, não? Deu quinze reais e setenta centavos - Apanhei a carteira, retirando uma nota de vinte reais, insistindo que ele ficasse com o troco. Retirei o cinto de segurança e abri a porta do carro - Ei rapaz - Virei o rosto, vendo-o me oferecer uma balinha de caramelo. Peguei o doce, evitando contato visual.

– Obrigado, tenha um bom serviç...

– Olha... - O tom da voz dele suavizou drasticamente, encarei-o com cautela - Eu entendo que pode parecer vergonhoso pedir ajuda, mas se continuar sustentando esse orgulho, vai acabar ferrando ainda mais a sua cabeça, pense nisso - O motorista confirmou a solicitação de outra corrida, pousando as mãos sob o volante - Tenho que buscar mais um passageiro, tenha um bom descanso.

– Certo... tenha um bom serviço senhor - Ele agradeceu, dando um sorriso afável e um aceno de mão. Observei o automóvel sumir no final da rua escura, avaliei a corrida com cinco brilhantes estrelinhas, caminhando sem pressa até minha casa.

Muito jovens para tragédias (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora