PRÓLOGO

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Minha família sempre foi muito rígida e extremamente controladora. Considerada por muitos algo além do normal, mas não para os Bertolazzos; que seguem à risca todas as regras escritas no Manual de Família Ideal, criado pelos meus avós paternos: George e Augusta. Que tem como objetivo: transmitir para os filhos e netos os verdadeiros parâmetros que uma família bem-sucedida profissionalmente; financeiramente bem-resolvida; com moral e conduta inquestionáveis e intelectualmente evoluídos, devem seguir.

Após criar os quatro filhos dentro desse modelo perfeito de família, cada um dos seus herdeiros assumiu uma função e juntos, os quatros Bertolazzos têm o dever de passar adiante esses ensinamentos.

Todos os quatro filhos - seguindo os passos do pai - fizeram carreira na área judiciária. Desse modo, cursar direito tornou-se mais do que apenas uma tradição nessa família, tornou-se uma obrigação; uma imposição para aqueles que sequer cogitassem a possibilidade de seguir qualquer outra carreira profissional. E o mentor dessa área é, justamente, o meu pai: o juiz federal da 3ª região, Álvaro Bertolazzo.

Se já não bastassem todas as regras internas que somos obrigados a seguir desde crianças, meus irmãos e primos - assim como seus pais - estudaram em colégios militares. Só escapei desse destino por intervenção da minha tia Eleonora, juíza estadual da vara da família e responsável pela nossa educação religiosa; mentora da boa conduta e moral inquestionável; e graças a ela, todas as meninas da nossa família são enviadas para estudar em colégios católicos apenas de garotas. Como se isso fosse o suficiente para nos manter afastadas dos pecados da vida mundana. O que a minha tia Eleonora, talvez, não imaginava, é que garotas conversam (bastante) umas com as outras, principalmente, garotas curiosas.

Minha tia Inês, juíza estadual da vara da infância e da juventude, sempre influenciou no nosso estilo de vida, e por causa dela, fui obrigada a fazer aulas de balé durante dez anos. Porque no conceito da minha tia Inês: "Meninas devem ser femininas e delicadas", e nada melhor do que o balé para ensinar isso. Além das aulas de balé, também fiz aulas de natação, mas isso já estava pré-determinado para todos da família, indiferente do gênero.

Para completar a lista de obrigações, meu tio Otto, o intelectual da família Bertolazzo, advogado por formação, mestre e doutor em direito penal e o único que seguiu carreira na área acadêmica, garantiu que cada um dos seus sobrinhos e sobrinhas falassem pelo menos quatro idiomas diferentes. Desse modo, as línguas estrangeiras inglês, espanhol, francês e italiano, fizeram parte do meu cronograma educacional. Além dos diversos livros que ele determinava que deveríamos ler e comentar em seu "clube do livro", meu tio aproveitava para transmitir alguns conhecimentos do curso de direito durante as reuniões em família - apesar dessa função não ser dele.

Não foi à toa que o meu irmão mais velho Zeca atribuiu, carinhosamente, para cada um deles uma simbólica patente militar. Nomeando nosso pai o General da família; seguido pela Coronel Eleonora, Tenente para a nossa tia Inês e por último, o Capitão Otto.

Durante quatorze anos da minha vida, segui todas as regras impostas sem questionar. Afinal, são meus pais; adultos e responsáveis e ninguém melhor do que eles para saber o que era melhor para mim.

No entanto, no meu 14º aniversário algo aconteceu e mudou dentro de mim esse conceito de vida em que eu até então tinha sido criada. E a partir desse dia, comecei a questionar algumas decisões.

"Por que não posso dormir na casa da minha amiga?"

"Porque ela não é uma boa companhia para você. E ponto final."

Ou:

"Por que não posso ir à festa de aniversário da minha amiga?"

"Porque é à noite e você não tem idade para isso. E ponto final."

Um Grito de Liberdade (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora