Aquela garota estava querendo o provocar. Aquela manhã Allon tinha ido até o quarto dos guerreiros para verificar se ainda continuavam vivos. Rowena e Razzos estavam dormindo em quartos separados e como o garoto Arthus estava no quarto dele, só faltava Allyria.
Allon tinha trinta e dois anos e já havia ficado com muitas mulheres em sua vida. Porém, assim que colocou os olhos na guerreira dormindo, não conseguiu pensar em mais nada. Aqueles cabelos soltos em volta do pescoço magro e branco. A pele parecia de seda e o vestido simples que usava deixa seu corpo perfeito marcado. Ele conseguia ver a beleza divina que a garota tinha. Ele teve desejo de tocar aquele cabelo, aquele corpo e de sentir o sabor daquela boca. Era por esse motivo que ele tinha que ficar longe da garota. Ele via como Arthus olhava para ela, percebeu o jeito protetor que o garoto a tratava. Allon não queria mais problemas.
Ele precisava se manter focado, tentaria evitar mais confusão. Ele passou a mão pelo rosto, estava no convés do navio quando avistou Arthus passar apressado por ali.
- Ei garoto! – Allon chamou.
Arthus foi até ele com um olhar curioso.
- Você viu Allyria?
- Não – Allon negou com a cabeça – Por quê? Aconteceu alguma coisa?
- Ela sumiu depois que tomamos café da manhã – Arthus deu de ombros.
- A garota está estressada – Allon disse despreocupado – Todos nós estamos, deixe ela curtir o momento.
O garoto concordou com a cabeça.
- Eles estão duvidando de você – Arthus disse com pesar - Devo me preocupar?
- Duvidam de mim? Achei que duvidassem da existência dos itens – A última parte ele sussurrou.
- Disso também.
- Vou conversar com todos de novo – Allon disse pensativo – Precisamos fazer vigílias, organizar os turnos e escolher os melhores lugares.
Os dois começaram a conversar sobre a divisão de turnos enquanto andavam pelo deque do navio. Eles passaram por Razzos que acabou se juntando a eles. Arthus perguntou onde estava Rowena e o guerreiro de Sunset disse que tinha ido se lavar.
- Você viu Allyria? – Arthus perguntou.
- Ela passou no corredor dos quartos – Razzos deu de ombros.
Os três continuaram a percorrer pelo navio analisando cada detalhe. Foram até o capitão London perguntar sobre a segurança e o que poderiam fazer a respeito.
Quando Allon viu Allyria passando mais a frente. Ele engoliu saliva e fingiu que não a tinha visto. A garota foi até a proa observar a vista, os raios de sol iluminavam os cabelos negros dela e o vento marítimo soprava as poucas mechas soltas da trança bem elaborada.
- Precisamos fazer a reunião agora – Allon disse para ninguém em especial.
- Vou chamar Rowena – Razzos disse se afastando.
Allon desviou o olhar, mas, percebeu que Arthus o observava curioso.
- Ela não é para qualquer um – Arthus disse baixo para que só Allon escutasse.
Ele concordou silenciosamente.
***
- Nós somos uma equipe e como tal, precisamos deixar tudo às claras – Allon disse olhando nos olhos de cada um.
Todos tinham ido até o quarto de Allon, já que era o maior quarto.
- Não vamos esconder segredos aqui, então se tiverem alguma dúvida ou quiserem saber sobre algo é só perguntar...
- Como soube que Ardena era sua mãe? – Allyria interrompeu.
Falar sobre seu passado era uma coisa dolorosa, ele não esperava ter que tirar toda a sujeira de uma só vez. Aqueles guerreiros estavam desconfiados e precisavam de confiança. Se para ganhar aqueles guerreiros ele precisasse falar sobre aquilo, assim ele faria.
Os olhos deles brilhavam de curiosidade.
- Como vinte e quatro anos me tornei um iniciado – Allon limpou a garganta – E assim como vocês, não me lembrava do meu passado. Por que são as leis. Depois de dois anos um monstro apareceu na capital, muitas pessoas morreram. Eu já havia achado a espada, mas, ela permanecia guardada e o rei... – Allon coçou a barba por fazer – ele não queria que ninguém usasse aquela arma, dizia que era muito perigosa e que teríamos que derrotar aquele monstro com nossa benção. Mas, antes que eles trocassem de lugar eu roubei a espada.
A sala ficou em silêncio. Roubar da coroa era um dos piores crimes.
