🐯 Tefari 🐯

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Uma mentira estraga mil verdades.

Provérbio africano

Caminho de um lado para o outro impaciente

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Caminho de um lado para o outro impaciente.

—Não é possível! Como o Príncipe herdeiro foi noivar tão rápido?— passo as mãos suadas pelos cabelos.

Estamos na cozinha de casa, apesar do calor Bomani toma um chá de capim limão, tentei acompanhá-lo, contudo minha ansiedade não permitiu.

—Noivo? Isso joga por terra todos os meus planos.

—Talvez seja uma boa ideia, já que tinha quase certeza que esse seu plano maluco não ia dar em nada.–Bomani me acompanha com os olhos, percebo um traço de satisfação em seu rosto.

No entanto, estou tão revoltada com a minha falta de sorte que mal o escuto.
—Tenho que pensar, tenho que pensar... Talvez se eu impedisse esse noivado, terei alguma chance.

Bomani estala a língua.
— A insensatez está piorando. Impedir um casamento real?– meu amigo insiste em me contrariar.

Porém sigo iredutível. Se não me tornar rainha, como poderei ajudar o meu povo? A cada dia que passa meu coração sofre em ver os moradores de Zofa perecendo por falta de comida e cuidados do reino. Já ouvi relatos de crianças mortas pela escassez de alimentos. Isso tudo causado pelo egoísmo do rei.

—Você pode ver as coisas desse modo, Bomani, porém eu não. Tenho que me casar com o príncipe, de que outro jeito serei rainha?—coloco as mão sob as costas da cadeira e o encaro.

—Pode servir a Zofa lutando suas guerras, não desejando um trono!—ele bate com o dedo indicador na mesa de madeira gasta, enfatizando seu argumento.

—Exitem outras guerras além daquelas dos campos de batalha e será essa a que travarei.

Sustento seu olhar. Como pode meu melhor amigo não ver as coisas do mesmo modo que eu? A caso ele não percebe que o único motivo da penúria do povo é a arrogância de Trivena?

Balanço a cabeça prevendo suas advertências.

—Tefari, desista. Sei que prometi que estaria ao seu lado, mas não estou impedido de te alertar, mexer com essa gente da realeza não é uma boa escolha.

Me inclino em sua direção.
— Sei que está tentando me proteger e, sinceramente, guardarei seus conselhos, mas não os seguirei.

Coloco a cadeira debaixo da mesa e caminho a porta dos fundos.
— Aonde vai?– Bomani pergunta às minhas costas.

Viro apenas a cabeça para respondê-lo.
– Minha mãe deseja falar comigo na Botica.

Sem esperar uma resposta saio de casa e  sigo até a larga rua do comércio. A falta de suprimentos ainda é refletida nas prateleiras das lojas que estão praticamente vazias. Desvio de algumas crianças brincando, passo por dois pedintes e até ouço uma melodia triste de alguma taberna.
Assim que me aproximo da loja meu pai me saúda:
—Quê bom vê-la, filha! Saiu de casa tão cedo que não pude lhe dar um beijo.

Me aproximo dele e inclino a cabeça levemente enquanto ele estende a mão e toca no alto da minha cabeça.
— Que não lhe falte juízo.– meu pai profere.

Meu pai,  Ragnar, é alto e magro, sua pele escura contrasta com os olhos claros que tem, seu cabelo é baixo e crespo e seu sorriso é fino e largo, capaz de derreter o mais resistente gelo.

—Perdão, meu pai. Tive que sair cedo para o treino com o Príncipe Chad.

Meu pai balança a cabeça compreendendo.
—Sim, sim, é por isso que sua mãe quer falar com você.

Caminho até os fundos da loja, porém antes de chegar até a cortina feita de sementes meu pai me chama.

—Tefari, tenha paciência com sua mãe. Sei que por ser mais velha ela que deveria ter, mas as vezes, nós pais, temos o direito de sermos teimosos, nem que seja lá uma vez.— ele dá um sorriso cúmplice.

Balanço a cabeça e atravesso a cortina.

Minha mãe está encurvada sobre uma mesa mechendo com algumas ervas, seu cabelo está preso em um turbante amarelo e sob suas vestes está um avental gasto.

— Soube que queria falar comigo.
Faço o mesmo movimento que fiz para meu pai.
— Que nunca lhe falte sabedoria.– ela diz estendendo a mãos, o dedos tingidos de um verde escuro pelas ervas que tritura.— Sim, como foi seu primeiro dia treinando o príncipe?

Desde nossa discussão nos falamos pouco, não ficou aquele ar de desconforto em casa, porém ambas sabemos que precisamos pedir desculpas uma para a outra.

— Foi proveitoso. O príncipe Chad é muito esforçado, logo lutará como um guerreiro.– respondo, mas estou confusa com esse repentino interesse de minha mãe acerca do treino.

Ela me encara sem nenhuma expressão no rosto, o que aumenta ainda mais minha insegurança.
— Sobre nossa discussão queria pedir que me perdoe, não tive a intenção....

Começo a desculpar-me, mas ela me interrompe:

— Nunca achei que escutaria da sua boca um elogio sequer a respeito da família real.

Eu pisco perturbada com sua fala.
— Não entendi. O que quer dizer?

Minha mãe limpa as mãos no avental, que ganha uma nova  coloração ao se misturar com outros tons.
— Entendeu sim. Mas minha pergunta é: aonde quer chegar, Tefari? Sim, porque até outro dia odiava o sangue triveniano, hoje profere elogios à eles! Eu a conheço bem. Onde quer chegar?

Engulo o seco. Tenho dificuldade de pensar em uma boa resposta.
— Sim é verdade, mãe. Tive dois comportamentos opostos em poucos dias. Porém, elogiar o príncipe não significa que mudei de ideia a respeito das injustiças causadas pelos trivenianos. E realmente não pretendo chegar a lugar nenhum com isso.

Sei que mentir pra minha mãe é desapropriado, só que se eu contar minhas reais intenções é capaz dela me prender em uma torre  sob a alegação de que eu estou louca.

Seus olhos me examinam e parece que ela vê além de mim.
— Tefari, você pode não ter vindo do meu ventre, mas ainda sim é minha filha e eu a conheço como ninguém, sei que está tramando algo, só espero que tenha juízo o suficiente para não colocar a própria vida em perigo.

Balanço a cabeça.
— Já disse. Não estou tramando nada.

As palavras saem traiçoeiras da minha boca.

— O tempo passou depressa, foi traiçoeiro conosco. Outro dia era uma menina que sorria da própria sombra, agora está uma mulher feita e parece que vai evoluir ainda mais, só espero que não mude tanto a ponto de ficar inrreconhecível.

Sinto o peso da culpa pressionar meus ombros, desvio meu olhar pois tenho a certeza de que  ele me entregará. Amo tanto minha mãe, mas ela não compreende que tenho que fazer minhas próprias escolhas agora.

— Precisa de ajuda com as ervas?– pergunto tentando manter a tranquilidade na voz.

Ela retorna a amassar a planta no pequeno pilão.
— Nunca foi boa nesse ofício. Pode ir, faça o jantar.

— Tudo bem.

E me retiro, com uma sensação estranha, como se nesse momento uma pequena fissura surgisse na relação que existe entre minha mãe e eu.

Filha Do ImpossívelOnde histórias criam vida. Descubra agora