XI. Allyria de Drunkar

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Allyria observou Allon que dormia de boca aberta e Arthus que dormia encolhido no chão de madeira. Razzos e Rowena tinham ido para os próprios quartos, mas, o grupo de Drunkar estava tão cansado que dormiram onde estavam. Ela tinha acabado de acordar de um cochilo e percebeu que estava suja e fedida. Allyria se levantou e foi à procura de água limpa. Na cozinha do navio, conversou com uma serviçal e pediu um pouco de água quente para se lavar.
Ela foi até seu quarto, havia uma cama de solteiro, uma escrivaninha, uma cadeira e ao pé da cama havia um baú para guardar suas coisas. Era pequeno comparado ao quarto de Allon, mas, aquilo iria servir. Na parede a frente havia uma pequena janela redonda de vidro com vista para o mar sem fim, o sol ainda não tinha saído.
Allyria colocou o balde aos seus pés, se sentou na cama e começou a tirar a armadura. Fazia seis dias que não tirava a armadura completa. Enquanto tirava ia esfregando com um pedaço de pano e sabão para tirar a sujeira. Depois foi a vez de tirar a roupa fina que usava por baixo da armadura de couro, prata e bronze. Era um macacão justo que a protegia do frio e do calor, mantendo sua temperatura corporal e por fim tirou sua roupa de baixo. Eram peças simples, que serviam para a ocasião. Ela se esfregou tirando toda a poeira e o fedor do corpo e por último, desfez as tranças grossas fazendo com que o cabelo se soltasse em uma cortina preta.
Resolveu lavar os cabelos também. Depois foi até sua mochila, pegou uma camisola fina e simples para que pudesse dormir confortavelmente.
Deitou-se na pequena cama e adormeceu tranquilamente. 


                                                                                        ***
Ela acordou porque percebeu uma movimentação no seu pequeno quarto. Ela fingiu que ainda dormia, mantendo sua respiração pesada e seus olhos fechados.
Passos.
Respiração pesada.
Era um homem.
Ela pulou em cima do homem dando um grito de guerra.
- Pare com isso! – Allon tentou sair do aperto dela – Sou eu! Pela Deusa!
Allyria respirou aliviada e saiu de cima dele. Ela voltou a se sentar na cama e o encarou com raiva.
- O que está fazendo aqui?
- Eu vim ver como você está – Ele passou a mão no pescoço, o local onde Allyria havia apertado – Quando acordei só achei o garoto. Passei no quarto dos Sunset e deixei você por último.
- E por que estava me observando dormir?
- O que? Eu não estava te observando...
Allyria levantou uma sobrancelha o desafiando.
Allon engoliu saliva, respirou fundo, abriu a boca para dizer alguma coisa mais desistiu. Abriu a porta e foi embora.
Ela passou a mão nos cabelos que ainda estavam soltos e então reparou que estava vestindo apenas a camisola fina, deixando seu corpo marcado não dando brechas para a imaginação. Ela enrubesceu na mesma hora.
Correu apressada para colocar uma roupa confortável e menos chamativa. Colocou uma calça de couro, uma camisa branca, seu cinto de armas e calçou suas botas. Trançou seu cabelo e foi correndo encontrar alguma coisa para comer. Ela passou correndo por Allon e não teve coragem de o olhar nos olhos.
Ela precisava tirar da cabeça que ele havia acabado de vê-la quase nua.
Allyria trombou com Arthus no meio do corredor.
- Você está bem? – Ele perguntou.
- Sim, por que não estaria?
- Suas bochechas – Ele apontou para seu rosto – Estão vermelhas, pode ser o calor ou a maresia.
- Não se preocupe – Allyria riu sem graça.
- Não foi à maresia garoto – Allon passou por eles.
Allyria arregalou os olhos.
- Tudo bem então – Arthus levantou as mãos para o alto como se estivesse se rendendo – Estava indo te chamar para comer. O cozinheiro faz ótimas panquecas.
- Sim, eu preciso comer alguma coisa – Ela confirmou.
