CAPÍTULO 1

160 30 28
                                    

O Natal é uma data em que as famílias aproveitam para se reunir, trocar presentes, compartilhar momentos amáveis com seus entes queridos e matar a saudade de quem há muito não se vê. Assim como a maioria, minha família também se reúne todos os anos nessa data, mas por motivos diferentes; fazendo dessa reunião uma verdadeira batalha para destilar veneno e se mostrar superior aos demais.

Como já dizia meu irmão mais velho, José Carlos: "O Natal da Família Bertolazzo deveria entrar para o Guinness Book como a maior concentração de prepotência em um único evento."

O que deveria ser uma data comemorativa em vários sentidos, para mim, é um verdadeiro pesadelo. E só de pensar que em poucos minutos terei que enfrentar um batalhão de Bertolazzos pela frente, me dá náuseas e calafrios.

Passar o Natal em família além de ser uma tradição da família Bertolazzo é uma obrigação imposta pela matriarca e que é mantido mesmo depois dela ter falecido há anos. Minha avó nunca foi um modelo do que se costuma encontrar de avós. Aquela imagem de vovozinha que mima os netos não se aplicava em nada a ela, que sempre nos colocava em fila para cumprimentá-la; além das muitas outras regras que éramos obrigados a seguir quando estávamos em sua presença. Como por exemplo: nunca falar sem ser autorizado, nunca faltar com respeito, não levantar a voz, não espirrar nem tossir... dentre outras. Salvos de castigos posteriores se caso descumpríssemos uma dessas regras.

Para simplificar, deveriam existir apenas duas regras: proibido se aproximar e permitido respirar (em silêncio).

Solto um longo e desanimado suspiro enquanto penteio meus cabelos castanhos avermelhados, deixando-os soltos e naturalmente ondulados.

Visto meu vestido vermelho de mangas curtas e levemente franzido na cintura; calço as sapatilhas de couro branco que completam o look natalino, atendendo a sugestão da minha mãe para os trajes do evento de hoje à noite.

De dentro do meu porta-bijuterias em cima da penteadeira, escolho um par de argolas pequenas de ouro e o meu bracelete da sorte em prata. Não me importo em misturar metais diferentes. Afinal, meu bracelete da sorte me acompanha há quase cinco anos e seu significado é muito maior do que o valor atribuído para o material. Os pingentes de prata pendurados no meu bracelete balançam e batem uns nos outros, produzindo um som parecido com um sininho de gato quando eu coloco o acessório no meu pulso.

Não exagero na maquiagem, que até pouco tempo eu "nem tinha idade para isso", passando uma fina camada de batom rosa natural nos lábios e lápis preto no contorno dos meus olhos azuis acinzentados.

Aliso a saia do meu vestido vermelho, descendo pela cintura marcada até o final do comprimento próximo ao joelho, apenas para adiar por mais alguns minutos um fim inevitável que é sair do meu quarto e descer para a sala de estar.

Caminho pelo corredor como se estivesse indo para batalha. Porque é assim que eu me sinto: prestes a entrar em uma guerra. Paro no quarto ao lado do meu, que pertence ao meu segundo irmão e menos adorado: Cadú.

Excepcionalmente em datas como esta (em funerais e casamentos também, quando toda a família costuma se reunir) eu e meu irmão do meio: Carlos Eduardo, damos uma trégua nos nossos embates e unimos forças para encarar o restante do clã.

"Você já está pronto noiva?" Pergunto quando entro no quarto do meu irmão.

Ele me lança um olhar de esguelha enquanto passa gel nos cabelos, arrepiando os fios castanhos escuros quase pretos. Cadú preza (até demais) pela boa aparência. Sempre bem vestido e muito perfumado, meu irmão é o primeiro que começa a se arrumar e o último a ficar pronto.

Recosto-me no batente da porta, observando meu irmão arrumar - fio a fio - os cabelos. Solto um longo suspiro, atraindo a atenção dele.

"Pode ir na frente se quiser", ele diz.

Um Grito de Liberdade (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora