CAPÍTULO 3

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Minha mãe está bastante animada com os preparativos da mudança para Curitiba; que deverá acontecer dentro de quinze dias e logo nas primeiras semanas de janeiro.

Ao contrário do que eu imaginava, tudo já está previamente acertado, inclusive a nova casa onde a família vai morar. Eu deveria ter desconfiado da frequência com que os meus pais viajaram para Curitiba, no entanto, para mim eram apenas viagens de trabalho em que a minha mãe o acompanhava. Todavia, eles estavam à procura de um novo endereço e segundo a minha mãe: fazendo o reconhecimento da vizinhança.

Desde que me sentei para o tomar café da manhã, juntamente com o restante da família, minha mãe não para de falar, entusiasmadamente, sobre a nova residência. Enfatizando os detalhes sobre o meu novo quarto, que fora recentemente decorado.

Uma gaiola de ouro nova! – eu logo penso.

"Vocês não precisam se preocupar com a mudança", minha mãe diz e eu me contenho para não rir. "Já contratei uma equipe que virá logo depois do feriado para embalar nossas coisas."

Não precisam se preocupar...

Este é um dos motivos pelos quais passei as três últimas noites em claro, depois que o meu pai anunciou que eles pretendem se mudar para Curitiba, pensando na melhor maneira de anunciar que não vou acompanhá-los nessa mudança. O que certamente renderá um longo sermão em alto e bom tom.

Nasci, cresci e vivi toda a minha vida em São Paulo. Sempre me imaginei estudando e trabalhando na capital paulista. Principalmente, depois que decidi cursar publicidade e propaganda. E qual outra cidade em todo o país melhor do que São Paulo para se trabalhar nessa área?

Sendo assim, não vejo motivos para mudar os meus planos, simplesmente, porque o meu pai foi promovido e aceitou uma transferência para outra região.

Meu pai parece mais interessado em sua leitura matinal e o meu irmão, mais preocupado com as calorias que está contando antes de encher o prato com torradas integrais e omelete feita apenas com claras de ovo, do que realmente com o assunto em questão. Dessa forma, aproveito que sou a única que está servindo de ouvinte para a minha mãe para comunicar minha mais recente tomada de decisão.

"Eu não vou." Digo, passando geleia de morango em uma torrada.

Minha mãe não termina a frase em que estava; meu pai abaixa o jornal e meu irmão derruba no chão o garfo que estava segurando.

"Não vai...?" Minha mãe indaga e todos os olhares estão atentos em mim.

"Não vou me mudar para Curitiba", respondo e Cadú finge tossir.

"E onde você pretende ficar?" Meu pai pergunta, colocando seu periódico de lado.

"Aqui." Respondo como se fosse a resposta mais óbvia.

"Então defina melhor aqui. Porque aqui", ele diz gesticulando ao redor. "Com certeza você não ficará."

Olho confusa para a minha mãe, sentada ao meu lado.

"Por que não?"

"Nós vendemos a casa, filha."

"O quê!?" Indago perplexa com aquela notícia. "Vocês venderam a nossa casa?"

"Eu vendi a minha casa", meu pai responde. "E mesmo se eu não tivesse vendido, nem por cima do meu cadáver você ficaria morando sozinha aqui."

"Achou mesmo que o papai manteria esta casa apenas para que você pudesse se hospedar?" Cadú caçoa de mim entre risos. "Quanta ingenuidade..."

Aquele comentário desperta uma raiva dentro de mim que faz meu sangue ferver. Por um minuto, me esqueço que aquele é o meu verdadeiro irmão. E que a versão um pouco menos insuportável, aparece apenas durante os eventos em família. Ou quando o interesse é dele.

Um Grito de Liberdade (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora