Allyria observou Allon que dormia de boca aberta e Arthus que dormia encolhido no chão de madeira. Razzos e Rowena tinham ido para os próprios quartos, mas, o grupo de Drunkar estava tão cansado que dormiram onde estavam. Ela tinha acabado de acordar de um cochilo e percebeu que estava suja e fedida. Allyria se levantou e foi à procura de água limpa. Na cozinha do navio, conversou com uma serviçal e pediu um pouco de água quente para se lavar.
Ela foi até seu quarto, havia uma cama de solteiro, uma escrivaninha, uma cadeira e ao pé da cama havia um baú para guardar suas coisas. Era pequeno comparado ao quarto de Allon, mas, aquilo iria servir. Na parede a frente havia uma pequena janela redonda de vidro com vista para o mar sem fim, o sol ainda não tinha saído.
Allyria colocou o balde aos seus pés, se sentou na cama e começou a tirar a armadura. Fazia seis dias que não tirava a armadura completa. Enquanto tirava ia esfregando com um pedaço de pano e sabão para tirar a sujeira. Depois foi a vez de tirar a roupa fina que usava por baixo da armadura de couro, prata e bronze. Era um macacão justo que a protegia do frio e do calor, mantendo sua temperatura corporal e por fim tirou sua roupa de baixo. Eram peças simples, que serviam para a ocasião. Ela se esfregou tirando toda a poeira e o fedor do corpo e por último, desfez as tranças grossas fazendo com que o cabelo se soltasse em uma cortina preta.
Resolveu lavar os cabelos também. Depois foi até sua mochila, pegou uma camisola fina e simples para que pudesse dormir confortavelmente.
Deitou-se na pequena cama e adormeceu tranquilamente.
***
Ela acordou porque percebeu uma movimentação no seu pequeno quarto. Ela fingiu que ainda dormia, mantendo sua respiração pesada e seus olhos fechados.
Passos.
Respiração pesada.
Era um homem.
Ela pulou em cima do homem dando um grito de guerra.
- Pare com isso! – Allon tentou sair do aperto dela – Sou eu! Pela Deusa!
Allyria respirou aliviada e saiu de cima dele. Ela voltou a se sentar na cama e o encarou com raiva.
- O que está fazendo aqui?
- Eu vim ver como você está – Ele passou a mão no pescoço, o local onde Allyria havia apertado – Quando acordei só achei o garoto. Passei no quarto dos Sunset e deixei você por último.
- E por que estava me observando dormir?
- O que? Eu não estava te observando...
Allyria levantou uma sobrancelha o desafiando.
Allon engoliu saliva, respirou fundo, abriu a boca para dizer alguma coisa mais desistiu. Abriu a porta e foi embora.
Ela passou a mão nos cabelos que ainda estavam soltos e então reparou que estava vestindo apenas a camisola fina, deixando seu corpo marcado não dando brechas para a imaginação. Ela enrubesceu na mesma hora.
Correu apressada para colocar uma roupa confortável e menos chamativa. Colocou uma calça de couro, uma camisa branca, seu cinto de armas e calçou suas botas. Trançou seu cabelo e foi correndo encontrar alguma coisa para comer. Ela passou correndo por Allon e não teve coragem de o olhar nos olhos.
Ela precisava tirar da cabeça que ele havia acabado de vê-la quase nua.
Allyria trombou com Arthus no meio do corredor.
- Você está bem? – Ele perguntou.
- Sim, por que não estaria?
- Suas bochechas – Ele apontou para seu rosto – Estão vermelhas, pode ser o calor ou a maresia.
- Não se preocupe – Allyria riu sem graça.
- Não foi à maresia garoto – Allon passou por eles.
Allyria arregalou os olhos.
- Tudo bem então – Arthus levantou as mãos para o alto como se estivesse se rendendo – Estava indo te chamar para comer. O cozinheiro faz ótimas panquecas.
- Sim, eu preciso comer alguma coisa – Ela confirmou.
Os dois seguiram até a cozinha do navio e durante todo o trajeto Allyria rezou para que não trombasse com Allon tão cedo. Infelizmente, eles estavam em um navio em alto mar o que facilitava os encontros e uma hora ou outra ela teria que conversar com ele. Na academia a nudez não deixava Allyria desconfortável, as salas de banhos às vezes eram compartilhadas com homens e mulheres. Era uma coisa natural, não tinha nada de mais. Então qual era o motivo de ficar tão transtornada por um guerreiro a ver daquele jeito? Atração.
Ela passou a mão pelo rosto.
- Conseguiu tomar banho – Arthus reparou.
Ele ainda estava com a armadura e o rosto sujo.
- Ontem à noite – Allyria explicou – Você devia tomar também.
- Estou preocupado.
Eles estavam sentados em uma mesa no canto da cozinha. Allyria estava comendo panquecas com mel e tomando uma caneca de leite. Arthus já tinha comido e só estava de acompanhante.
- Eu também fiquei – Allyria disse enquanto mastigava.
- Vamos lutar com uma coisa desconhecida – Ele explicou – E que pode ter o poder de um Deus.
- Ontem fiquei pensando –Ela tomou um gole do leite – A pessoa ou o grupo que invadiu o navio real podem estar com dois itens prováveis.
Arthus chegou mais próximo dela.
- Ou a pulseira ou o colar – Ela sussurrou.
Poderia ser o colar do Deus Norrad, se alguém tivesse o poder daquele colar não teria que lutar com ninguém, um simples pensamento mataria o mundo inteiro. Ou poderia ser a pulseira da Deusa Azlyn, a força que aquele item dá ao portador é inimaginável.
- O colar eu acho improvável – Arthus juntou as mãos em cima da mesa – Pense bem, quem se arriscaria a colocar aquilo no pescoço e viver com aquele fardo para o resto da vida?
- Tá, mas, e a pulseira? Não tem maldição nenhuma nela – Allyria disse pensativa – A pessoa pode tirar quando quiser e ficar com todo o poder.
- Sim – Arthus concordou – A pulseira é o mais provável, até por que, o que eles iriam fazer com uma harpa que cura? Ou uma luva que transforma tudo em ouro? Ou um anel que traz os mortos a vida? Eles precisam de alguma arma, alguma coisa que os proteja.
- Apesar de que todas essas coisas seriam muito úteis – Allyria cortou o último pedaço da panqueca.
Ela conseguiu sentir a movimentação na entrada da cozinha e quando olhou, lá estava Rowena e Razzos. Arthus acompanhou seu olhar, pegou em sua mão e a apertou enviando uma mensagem silenciosa para que se mantivesse firme. Ela tirou a mão no mesmo instante.
Os guerreiros de Sunset se aproximaram da mesa.
- Bom dia – Arthus sorriu.
- Bom dia – Razzos respondeu – Poderíamos nos sentar com vocês?
- Claro – Arthus concordou com a cabeça – Fique a vontade.
Allyria não conseguiu tirar os olhos do seu prato, mas, ela conseguia imaginar a cara de nojo que Rowena estaria fazendo.
Os dois guerreiros foram até o cozinheiro, fizeram os seus pratos e retornaram até a mesa deles. Allyria começou a ficar nervosa até que Allon entrou na cozinha e a encarou a deixando agitada. Naquele momento ela pensou: "Nunca mais vou dormir com aquela camisola".
Mas para a felicidade dela, ele fez seu prato e foi embora.
Ela se sentiu aliviada.
- O que vocês acharam de tudo aquilo? – Rowena perguntou.
- De tudo o que? – Arthus levantou uma sobrancelha.
- Daquela história toda – Rowena revirou os olhos – dos itens lendários. Acredita mesmo nessa história?
- Você não acredita? – Allyria perguntou.
Ela encarou Rowena, a guerreira dos Sunset estava tensa.
- Talvez por que ninguém nunca viu esses itens – Rowena disse mexendo as mãos de nervosismo – São apenas histórias que nos contavam.
- Então por que eles matariam guerreiros? Qual o sentido disso?
- Pode ser por qualquer outra coisa – Rowena disse irritada.