Os dois seguiram até a cozinha do navio e durante todo o trajeto Allyria rezou para que não trombasse com Allon tão cedo. Infelizmente, eles estavam em um navio em alto mar o que facilitava os encontros e uma hora ou outra ela teria que conversar com ele. Na academia a nudez não deixava Allyria desconfortável, as salas de banhos às vezes eram compartilhadas com homens e mulheres. Era uma coisa natural, não tinha nada de mais. Então qual era o motivo de ficar tão transtornada por um guerreiro a ver daquele jeito? Atração.
Ela passou a mão pelo rosto.
- Conseguiu tomar banho – Arthus reparou.
Ele ainda estava com a armadura e o rosto sujo.
- Ontem à noite – Allyria explicou – Você devia tomar também.
- Estou preocupado.
Eles estavam sentados em uma mesa no canto da cozinha. Allyria estava comendo panquecas com mel e tomando uma caneca de leite. Arthus já tinha comido e só estava de acompanhante.
- Eu também fiquei – Allyria disse enquanto mastigava.
- Vamos lutar com uma coisa desconhecida – Ele explicou – E que pode ter o poder de um Deus.
- Ontem fiquei pensando –Ela tomou um gole do leite – A pessoa ou o grupo que invadiu o navio real podem estar com dois itens prováveis.
Arthus chegou mais próximo dela.
- Ou a pulseira ou o colar – Ela sussurrou.
Poderia ser o colar do Deus Norrad, se alguém tivesse o poder daquele colar não teria que lutar com ninguém, um simples pensamento mataria o mundo inteiro. Ou poderia ser a pulseira da Deusa Azlyn, a força que aquele item dá ao portador é inimaginável.
- O colar eu acho improvável – Arthus juntou as mãos em cima da mesa – Pense bem, quem se arriscaria a colocar aquilo no pescoço e viver com aquele fardo para o resto da vida?
- Tá, mas, e a pulseira? Não tem maldição nenhuma nela – Allyria disse pensativa – A pessoa pode tirar quando quiser e ficar com todo o poder.
- Sim – Arthus concordou – A pulseira é o mais provável, até por que, o que eles iriam fazer com uma harpa que cura? Ou uma luva que transforma tudo em ouro? Ou um anel que traz os mortos a vida? Eles precisam de alguma arma, alguma coisa que os proteja.
- Apesar de que todas essas coisas seriam muito úteis – Allyria cortou o último pedaço da panqueca.
Ela conseguiu sentir a movimentação na entrada da cozinha e quando olhou, lá estava Rowena e Razzos. Arthus acompanhou seu olhar, pegou em sua mão e a apertou enviando uma mensagem silenciosa para que se mantivesse firme. Ela tirou a mão no mesmo instante.
Os guerreiros de Sunset se aproximaram da mesa.
- Bom dia – Arthus sorriu.
- Bom dia – Razzos respondeu – Poderíamos nos sentar com vocês?
- Claro – Arthus concordou com a cabeça – Fique a vontade.
Allyria não conseguiu tirar os olhos do seu prato, mas, ela conseguia imaginar a cara de nojo que Rowena estaria fazendo.
Os dois guerreiros foram até o cozinheiro, fizeram os seus pratos e retornaram até a mesa deles. Allyria começou a ficar nervosa até que Allon entrou na cozinha e a encarou a deixando agitada. Naquele momento ela pensou: "Nunca mais vou dormir com aquela camisola".
Mas para a felicidade dela, ele fez seu prato e foi embora.
Ela se sentiu aliviada.
- O que vocês acharam de tudo aquilo? – Rowena perguntou.
- De tudo o que? – Arthus levantou uma sobrancelha.
- Daquela história toda – Rowena revirou os olhos – dos itens lendários. Acredita mesmo nessa história?
- Você não acredita? – Allyria perguntou.
Ela encarou Rowena, a guerreira dos Sunset estava tensa.
- Talvez por que ninguém nunca viu esses itens – Rowena disse mexendo as mãos de nervosismo – São apenas histórias que nos contavam.
