CAP. XXXIII - TUA FALTA.

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Eliara e Low saem do camarim, deixando Gabriela sozinha. Ela se levanta, andando de um lado para o outro, com o cigarro entre os dedos. Entre um trago e outro, repetia a si mesma "idiota! Como você pode ser tão idiota?". Estava em pedaços, nem sabia como agir depois do fiasco. Não sentia mais vontade de cantar, nem de estar ali. Pegou o celular e mandou mensagem para o Guilherme, produtor, pedindo desculpa e se despedindo:

"Gui,
Muito obrigada pela oportunidade. Sinto que não tenho mais o pq de estar aqui. Vou pegar o próximo voo disponível para São Paulo. Você é um anjo. Beijo!"

Mandou a mensagem e travou a tela do celular. Respirou fundo, pesarosa. Por mais que tivesse sido um fiasco, ainda não se sentia arrependida. Tinha escrito aquela música para ela e queria que ela soubesse.

POV - Gabriela.
Carolina me leva do inferno ao céu com apenas um olhar. O olhar dela diz tudo. Eu não podia cantar essa música sem que ela soubesse que, do profano ao sagrado, Carolina é dona do meu pensamento em todos os momentos. Mesmo depois de um ano, de todo o quase relacionamento conturbado que tivemos, ela permeia meus pensamentos e até meus sonhos. Nem dormindo consigo descansar minha mente de sua imagem. Ela é mais do que os outros veem. Um corpo lindo, um rosto perfeito, uma voz gostosa... ela é mais, é maior que isso.
Sentada aqui me sinto um pouco estupida, é verdade. Ver Carolina em minha frente, ali, me deu vontade de pular do palco e tomar ela em meus braços. Agora, pensando melhor no momento, consigo visualizar o namorado global ao seu lado. Não parecia prestar atenção em mim, como ela prestava antes de eu fechar meus olhos. Expus Carolina de novo. Eu sou toda cagada mesmo. Espero que ela possa me perdoar em algum momento.

FLASHBACK - PEDIDO DE NAMORO.
- Quem disse que sou eu? - Carolina falou pra Clarisse.
Felipe estava alheio aos acontecimentos, e, de seu bolso, tirou uma caixinha de veludo vermelha.
- Carolina Peixinho, quer namorar comigo?
"-Essa é pra você, Peixa. Onde você estiver! "
Gabriela se aproxima do palco e visualiza Carolina, olhando fixamente pra ela.
Peixinho sente o chão se abrindo debaixo de seus pés. Não há um músculo que possa, voluntariamente, se acalmar em seu corpo. Vê Gabriela fechando os olhos e se vira para Felipe.
- O que você disse? - pergunta, de frente pra ele.
- eu perguntei se você quer namorar comigo. - Felipe abre a caixinha, agora com Carolina o olhando, totalmente atônita.
- Felipe...eu...

POV - Clarisse.
Eu não posso acreditar nisso que tá acontecendo aqui na minha frente. Ópaí, véi... que bizarrarice é essa?
Sei que minha irmã tem um problema para aceitar que é maluca em Gabi, mas não posso acreditar que ela aceite esse pedido de namoro desse homem, sabendo que minha irmã não gosta dele. Ele é um cara bacana, sabe? Mas é evidente que minha irmã tem uma história a se concretizar com Gábi. Olha essa música! Quem dera Sérgio escrevesse algo assim pra mim ao invés de ficar biscoitando no Twitter. Carol nunca foi tratada assim... ela tem medo, tem medo do mundo real. Lá dentro ela podia ser quem era, sem receber nenhuma negativa do mundo do lado de cá. Pelo contrário: cada paredão superado dava a impressão de que o mundo estava do seu lado. Mas aqui fora, tantos são os comentários maldosos, as intrigas, os preconceitos.... a vida real é complicada.

DE VOLTA AO CAMARIM.
- Alô. - Gabriela atende o telefone.
- Puta que pariu, eu sabia, eu sabia! - Natália, sua irmã, diz do outro lado da linha. - Eu sabia que você estava apaixonada por ela  ela.
- Do que cê tá falando, Nati? - Gabi parece confusa.
- Eu vi ao vivo a música! AO VIVO! Mandou demais, Gabi.
- Ué, como que cê viu?
- O Sérgio tava fazendo uma live bem na hora.
-Ah! Claro! Maravilha! MA RA VI LHA!
Gabriela desliga o telefone, sem nem se despedir.
Pra piorar tudo, o mico foi, mais uma vez, emitido e direcionado para todas as pessoas com redes sociais no Brasil e no mundo.
"Maravilha!" - pensou. "Expondo mais uma vez a Peixinho em rede nacional. Toda cagada, Gabi. Toda cagada!". Gabriela abre uma lata de cerveja e se deita no sofá do camarim. Acende mais um cigarro, enquanto encara o teto... mas encarar o teto não parecia tão ruim diante de ter que encarar a realidade que a cercava ali, naquele lugar.

________x________

Diante do "re" pedido de Felipe, Carolina diz:
- Felipe...eu.......desculpa! - Carolina sai, com pressa, dali.
-Carolina, mana, vai onde? - Clarisse diz se desvencilhando de Sérgio, indo atrás da irmã.
-Vou tomar um ar ali, fora da muvuca.
-Pera aí!
Carolina aperta o passo, quase correndo, deixando sua irmã para trás, perdida no meio da multidão.

______x______

Gabi escuta batidas na porta do camarim e só consegue externar o descontentamento:
-Vai embora! Me deixa em paz!
As batidas continuavam, sem cessar.
-PORRA! ME DEIXA SOZINHA!
Dessa vez, as batidas eram ainda mais fortes. Gabriela se levantou do sofá como um vulcão em brasa, pronta para entrar em erupção.
- Eu já não falei pra me deixar sozin.....
- Tem certeza?
Gabriela parece ter visto uma assombração. Olha, dos pés à cabeça, aquele corpo escorado no batente da porta. Só quando chega ao olhos, fixamente repousados sobre o seu, constata:
- Carol. Oi.
-Oi.
Carolina entra pela porta e Gabi a encosta, devagar.
- Carolina, me...eu queria..quer dizer...quero pedir desculpa.
-Desculpa de quê? De sumir por um ano? De não mandar mensagem? De não mandar nem um "oi, to legal, to bem. Esqueci tudo que a gente viveu"....
-Na verdade queria pedir desculpa pela música.  - Gabriela diz, totalmente sem jeito. As lágrimas chegam mas ela engole seco. - Mas pode ser por todas essas outras coisas também. Eu sou toda cagada, Peixinho. Desculpa por tudo e por qualquer coisa. Gabriela se encaminha para a porta. - Você pode ficar. Eu to indo embora. To indo pegar o próximo voo pra São Paulo, e se não tiver voo, eu compro a porra de um jatinho. Durante um ano todo eu ganhei dinheiro, eu conheci pessoas, eu fiz conexões, eu li livros, eu frequentei lugares de uma classe social que só existia na televisão... e nada fez tanto sentido como fez quando subindo palco e cantei a maldita música que escrevi pra você. Só quero sumir daqui. - Gabriela diz, de cabeça baixa, segurando a maçaneta da porta. - Me desculpa, mais uma vez, por ter te exposto a vergonha. Ainda mais na frente do seu namorado.
Carolina se aproxima de Gabriela, lentamente, enquanto a negra eleva o queixo, afim de fitar a aproximação da pequena.
- Ôh, Gabi.... - ela diz, levando seu dedo indicador ao queixo da maior - senti tanto tua.... - Carol cola seu corpo no da negra, e , como num suspiro aliviado, reformula a frase: - Sinto tanto tua falta que tua falta me faz diferente de mim.

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