Provas de sanidade.

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    BETHANY CALLAHAN
   
    4:24 PM.
   
    Consultório de psiquiatria e psicologia, Santa Mônica, CA.
   
    Quar, 31 de agosto, 2016.

   
    Estava sentada naquela cadeira grande e dura, da sala de espera da minha psicóloga. Tinham mais umas oito pessoas ali, no mesmo lugar. Observando cada um e como aqui era um lugar para o tratamento de adolescentes e crianças, notei a garota, com aparentemente uns treze ou doze anos, ela estava com seus dois pais, percebi o casal homossexual por trocarem carinhos contantes e acariciarem os cabelos da garotinha, que sorria, parecendo-me feliz. Qual será o problema dela?
   
    — Aposto que aquela menina ta aqui para aprender a lidar com a situação embaraçosa e constrangedora de ter dois nojentos, viados, pecadores! Tendo a guarda dela. — Daniel soltou, com nojo em seu tom de voz e eu o encarei, o metralhando com meu olhar.
   
    Ele realmente acha que ela é infeliz por ter pais maravilhosos, que a cuidam?
   
    Quem é ele para falar de pecado? Ou chamar alguém de nojento?
   
    — Eu preferia fazer parte daquela família! — respondi e ele se calou, sem nem me encarar.
   
    Voltei a observar e ao lado de Alícia e Daniel havia um garoto de uns oito anos, hiperativo e com problemas de audição. Ele corria de um lado para o outro, sem descanso, quando sentava para tomar água, balançava seus pés irritantemente. Sua mãe, parecendo já acostumada, chamava sua atenção apenas quando ele provavelmente faria algo perigoso, como descer as escadas, ou pegar o elevador sozinho. Ao meu lado estava uma garotinha, de no maximo cinco anos, com uma expressão triste e desanimada. Ela balançava os pezinhos, enquanto sua — aparentemente — avó enrolava o dedo em seus cachinhos e soltava.
   
    Do outro lado estava apenas um homem, esperando por sua filha, sobrinha, sei lá.
   
    Mesmo com tantas pessoas parecendo terem grandes problemas, a garotinha dos cachos me chamou atenção.
   
    — Está tudo bem? — perguntei, olhando para ela, que tirou sua atenção dos pés com tênis de princesas da Disney e me olhou, ela negou com a cabeça e continou a me olhar, aquilo foi estranho, ela era parecida comigo na sua idade, isso me deixou triste, não sei porque.
   
    — E com você? — perguntou, seu tom de voz delicado, soava tão meigo.
   
    — Nem um pouco. Você tem um cabelo lindo. — sorri fraco, como sua avó havia voltado a dar atenção ao celular, o encarando com os óculos de grau, segurando longe do rosto, enquanto tocava apenas com o indicador da outra mão. Decidi acariciar os cachos dela.
   
    — Solta o seu, pra mim vê? — falou daquele jeito fofo e eu ri fraco, lembrando da professora Loren, repetindo "mim não conjulga verbo", mas ela era tão pequena para entender.
   
    — Não, o meu é feio. — sorri de lado de então olhei para o chão.
   
    Ficamos em silêncio, durante um tempo, e nisso a garota com os dois pais foi chamada.
   
    — Eu queria vê seu cabelo, mas eu não vou te obiriga a me mostar ele, porque-porque eu não gostava quando papai me obirigava a fazer coisas que eu não quelia-queria. — se corrigiu, voltando a balançar as pernas e a forma que ela falava, percebi que talvez ela fosse menor do que imaginei, porém aquilo não importava, suas palavras, sua voz infantil ecoava nos meus ouvidos, lembrando de cada palavra que ela pronúnciou com tristeza.
   
    — Meu papai também me obrigava a fazer coisas que eu não queria. — contei, baixinho, afinal eles estavam perto de mim, novamente a menina me olhou e torceu sua boquinha, ela abriu a boca para falar algo e eu sorri com a falta de seus dois dentinhos de cima.
   
    — Qual seu nome? — me perguntou, tirando os cabelos do rosto.
   
    — Bethany, mas me chamam de Thany. E o seu?
   
    — Sofia. O seu papai fazia o que?
   
    — Coisas ruins, muito ruins. Quantos anos você tem?
   
    — Fiz cinco. — sua linguinha ficou no lugar dos dentes que faltava, ela tinha a lingua um pouquinho presa e aquilo era ainda mais fofo. — Meu papai beijava minha boca, mas eu não gostava. — negou convicta, e aquilo me fez lembrar de coisas difíceis.
   
    — O meu papai também, eu também não gostava, era nojento, eu sentia vontade de vomitar. — desabafei, voltando a sentir a textura de seus cabelos.
   
    — Ele colocou o pilorito dele aqui. — colocou a mãozinha entre as pernas, por cima do vestido e eu fiquei paralisada, a olhando e deixando que lagrimas molhassem meu rosto.— Doeu muito, sabia Thany. Eu não sei como... Como ele conseguiu colar o pilorito no corpo dele, mas... Era um pilorito estranho, muito! Era grande, não tinha palito, eu não gostava daquele pilulito, era sal...
   
    — Por favor. — cobri meus ouvidos chorando. Era tão obvio do que ela falava, e doia mais ainda sua inocência em achar que realmente era um pirulito. Oh meu Deus! Ela perdeu sua infância ainda mais cedo que eu!
   
    — Thany, você ta bem? — perguntou tocando minhas mãos e eu a abracei forte com os olhos fechados. Seu corpinho pequeno e indefeso correspondeu ao meu carinho e eu senti suas mãos se esforçando para tocar minhas costas.
   
    — E sua mãe fez o que quando contou?
   
    — Mamãe enfiou uma faca na baiga do papai e foi ganhar meu irmãozinho, ai meu irmãozinho teve que ficar lá porque ele nasceu dodoi e quando ela não pode vir aqui comigo, a vovó vem. — contou, então eu a soltei e beijei sua testa. A avó da menina nos olhava, assim como os — infelizmente — meus pais, faziam.
   
    — Ela é uma garotinha muito especial. — falei, para ambos, que sorriram e a vó de Sofia assentiu, acariciando os cabelos da neta.
   
    — Sofia Donovan. — Ane chamou e a garotinha me deixou um beijo melado no rosto, antes de ir acompanhada de sua avó, e só assim, percebi que ela andava com as pernas um pouquinho abertas, até sua avó decidir pega-la no colo, aquela cena me fez pensar em coisas horríveis.
   
    — Você ta bem, mesmo?— Alicia perguntou e eu assenti, sem encarar seu rosto.
   
    Peguei uma revista qualquer com fotos de alguns artistas teens, como One Direction e Demi Lovato. Passei a folhar a revista, lendo alguns relatos de fãs que haviam ido no show de alguns cantores e contaram suas experiências. Uma garota, dezesseis anos, contava como sua vida era maravilhosa e, sua mãe sempre se esforçava para leva-la em todos os shows de One Direction, pois queria sempre ve-la feliz e passava semanas na fila, para pegar um bom lugar com sua filha. Suspirei e olhei para Alicia por alguns segundos, ela beijava a boca de Daniel com selinhos carinhosos, enquanto acariciava sua coxa e aquilo realmente me dava repulsa, uma vontade imensa de vomitar.
   
    Joguei a revista sobre a mesinha e bufei.
   
    — Revista inútil! — soltei, com raiva.
   
    — Realmente é inútil. Ensina garotas como devem se odiar, se não parecerem modelos, ou atrizes da Disney ou Hollywood. — um garoto falou, sentando no lugar de Sofia, levantei a cabeça, olhando para ele e assenti, concordando com o que havia dito.
   
    Ele era negro, em um tom claro, seus cabelos estavam trançados para trás e ele tinha algumas tatuagens, poucas. É, era bem bonito, não que eu tivesse alguma chance, ou algo do tipo, apenas uma observação.
   
    — Qual seu nome, ou posso te chamar de Garota Não Fútil? — perguntou divertido, eu olhei a mulher, muito bonita por sinal, ao seu lado.
   
    — Bethany, mas gostei desse nome que me deu. — sorri de lado. — E o seu?
   
    — Me chame de Fletcher. — respondeu, passando a lingua entre os lábios e eu assenti.
   
    — Dimitri, o nome dele é Dimitri, nada de Fletcher...— a mulher interviu em nossa "conversa" e eu ri, com a careta que ele fez.
   
    — Mãe! Eu odeio esse nome, sério, você estava usando que tipo de droga quando me registrou com esse nome? — perguntou, com seu cenho franzido e a mulher o encarou incrédula. Eu gargalhava, me divertindo com a situação.
   
    — Você não acha um nome bonito? — perguntou para mim, eu torci a boca sem saber o que falar.
   
    — Não está na cara dela, que acha tão horrível, quanto eu?
   
    — Oh, não, eu não acho horrível. — falei, parando de rir.
   
    — Segure essa, Dimi! Gostei de você, garota. — ela disse, segurando minha mão rapidamente.
   
    — Mãe! Você já tem quarenta e dois anos, lembra?
   
    — Quarenta e dois? Nossa, não parece, você é tão bonita. — me senti a vontade para falar e ela abriu um grande sorriso, enquanto Fletcher revirava os olhos.
   
    — Oh meu Deus, aquela ali é sua mãe? — apontou para Alicia ao meu lado e eu assenti. — Ei! — chamou Alicia, que a olhou, sorrindo educadamente. — Vamos trocar de filhos? O que acha? Quando meu filho estiver educado que nem sua filha, ai destrocamos. — perguntou bem humorada e eu sorri.
   
