Muito jovens para tragédias (em revisão)

Capítulo 6: O que responder numa entrevista de emprego?

A playlist de Tim está pausada na música: Younger Than Yerterday – Real Estate

"(...) Há muito para se concentrar

Claramente há algo errado"

Conforme ia me aproximando da parte exterior do restaurante, reparei na tonalidade acinzentada do céu e a fragrância irreconhecível de chuva, roçando meu nariz. Uma leve rajada de vento, percorreu meus braços descobertos, arrepiando todos os pelinhos, desenrolei o casaco xadrez da cintura. Enquanto abotoava os pequeninos botões, reparei no ruivo, de costas, teclando no celular novamente. Seja lá quem estivesse desesperado para conversar com Tim, ele não estava nenhum pouco empolgado em prosseguir o papo, o modo como remexia seus ombros, denunciava seu desconforto. Dei alguns passos cautelosos para frente, sendo nocauteado por finíssimas gotas de água. Tim deu uma pausa na sua digitação frenética, guardando o aparelho telefônico no bolso da calça, notando que havia esquecido algo. Estendi o guarda-chuva sob a cabeça do rapaz, protegendo-o da garoa, ele virou o rosto, amenizando a expressão:

– Vai pegar um resfriado se continuar parado aí - O rapaz cruzou os braços, inclinando a cabeça para o lado.

– Ora, veja só quem decidiu ser prestativo e educado hoje - Arqueou a sobrancelha esquerda, expandindo um sorriso sarcástico. Que belíssimo Fatality bem dado na minha fuça! Enruguei a testa, encarando-o.

– Ei, pessoas grosseiras que não suportam grosserias também tem sentimentos, sabia?! - Sacudi a cabeça para os lados, as bochechas esquentaram, encarei-o - Certo, mereço essa alfinetada, infelizmente causei uma péssima primeira impressão e tenho que arcar com as consequências disso, me desculpe novamente por aquilo... - Abaixei a cabeça, estalando os dedos, sendo invadido pela vergonha. Tim aproximou-se um pouco, verificando minha expressão, dei um passo para trás, na defensiva, com sua investida inesperada.

– Relaxe Jackson, podemos reestruturar nossas versões e melhorá-las todos os dias, foi apenas um dia infeliz, não? - Concordei, foi a vez dele, ficar cabisbaixo - Eu sei o quanto é uma merda quando tudo foge do controle... - Murmurou para si mesmo, antes que pudesse perguntar o que queria dizer com isso, ele virou o rosto - Bom, temos que nos apressar, antes que essa chuva intensifique. Aliás, meu avô me mandou mensagem, avisando que já havia retornado para a livraria - Mudou a posição, encostando o ombro no meu - Vamos, sua futura vaga de emprego o aguarda... ou não! - Emitiu uma risada relaxada, que me contagiou prontamente.

– Ou sim! Nem ouse me desestabilizar com esse sorrisinho aí! - O ruivo elevou uma das mãos até a boca, fingindo estar chocado.

– Droga, meu plano de tentar te intimidar e arruinar a sua entrevista foi desmascarado - Esticou o dedo indicador, apontando para o próprio rosto - Se bem que eu trabalho lá desde o momento que saí das fraldas, então não estou nenhum pouquinho preocupado, ao contrário, você que deveria temer minha presença - Deu uma piscadinha marota, dando início a caminhada. Este gesto sutil, causou uma ligeira onda de calor em meu peito.

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Caminhamos sem pressa até a livraria, acompanhados da serena garoa, o farfalhar das árvores e as buzinas dos carros, já que na nossa cidade, a maioria dos motoristas, não se lembrava da serventia das malditas setas. Durante todo o trajeto, não trocamos uma única palavrinha. Até cogitei em perguntar alguma aleatoriedade besta, sou excepcional em elaborar imprevistos questionamentos, mas estava estranhamente tímido em puxar assunto. Devo estar sóbrio demais, se tivesse bebido um pouquinho, esse embaraço já teria evaporado em menos de três segundos. O Jackson bêbado é tão intenso, impetuoso e divertido, bem diferente da personalidade sem nenhum pingo de álcool, não passa de um amargurado indiferente que mal pode esperar para se entupir do líquido mágico e ser anestesiado da realidade. Constatar este fato me deixa profundamente... desapontado.