- Então por que eles matariam guerreiros? Qual o sentido disso?
- Pode ser por qualquer outra coisa – Rowena disse irritada.
- Por exemplo? – Arthus perguntou, ele estava com o pavio curto ultimamente.
- Nós só achamos essa história toda muito fantasiosa – Razzos entrou na conversa.
- Isso é sério? Somos guerreiros abençoados pelos Deuses – Arthus apontou para cima, indicando o céu – As divindades desse mundo nos concederam poderes! E vocês acham "fantasioso" um desses seres divinos terem nos presenteado com itens mágicos?
- Nossos olhos provam isso por si só – Allyria respirou fundo e olhou nos olhos de cada um.
- Tenho consciência disso – Rowena cuspiu entre os dentes – Só que ainda não confiamos nesse amiguinho de vocês.
Ela estava se referindo à Allon.
- Só o conhecemos ontem – Razzos começou a explicar – Nós só tínhamos ouvido histórias sobre ele. O que podem dizer a respeito? Confiam nele?
- Nossa suma sacerdotisa o convocou, sabe que isso...
- Isso não quer dizer nada gracinha – Rowena disse ironicamente – Dizem que ele é filho da suma sacerdotisa, mas, ficava na capital em bordéis e bebendo até cair. Nunca se perguntaram como ele soube que era filho de Ardena? Nós temos a memória apagada, nosso passado não é revelado. Posso ter sido a filha de um nobre ou de um miserável, o passado não importa mais.
Ela nunca tinha pensado sobre isso. Suas memórias começam a partir dos quatorze anos, a criança que ela um dia foi ficou perdida. Só os sacerdotes conheciam o passado deles e eles nunca revelavam. Eram as leis. Os guerreiros podiam ter filhos, mas, se seus filhos quisessem se tornar um guerreiro teria que fazer a prova de iniciação como qualquer um, pois, a benção do guerreiro não era passada para os seus herdeiros. Sendo assim, o filho era perdido, com quatorze anos a memória era apagada e uma nova vida era iniciada, e seu passado nunca revelado.
Rowena e Razzos começaram a comer as panquecas lentamente, mas, Allyria pode perceber que os dois estavam alerta.
- O sumo sacerdote de vocês disse alguma coisa? – Ela tomou o último gole da sua caneca.
- Rette disse a mesma coisa que o rei – Razzos deu de ombros – Ele... Só disse para tomarmos cuidado.
- Nós nem sabíamos que o filho da suma sacerdotisa viria com a gente, à nomeação ainda não tinha sido feita quando fomos para a capital – Rowena explicou.
Arthus estava pensativo a sua frente e Allyria podia apostar que sabia no que ele estava pensando.
- Diga logo! – Allyria esbravejou.
- Se acalme – Arthus olhou feio para ela e limpou a garganta – A questão de Allon ser filho da suma sacerdotisa – Ele coçou a cabeça – Nunca tinha me perguntado como ele sabia. E ainda estou martelando isso na cabeça. É errado, os deuses nos concedem bênçãos se esquecemos do passado. Acho difícil que ele se lembre da infância.
Rowena riu maliciosamente.
- Exatamente – Ela disse enquanto bebericava seu leite – A questão é como ele ainda é um iniciado? Não percebem que tem alguma coisa de errado com ele?
- Se fosse só com ele – Allyria disse se levantando.
- Engraçadinha – Arthus riu.
Rowena respondeu com sua cara de desdém.
- A conversa está ficando interessante, mas, preciso esticar as pernas – Allyria disse se espreguiçando – Nós vemos por aí.
Ela saiu da cozinha. Allyria sentia que a cada instante essa missão ficava mais perigosa. As coisas estavam confusas e precisava limpar sua mente de toda aquela confusão. Ela sabia que uma hora esses mistérios viriam à tona. Só esperava que estivesse preparada para esse momento.

As três chaves de Ecco - O guerreiro e o escolhidoOnde histórias criam vida. Descubra agora