- Corri para onde o monstro estava. Achei que venceria fácil, mas, aquilo era um ser milenar. Já devia ter lutado com centenas de guerreiros e tudo o que eu fazia a serpente já previa. Lutei por horas e em um momento... Só por um segundo, Rafisha passou a língua venenosa nos meus machucados. As lendas diziam que o veneno era mortal, achei que morreria na hora. Mas, a verdade foi que curou todas minhas feridas e comecei a ter alucinações. Se eu demorasse mais provavelmente morreria. Então pulei em cima dela e travei a espada na cabeça. Ela não teve chance, morreu na hora. Logo depois desmaiei e quando acordei, todas as memórias estavam lá – Ele via a cara de choque dos guerreiros a sua frente.
- O veneno... Desfez o ritual de memória? – Arthus perguntou inseguro.
- Sim, esses seres são divinos, eles possuem magia correndo em suas veias – Allon explicou – Assim que entrou em contato com meu sangue foi como uma bomba. Poderia ter me matado, mas, por alguma brincadeira de Valian, eu sobrevivi e ganhei minhas memórias de volta.
Fiquei semanas de cama, delirando e falando coisas sem nexo, quando voltei era como se o ritual da memória não tivesse acontecido, eu conseguia lembrar de tudo. Logo fui tirar satisfação com Ardena que confirmou todas as minhas lembranças, depois ela acabou revelando ao rei e os sacerdotes, é a função dela. Todos viram esse acontecimento como mais uma bênção, mais um presente. O rei me chamou de "O favorito dos Deuses" e foi por isso que não fui preso mesmo tendo roubado um item lendário do cofre do rei.
- Mas todos te conhecem como o filho da suma sacerdotisa - Allyria disse confusa.
- Sim, depois essa história acabou se tornando pública, fiquei surpreso por não saberem.
- E como era? - Arthus perguntou curioso.
- Como era o que? - Allon perguntou confuso.
- Sua vida antes dos quatorze anos.
Allon balançou a cabeça em negação. Ele ainda não queria dividir aquelas lembranças com mais alguém. Allon havia enterrado a maioria delas no fundo da sua mente e por várias vezes se sentiu amaldiçoado por lembrar, agora ele entendia o motivo de existir esse ritual.
- Não é relevante - Allon deu de ombros - Mais alguma pergunta?
- Era por isso que não ficava com sua mãe? - Rowena perguntou - Há muitas histórias sobre você em bordéis e em...
- Isso irá fazer com que vocês confiem em mim? - Allon perguntou irritado.
Ele não via como sua vida pessoal e seus conflitos internos iriam ajudar a fazê-los a confiarem nele.
- Não precisa responder isso - Allyria interveio - Isso é pessoal.
- Sem segredos - Rowena semicerrou os olhos.
- Então você quer a verdade? Então diga a eles o que descobriu sobre mim, diga a eles o que você disse para mim naquele dia, diga a eles que...
Rowena levantou do seu banco e partiu para cima de Allyria, mas, guerreiros de Sunset não eram habilidosos em combate corpo a corpo como os guerreiros de Drunkar. Ele viu com os próprios olhos Allyria soltar várias sequências de socos no rosto da adversária, estava muito claro quem sairia ganhando aquela luta. Mas, ele não poderia deixar a luta ir até o final.
- Parem com isso! - Allon entrou no meio da briga.
Ele puxou Allyria pelo cinto, tirando a garota de cima do outra.
- Diga a eles! - Allyria continuava gritando.
- Dizer o que? - Ele puxou a garota e prendeu suas mãos nas costas, ela estava muito exaltada precisava se acalmar.
Razzos levantou Rowena e a segurou firme pelo quadril imobilizando-a. Rowena cuspiu sangue no chão e olhou feio para Allyria que se debatia do aperto de Allon. Enquanto Arthus só observava a cena com os olhos arregalados sem saber o que fazer.
- Não vou dizer nada - Rowena disse com a voz venenosa - Isso só diz respeito a você, só queria confirmar o que eu já sabia.
- Pelos Deuses, o que ela está falando? - Allon gritou nervoso.
- Ela leu o meu pergaminho - Allyria disse baixinho - Ela sabe meu nome.
A sala ficou um choque com a notícia. Só os sacerdotes tinham permissão de ler os pergaminhos dos aprendizes. O nome correto era: Pergaminho da memória, era onde ficava registrado a origem dos guerreiros, sua árvore genealógica, quem era sua família, qual era o seu nome antes daquela vida. Era um crime passível de pena de morte.
- O que? Você só pode estar brincando! - Arthus passou a mão pelo rosto, mostrando o seu nervosismo - Diga que isso é mentira. Diga!
