— Eu estou aqui, meu bem... - Ouvi sua doce voz ecoar pelo quarto silencioso. Todos estavam quietos e um tanto tensos, o que aumentava minha agonia. Eu sentia um pouco de vergonha por estar nessa situação, mas, eu já havia aceitado esse fato. Eu iria morrer.
dez anos atrás ( oito anos de idade)
— Pai, por que eu ainda continuo vindo aqui? - Pergunto, entediada, sentada no banco vendo médicos passarem apressados para todos os lados.
— É só alguns exames bobos para saber se está tudo bem com você, querida. - Ele diz, concentrado em sua revista esportiva. Passa a página calmamente e cruza as pernas de um jeito elegante. Eu poderia dizer que ele é gay se não fosse casado com a minha mãe.
— Você diz isso há anos. - Respondi, revirando os olhos. Ele ri, depositando sua atenção em mim agora.
— Por que você não vai comprar um refri enquanto ainda não é chamada? - Propõe, com uma sobrancelha arqueada, me indicando uma ideia a qual foi muito bem recebida por mim. Ele tirou 5 dólares do bolso e me estendeu a nota. Saí saltitante a caminho para a vending machine que estava no canto da parede, ao lado da recepção.
Estico a nota e introduzi na entrada da máquina para logo a mesma sugar o dólar e fazer aquele barulhinho do mecanismo sendo processado. Logo, libera o meu refri e eu o pego na gaveta me sentido super alegre. A melhor parte de vir ao hospital era o papai me dar R$5, caminhar sozinha até a vending machine, e poder mexer nessa máquina como se eu soubesse de tudo da vida. Ter a sensação incrível de pegar minha Pepsi deliciosa e saber que fiz o trabalho sozinha. Me sinto literalmente uma adulta.
Meu pai não me deixava fazer praticamente nada sozinha. Ele e mamãe me leva e busca na escola. Minhas amigas já costumavam ir e voltar de bicicleta. Mas eu sou uma das únicas que tem que esperar os pais virem buscar. Tudo bem que eu tenho oito anos, mas não significa que eu sou totalmente uma criança. Eu sou quase uma meia-adulta!
Volto para perto de meu pai, e vejo algumas crianças passarem carregadas em umas camas que tem rodinhas. Acho aquilo estranho, a aparência delas também... Mas não ligo muitos pois lembro do que minha irmã disse: "Existem milhares de pessoas diferentes que as outras. Não ache estranho. É o "normal" delas de ser."
A menina sorri para mim, e eu, retribui com um pouco de timidez. Mesmo ela tendo um rosto pálido, seu sorriso iluminou o meu dia como um sol glorioso radia no final de um dia chuvoso.
— Vamos S/a, você acabou de ser chamada. - Ele informa, me direcionando um sorriso confortante e eu sorrio para ele, segurando sua mão e entrando dentro do consultório.
Cinco anos atrás ( treze anos de idade)
— Isso é um saco! - Esbravejo irritada, enquanto me jogo no banco do hospital, com os braços cruzados. Eu deveria estar com Lindsay e as meninas agora.
— Não vai demorar. - Ele diz, tediado. — Não me lembro desde quando ficou tão boca suja. - Diz, e eu sinto seu olhar me reprendendo.
— Por que estamos aqui? - Pergunto com ódio na voz.
Ele suspira cansado. Seu semblante já não era aquele alegre e prestativo de antes. Era esgotado e totalmente exausto.
— Não dificulte as coisas ok? Você sabe que precisa sempre fazer esses exames, regularmente. Não vai demorar, que saco. - Diz, parecendo estar cheio de mim.
— Não me lembro desde que ficou tão boca suja. - Rebato, em um tom de deboche. Ele me olha sério, com um tanto de decepção em seu olhar.
Se fosse em outros tempos, ele iria achar graça e rir comigo logo após. Iria me abraçar e me chamar de "engraçadinha". Mas ele definitivamente não é o mesmo. Ninguém mais lá em casa é.