- Por exemplo? – Arthus perguntou, ele estava com o pavio curto ultimamente.
- Nós só achamos essa história toda muito fantasiosa – Razzos entrou na conversa.
- Isso é sério? Somos guerreiros abençoados pelos Deuses – Arthus apontou para cima, indicando o céu – As divindades desse mundo nos concederam poderes! E vocês acham "fantasioso" um desses seres divinos terem nos presenteado com itens mágicos?
- Nossos olhos provam isso por si só – Allyria respirou fundo e olhou nos olhos de cada um.
- Tenho consciência disso – Rowena cuspiu entre os dentes – Só que ainda não confiamos nesse amiguinho de vocês.
Ela estava se referindo à Allon.
- Só o conhecemos ontem – Razzos começou a explicar – Nós só tínhamos ouvido histórias sobre ele. O que podem dizer a respeito? Confiam nele?
- Nossa suma sacerdotisa o convocou, sabe que isso...
- Isso não quer dizer nada gracinha – Rowena disse ironicamente – Dizem que ele é filho da suma sacerdotisa, mas, ficava na capital em bordéis e bebendo até cair. Nunca se perguntaram como ele soube que era filho de Ardena? Nós temos a memória apagada, nosso passado não é revelado. Posso ter sido a filha de um nobre ou de um miserável, o passado não importa mais.
Ela nunca tinha pensado sobre isso. Suas memórias começam a partir dos quatorze anos, a criança que ela um dia foi ficou perdida. Só os sacerdotes conheciam o passado deles e eles nunca revelavam. Eram as leis. Os guerreiros podiam ter filhos, mas, se seus filhos quisessem se tornar um guerreiro teria que fazer a prova de iniciação como qualquer um, pois, a benção do guerreiro não era passada para os seus herdeiros. Sendo assim, o filho era perdido, com quatorze anos a memória era apagada e uma nova vida era iniciada, e seu passado nunca revelado.
Rowena e Razzos começaram a comer as panquecas lentamente, mas, Allyria pode perceber que os dois estavam alerta.
- O sumo sacerdote de vocês disse alguma coisa? – Ela tomou o último gole da sua caneca.
- Rette disse a mesma coisa que o rei – Razzos deu de ombros – Ele... Só disse para tomarmos cuidado.
- Nós nem sabíamos que o filho da suma sacerdotisa viria com a gente, à nomeação ainda não tinha sido feita quando fomos para a capital – Rowena explicou.
Arthus estava pensativo a sua frente e Allyria podia apostar que sabia no que ele estava pensando.
- Diga logo! – Allyria esbravejou.
- Se acalme – Arthus olhou feio para ela e limpou a garganta – A questão de Allon ser filho da suma sacerdotisa – Ele coçou a cabeça – Nunca tinha me perguntado como ele sabia. E ainda estou martelando isso na cabeça. É errado, os deuses nos concedem bênçãos se esquecemos do passado. Acho difícil que ele se lembre da infância.
Rowena riu maliciosamente.
- Exatamente – Ela disse enquanto bebericava seu leite – A questão é como ele ainda é um iniciado? Não percebem que tem alguma coisa de errado com ele?
- Se fosse só com ele – Allyria disse se levantando.
- Engraçadinha – Arthus riu.
Rowena respondeu com sua cara de desdém.
- A conversa está ficando interessante, mas, preciso esticar as pernas – Allyria disse se espreguiçando – Nós vemos por aí.
Ela saiu da cozinha. Allyria sentia que a cada instante essa missão ficava mais perigosa. As coisas estavam confusas e precisava limpar sua mente de toda aquela confusão. Ela sabia que uma hora esses mistérios viriam à tona. Só esperava que estivesse preparada para esse momento.
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As três chaves de Ecco - O guerreiro e o escolhido
FantasíaUm mundo em que os guerreiros são abençoados pelos Deuses, aconteceu um crime. Lorde Hegarty acaba de morrer. Além dos assassinos não terem levado nada de valor, eles conseguiram matar quatro guerreiros iniciados. Um ato quase impossível. O que esse...