    — Ela é completamente doida! — Fletcher avisou minha mãe, que gargalhava daquilo tudo assim como eu.
   
    — Bethany Callahan. — Levantei ao ouvir meu nome e olhei para a porta do consultório de Ane, vendo a pequena sair ainda me parecendo dolorida, andei até ela e me ajoelhei em sua frente, colocando as mãos em sua cinturinha.
   
    — Você é um anjo! — abracei ela, beijando sua bochecha gordinha.
   
    — Obrigada, Thany, quer ser minha amiga?
   
    — Eu já sou. — levantei, acariciando seu cabelo e olhei para sua avó.— A senhora pode me dar um numero, para que eu entre em contato, quero brincar com ela um dia desses. — pedi, na cara dura. Eu realmente queria, me encantei por aquela menina.
   
    — Oh, sim querida, aqui está. — tirou um cartão da bolsa e me entregou.
   
    "Advogada Elizabeth Donovan" estava escrito no cartão e alguns números de telefones.
   
    — Obrigada senhora Donovan, tchau, pequena. — acariciei os cabelos de Sofia que riu de seu jeitinho delicado, então voltou a andar. Andei, sozinha até a porta e entrei. Ane me encarou sorrindo, então passamos por duas portas no corredor.
   
    Assim que entramos em sua sala, eu sentei na poltrona e encostei a cabeça para trás, fechando meus olhos. E mais uma tortura vai começar.
   
    — Quanto tempo! Sua mãe contou os últimos acontecimentos. Eu sinto tanto, querida! Você estava tão forte...
   
    Na minha cabeça ecoava um blá blá blá blá, então eu ri, lembrando do vídeo que vi no twitter do Power ranger vermelho rebolando ao som de Work da Rihanna.
   
    De repente, ela me chamou e eu levatei a cabeça a encarando.
   
    — Sabe que pode contar comigo, não é? Então me diga, você sente algo pelo seu pai, além do que deveria ser um amor de filha?— aquela maluca falou, me deixando anojada. Ela esperava que eu dissesse algo, o que não aconteceu, então prosseguiu.— Você sente atração física, ou algo do tipo? Pode me falar, sabe, Bethany, existem muitos casos como esses, onde a filha acaba desenvolvendo um complexo de édipo e, estudando seu caso, eu achei muito semelhante...
   
    Minha boca abriu, eu fiquei a encarando incrédula.
   
    — Você está louca! Deixa de ser idiota, sua doente, você é nojenta! — não consegui manter o controle.
   
    — Apenas se sinta a vontade para me contar tudo! Se você tem fantasias com seu pai, conte para mim! Você tem meu número, sabe que podemos conversar sem ser somente aqui, eu apenas quero te ajudar. Mentir não vai levar a nada, eles serão piores com você, se continuar a mentir. — me encarava, esperando que eu falasse alguma coisa, o que não aconteceu novamente.— Estamos acertadas? Vamos fazer o seguinte, quando quiser mentir sobre abusos, sobre seus pais, que fazem de um tudo por você, pesquise na internet coisas relacionadas a garotas que realmente são estupradas pelos pais, tios, avôs, irmãos e até mesmo por suas mães. Pesquise sobre garotas que realmente sejam violentadas e tenham motivos para terem tantos traumas, ta, meu bem? Estamos combinadas?
   
    Ri nasalado e neguei com a cabeça, levantando.
   
    — Onde comprou seu diploma? Por que nem que Deus desça na terra para me falar que você fez uma faculdade, nem assim eu acreditaria. — levantei e sai daquela sala, andei até a saida do corredor e quando ia encostar a porta, Ane a forçou para abrir.
   
    Minha... Alicia conversava com a mãe de Fletcher e ele olhava entediado para o celular. Quando me viu sair, veio até mim com um pedaço de papel.
   
    — Já vou indo. — avisei e ele sorriu de lado.
   
    — Me liga, uma hora. — pediu me entregando um papel com um numero de telefone e eu assenti, sorrindo de lado.
   
    Do que devo chamar isso? Flerte? Não sei, paquera? Crush? Eu nunca passei por isso antes.
   
    — E-eu ligo. — assenti e ele beijou minha bochecha.
   
    Daniel pegou minha mão, me puxando, então eu olhei para o seu rosto e ele só faltava me estuprar e matar ali mesmo. Soltei sua mão e acenei para a mãe de Fletcher.
   
    — Tchau, lindinha. — disse, com seu sorriso contagiante.
   
    Entramos no carro e eu passei o cinto pelo meu corpo, encostando a cabeça na janela.
   
    — O que aquele garoto queria? — o verme se achou no direito de perguntar.
   
    — Não é da sua conta!
   
    — Bethany! — Alicia me repreendeu. — Já decidiu se quer morar com sua avó?

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