Muito jovens para tragédias (em revisão)

Capítulo 15: O girassol que perdeu o sol

A playlist de Tim está pausada na música: 42 – Coldplay

"Aqueles que estão mortos não estão mortos

Eles estão apenas vivendo em minha mente

E desde que eu caí por este feitiço

Estou vivendo lá também"

Assisti a ligação caindo no limbo da caixa postal, o orgulho e o rancor pinicavam severamente meu peito. Não é o momento propício para restaurar antigos laços de amizade, principalmente com quem desapareceu repentinamente há cinco anos atrás. Soterrei o celular de volta ao bolso da jaqueta, tentando compreender a inquietação desesperada de Nolan e a súbita explosão emocional de Timóteo, mas ambos me confundiam para caralho. Apertei as têmporas, ouvindo risadas roucas se aproximando da livraria.

Avistei dois senhores conversando alegremente, expressando sorrisos radiantes um para o outro. Reconheci Felipe de imediato, as mesmas roupas formais, o mesmo semblante brando, segurava duas sacolinhas brancas, exibindo a logomarca da farmácia. Já o outro homem, andava com o auxílio de uma bengala, sua fisionomia era estranhamente familiar... familiar até demais... ah não, vai tomar no meio do cu! Ele é idêntico ao senhorzinho misterioso da cafeteria!

O QUE ESSE NPC* ESTÁ FAZENDO AQUI?! Puta merda, consequências dos meus atos impulsivos do longínquo passado de cinco dias atrás, bem que as senhoras poderiam ter adiado esse carma, não?! Eu sou o protagonista dessa porra, não deveria sofrer os efeitos das minhas péssimas escolhas de resolver um conflito direto! Ei, retire esses dedinhos nervosos do teclado, estou sendo sarcástico. Desviei o rosto, esticando o braço até a maçaneta, torcendo que não tivesse sido reconhecid...

– Não acredito! Veja só quem está aqui! - Uma gotícula finíssima de suor escorreu por minha coluna vertebral, descendo sem pressa até a bunda. Calma Jack, a vaga do seu novo emprego está prestes a escapar de suas mãos por causa de um comportamento imprudente no antigo serviço, mas não é nada demais, não? Sua positividade perante esta situação, me deixa profundamente tocado, muito obrigado. Ajeitei ligeiramente o piercing no nariz, redirecionando o olhar para os dois homens sorridentes.

– Cace...ramba! - Meu vocabulário é bastante escabroso, mas vamos manter a classe na frente do chefe - Essa cidade é surpreendentemente minúscula, não!? - Minha voz afinou ao final da frase, tratei de espichar um sorrisinho para disfarçar o nervosismo.

– É uma surpresa muito agradável - Apontou a bengala - Sinto falta do seu atendimento na Garcias, Grãos no Copo, aqueles funcionários parecem manequins ambulantes, você tinha mais personalidade, até demais - Deu uma piscadinha discreta, acompanhada de uma risada sutilmente maquiavélica. Termine logo essa merda de diálogo, já está torturante o bastante! - Entretanto, aparenta estar bem melhor aqui, o que não me surpreende, afinal está rodeado de pessoas imensamente inspiradoras - O homem apertou levemente a mão de Felipe, que em resposta, arrastou um sorriso irônico.

– Boa tentativa meu amigo, mas não é o bastante para me convencer a te emprestar O Ateneu - Ele proferiu uma risada dócil, interrompida por uma tosse seca, que deixou o homem bastante apreensivo - Não precisa me olhar desse jeito, até parece que estou morrendo - Felipe soltou outro riso, batendo uma palma - Vamos rapazes, o trabalho não será concluído sozinho - Alongou um sorrisinho constrito, dando uma leve sacudida em meu ombro esquerdo, adentrando a livraria devagar.

Seguimos o senhor simpático, Tim cumprimentou ambos com um sorriso afetuoso e um abraço cordial, nossos olhares se esbarraram sem querer. O ruivo esquivou, aumentando o volume de You Lookin' Twice, do Nurses e prosseguindo a leitura da planilha, tentando disfarçar o nítido desconforto, mas o movimento impaciente de seus joelhos, o denunciou. Afastei-me, fixando os olhos em uma das prateleiras, conferindo se os títulos estavam ordenados corretamente, desconsiderando a sensação de incomodo. O senhor Felipe emitiu outro pigarro, desta vez, contínuo. Os olhos do neto transbordaram preocupação, tocou o cotovelo do avô.