- Se acalmem! - Allon gritou - Pelo amor dos Deuses. O objetivo dessa reunião não era revirar o passado de vocês, apenas o meu. Isso está sendo mais difícil do que imaginei - Allon bufou - Como você conseguiu? - Ele procurou os olhos de Rowena.
A guerreira dos Sunset engoliu a saliva e lançou um olhar raivoso a Allyria.
- Meu primeiro encontro com ela não foi amigável... - Rowena começou a explicar.
- Você que provocou! - Arthus disse revoltado.
- Garoto! Deixe a menina falar - Allon só queria terminar com toda aquela história e tirar um cochilo.
- Allyria acabou me batendo como fez aqui - Rowena respirou fundo - Eu fiquei com muita raiva. Eu queria machuca-la como ela tinha feito comigo, eu sou muito orgulhosa - Rowena sorriu mostrando seus dentes sujos de sangue - Eu não poderia vencê-la em uma luta, talvez no arco e flecha. Mas, eu sabia que isso não aconteceria, então, invadi a biblioteca dos deuses e achei o pergaminho dela.
- Você roubou o pergaminho? - Allon perguntou preocupado.
Se isso tivesse acontecido, a morte da garota iria ser bem dolorosa.
- Claro que não! - Rowena balançou a cabeça - Eu só li.
- Ela diz que eu sou filha de um lorde com uma criada - Allyria cuspiu enquanto falava - Uma criança que foi rejeitada pelo pai. E adivinhem quem é o meu pai? - Allyria disse enlouquecida - Lorde Gavery Senna, o conselheiro do rei! - Ela gargalhou.
Lorde Gavery Senna era um homem de muitas posses e muito poder, era o melhor amigo do rei e foi com essa vantagem que conseguiu se tornar o conselheiro real. Allon conhecia o homem e sabia do que ele era capaz. Ele não estava surpreso de um Lorde fazer isso com sua filha. Muitas pessoas levavam os filhos até os templos porque achavam que seria uma honra divina, mas, existiam aqueles que levavam por que não tinham condições ou por que era uma criança indesejada. Allon continuava apertando as mãos de Allyria. Ele pode sentir a garota tremer enquanto ria exageradamente.
- Seu nome é Eileen Senna - Rowena disse maliciosa enquanto Allyria gargalhava.
- Por que está rindo assim? Acha engraçado ela ler seu pergaminho? - Arthus perguntou olhando a loucura nos olhos dela.
- Allyria acredita mesmo nisso? - Allon perguntou preocupado, talvez Rowena estivesse blefando. Existia muita segurança na biblioteca dos Deuses, era uma fortaleza, o que tornava a entrada de um guerreiro ali quase impossível. Ele mesmo nunca tinha conseguido.
- Rowena isso é um crime... - Razzos disse confuso.
- Eu sei que é verdade, por que eu também li o meu pergaminho - Allyria disse com um olhar penetrante direcionado para Rowena - E também li o seu.
O quarto ficou um silêncio absoluto.
Rowena parecia ter parado de respirar.
- Sua trapaceira imunda! - Rowena gritou - Eu vou te matar!
- Puta que pariu! - Allon disse entre os dentes - Razzos, tire ela daqui! Agora! Arthus ajude ele! Pelo amor da Deusa.
Razzos arrastou Rowena até o corredor, enquanto ela gritava obscenidades para Allyria.
- Foi por isso que não te denunciei! - Allyria gritava em resposta - Eu queria saber o seu nome também.
- Já chega! - Allon virou ela de frente para ele - Sabe que isso é um crime? Que a punição é a morte?
- Pode dizer a sua mãe - Allyria tinha um brilho nos olhos - Mas antes, deixe eu contar qual o nome dela!
- Não vou te denunciar - Allon disse cansado - Só pare com essa loucura, somos uma equipe! Não podemos ficar separados. Que droga!
Allyria concordou com a cabeça, mas, ele desconfiava que aquilo não iria acabar por ali.
Arthus não havia saído do quarto como Allon havia pedido e olhava para Allyria com um olhar pensativo.
- Era por isso que queria encontrar ela, não era? - Arthus perguntou.
- O que você acha? - Allyria sorriu para o garoto.
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As três chaves de Ecco - O guerreiro e o escolhido
FantasyUm mundo em que os guerreiros são abençoados pelos Deuses, aconteceu um crime. Lorde Hegarty acaba de morrer. Além dos assassinos não terem levado nada de valor, eles conseguiram matar quatro guerreiros iniciados. Um ato quase impossível. O que esse...